Rev Cuid. 2020; 11(2): e1059
http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.1059

RESEARCH ARTICLE

Perfil clínico de portadores de Diabetes Mellitus em acompanhamento multiprofissional em saúde

Clinical profile of patients with Diabetes Mellitus using multidisciplinary interventions

Perfil clínico de los pacientes con diabetes mellitus mediante intervenciones multidisciplinarias

Juliana Veloso1, Luiz César Guarita-Souza2, Emilton Lima Júnio3, Rosana Amora Ascar4, Dalton Bertolim Précoma5

  1. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, Brasil, E-mail: julivlso@yahoo.com.brOrcid https://orcid.org/0000-0002-8318-9982
  2. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, Brasil, E-mail: guaritasouzalc@hotmail.com Orcid https://orcid.org/0000-0003-2781-9705
  3. Professor Titular de Cardiologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor Adjunto de Cardiologia da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, Brasil, E-mail: emilton.junior@pucpr.br Orcid https://orcid.org/0000-0002-6887-9387
  4. Universidade do Estado de Santa Catarina, Chapecó, Brasil, E-mail: rosana.ascari@hotmail Orcid https://orcid.org/0000-0002-2281-8642.
  5. Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, Brasil, daltonprecoma@gmail.comOrcid https://orcid.org/0000-0002-1187-8690

 

Histórico
Recibido: septiembre 11 de 2019
Aceptado: mayo 22 de 2020
Publicado: septiembre 1 de 2020

Como citar este artículo: Veloso, Juliana; Guarita-Souza, Luiz César; Lima Júnior, Emilton; Ascari, Rosana Amora; Précoma, Dalton Bertolim. Perfil clínico de portadores de Diabetes Mellitus em acompanhamento multiprofissional em saúde. Revista Cuidarte. 2020;11(3):e1059. http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.1059
Atribución 4.0 Internacional (CC BY 4.0)


Resumo

Introdução: o Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) possui uma crescente prevalência e elevada morbimortalidade. As condições socioeconômicas podem influenciar os cuidados gerais do paciente e o tratamento medicamentoso. Objetivos: avaliar o perfil clínico e estilo de vida de pacientes com DM2, em atendimento multiprofissional na atenção primária à saúde.  Metodologia: estudo transversal realizado à pacientes de baixa renda, inseridos no Programa de Diabetes de uma Unidade de Saúde paranaense através de visitas domiciliares, sendo denominados grupo 1 (em acompanhamento multiprofissional a mais de sete anos) e Grupo 2 (a menos de sete anos). A coleta de dados deu-se por meio de questionário após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa nº 1.617.516 em 2016. O programa Statistical Package for the Social Sciences foi utilizado para as análises estatísticas descritivas. Resultados: houve prevalência do sexo feminino (74,7%) e idade média de 62,2 anos (± 10,3), com diferença significativa na idade entre os grupos (p=0,001). Entre os fatores comportamentais avaliados, o consumo de bebida alcoólica foi maior no grupo 2 (p=0,009), assim como a prática de atividade física de 7 a 9 vezes na semana (p=0,045). Entre as comorbidades apresentadas estão a hipertensão arterial (82%), dislipidemia (62%) e agravos cardíacos (69,3%, p=0,050). O intervalo entre as consultas regulares e o tempo que ficou sem tratamento medicamentoso após o diagnóstico médico foi significativo entre os grupos (p=0,006 e 0,002 respectivamente). Houve melhor adesão ao tratamento contínuo no grupo 1 (42,6%) em comparação ao grupo 2 (35,4%), repercutindo na maior aderência ao uso de insulina no grupo 1 (p=0,002). Conclusão: os dois grupos tinham baixa renda e escolaridade, elevados índices de falta de aderência ao tratamento, elevada comorbidades e baixa observância aos hábitos adequados de vida. O grupo de maior tempo de DM2 teve maior janela terapêutica. Apesar de um programa estruturado de acompanhamento, falta melhor adequação das orientações multiprofissionais.

Palavras-chave: Diabetes Mellitus Tipo 2; Comorbidades; Atenção Primária à Saúde.


Abstract

Introduction: Type 2 Diabetes Mellitus (DM2) has an increasing prevalence and rate of morbidity and mortality. Socioeconomic conditions often influence overall patient care and drug treatment. Objective: To assess clinical profiles and lifestyles of patients with DM2 through a multidisciplinary intervention. in primary health care. Materials and Methods: A cross-sectional study was conducted with low-income patients who were part of a Diabetes Prevention Program of a Healthcare Unit in Paraná by means of home care visits. Group 1 has received multidisciplinary home care assistance for more than seven years while Group 2 has received that assistance for less than seven years. The data was collected using a questionnaire approved by the Research Ethics Committee no. 1,617,516 of 2016. The Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) software was used for descriptive statistical analysis. Results: A prevalence of 74.7% in women at an average age of 62.2 years (± 10.3) were observed, showing a significant difference in age between both groups (p=0.001). Among behavioral factors analyzed, alcohol consumption was found to be higher in Group 2 (p=0.009), but physical activity was practiced between seven and nine times per week (p=0.045). Hypertension (82%), dyslipidemia (62%) and heart disease (69.3%, p=0.050) were some of the comorbidities reported. The time interval between general consultation and time without treatment was significant among the groups (p=0.006 and 0.002, respectively). Better adherence to continuous treatment was observed in Group 1 (42.6%) compared to Group 2 (35.4%), which translated into better adherence to insulin in Group 1 (p=0.002). Conclusions: Both groups reported low levels of income, education and healthy lifestyles in contrast to high rates of treatment adherence and comorbidities. The group that received longer DM2 assistance had a larger therapeutic window. Despite having a structured follow-up program, recommendations from the multidisciplinary team need to be improved and adapted.

Key Words:   Diabetes Mellitus, Type 2; Comorbidity; Primary Health Care.


Resumen


Introducción: La diabetes mellitus tipo 2 (DM2) presenta una creciente prevalencia y una tasa elevada de morbilidad y mortalidad. Las condiciones socioeconómicas suelen influir en la atención general a los pacientes y en el tratamiento farmacológico. Objetivo: Evaluar el perfil clínico y el estilo de vida de los pacientes con DM2 a través de una intervención multidisciplinar en la atención primaria de salud. Materiales y Métodos: Se llevó a cabo un estudio transversal en pacientes de bajos ingresos que eran parte del Programa de Diabetes de una Unidad de Servicios de Salud en Paraná a través de visitas domiciliarias. En el Grupo 1 han recibido asistencia multidisciplinar por más de siete años mientras que en el Grupo 2 han recibido esta asistencia por un tiempo menor a siete años. La recolección de datos se realizó a través de un cuestionario aprobado por el Comité de Ética en Investigación nro. 1.617.516 de 2016. Se utilizó el software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) para el análisis estadístico descriptivo. Resultados: Se observó una prevalencia en mujeres del 74,7 % y una edad promedio de 62,2 años (± 10,3), con una diferencia significativa de edad entre los grupos (p=0,001). Entre los factores de comportamiento evaluados, se encontró que el consumo de bebidas alcohólicas fue mayor en el grupo 2 (p=0,009), pero que practicaban alguna actividad física entre siete y nueve veces por semana (p=0,045). Entre las comorbilidades presentadas figuraban la hipertensión (82 %), dislipidemia (62 %) y enfermedades cardíacas (69,3 %, p=0,050). El intervalo transcurrido entre la consulta general y el tiempo sin tratamiento farmacológico tras el diagnóstico médico fue significativo entre los grupos (p=0,006 y 0,002, respectivamente). Se presentó una mejor adherencia al tratamiento continuo en el Grupo 1 (42,6 %) en comparación con el Grupo 2 (35,4 %), lo que se tradujo en una mayor adherencia al uso de insulina en el Grupo 1 (p=0,002). Conclusión: En ambos grupos se presentaron niveles de ingreso, educación y hábitos de vida saludable bajos. en contraste con tasas de adherencia al tratamiento y comorbilidades altas. El grupo que había tenido DM2 por más tiempo tuvo una ventana terapéutica más grande. A pesar de contar con programa de seguimiento estructurado, hace falta mejorar y adaptar las indicaciones del equipo multidisciplinario.

Palabras clave: Diabetes Mellitus tipo 2; Comorbilidades; Atención Primaria de Salud.


INTRODUÇÃO

A expectativa de vida da população global aumentou consideravelmente nas últimas décadas, tanto para homens quanto para mulheres1. No entanto, as pessoas que vivem mais não são necessariamente sadias2. Comportamentos pouco saudáveis, tais como sedentarismo, tabagismo e etilismo, estão contribuindo para morbidade, mortalidade e o surgimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como a diabetes.

O DM2 é uma doença crônica que ocorre quando o corpo não consegue empregar adequadamente a insulina que produz, representa entre 90-95% dos casos de diabetes e pode acontecer em qualquer idade, no entanto, é mais comum ser diagnosticada após os 40 anos de idade3. O diagnóstico é realizado por duas amostras de glicemia em jejum com valores superiores a 126 mg/dl, ou hemoglobina glicada acima de 6,5%, ou valores de teste de tolerância oral da glicose após 2 horas da ingesta de 75 gr de glicose, com valores superiores a 200 mg/dl3.
Atualmente, a população mundial acometida pela diabetes é da ordem de 415 milhões de adultos. Em 2040, estima-se que esse número subirá para 642 milhões4-5.

A estimativa atual do total de portadores de DM2 com idade entre 20 e 79 anos no Brasil é de 11,9 milhões, equivalendo a quase 6% da população. De acordo com a Federação Internacional de Diabetes, o Brasil ocupa a quarta posição entre os demais países6. Nos idosos, a prevalência de DM2 é de 16,15,7.

A Diabetes Mellitus tipo 2 (DM2) não afeta todos os grupos populacionais igualmente. Há diferenças de acordo com sexo, status socioeconômico e etnia, sendo que grupos desfavoráveis economicamente estão mais expostos a experimentar dificuldades na adoção de estilo de vida saldável, isso provavelmente causado por determinantes sociais8.

Dietas que privilegiam baixo consumo de fibras e alto consumo de ácidos graxos saturados, açúcares e sedentarismo são os principais contribuintes para a incidência de obesidade e DM29.
O modelo assistencial predominante nos sistemas brasileiros de saúde pública e suplementar ainda está fortemente baseado em uma prática curativista, o que leva a um alto nível de complexidade e custos nos procedimentos, ao não atendimento das reais necessidades de saúde dos indivíduos e à consequente falta de qualidade assistencial10.

Como forma de amenizar essa problemática, em 2002 foi criado pelo Ministério da Saúde o Programa HiperDia. Trata-se de um sistema de informação em saúde com o objetivo de gerar informações para dispensação e distribuição de medicamentos aos pacientes diabéticos e hipertensos, e assim constituir-se em um instrumento para acompanhamento desses pacientes, além de também servir como meio para vincular o paciente à unidade básica de saúde.

Nesse sentido, os profissionais de saúde, especialmente os profissionais da enfermagem, que normalmente mantêm uma relação mais próxima aos pacientes diabéticos, devem incentivar os usuários a buscarem atendimento o mais precocemente possível, identificando possíveis sequelas e/ou intercorrências e incentivando a adesão ao tratamento e inserção no programa HiperDia11.

Este estudo, portanto, tem como finalidade de avaliar o perfil clínico e estilo de vida dos pacientes e a observância das recomendações realizadas no atendimento multiprofissional da unidade de saúde, comparando-os em dois grupos conforme o tempo de tratamento; Levantamento dos hábitos de atividade física, tabagismo e consumo de bebida alcoólica; Duração do tratamento para diabetes; Avaliação da correlação entre aspectos sociodemográficos, comportamentais e histórico de saúde com a aderência ao tratamento da diabetes; Relação entre a periodicidade das visitas nas consultas e o seguimento das orientações médicas e multiprofissionais.

Acredita-se ser este um fator de fundamental importância para munir os gestores de saúde com informações que possam nortear políticas públicas mais eficientes, visando melhorar o atendimento aos pacientes diabéticos.

A DM2 é o fator de risco isolado com maior influência na alta prevalência das DCNT em adultos, em especial das cardiovasculares, e está intimamente ligada a hábitos e a qualidade de vida. Assim, torna-se necessário o desenvolvimento e a avaliação dos resultados – por meio de índices de qualidade de vida mais estruturados – de metodologias de gerenciamento da saúde que acompanham pacientes diabéticos.

Avaliar o perfil clínico e estilo de vida dos pacientes e a observância das recomendações realizadas no atendimento multiprofissional da unidade de saúde, comparando-os em dois grupos conforme o tempo de tratamento.

MATERIALES Y METODOS

Trata-se de um estudo epidemiológico, caracterizado pelo delineamento transversal, observacional, de abordagem quantitativa, cuja amostra foi composta por 150 pacientes, inseridos no Programa de Atenção Básica de Saúde, com diagnóstico de DM2, no Município de Campina Grande do Sul, Paraná, localizado na região metropolitana de Curitiba.

Foram realizadas visitas domiciliares a pacientes do Programa de Diabetes da Unidade de Saúde Jardim Paulista, com idade acima de 18 anos e diagnóstico de DM2, no período de julho a outubro de 2016. O referido programa faz parte da Atenção Pública de Doenças Crônicas, do Ministério da Saúde, chamado Hiperdia, cujo objetivo é o fornecimento de medicamentos para a diabete e hipertensão arterial, além de reuniões com os pacientes, para aprimorar os cuidados gerais e hábitos de vida saudáveis.  

Antes da entrevista domiciliar realizado por um único investigador, o agente de saúde marcava a visita antecipadamente.  No dia da coleta de dados, era explicado os objetivos do estudo e obtido assinatura no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.  Os dados foram coletados por meio de questionário específico baseado no ATLAS Corações do Brasil9, The Diabetes Self-management Questionnarie (DSMQ)12 constando: análise das condições socioeconômicas, sociodemográficas, comportamentais, histórico de doenças crônicas e fatores de risco cardiovasculares associados a diabetes. Os questionários contemplaram também: escolaridade, renda familiar, consumo de álcool, tabagismo, hábitos alimentares e atividade física.
 
Da população de quatro mil pessoas da área de abrangência da Unidade de Saúde da Família do bairro Jardim Paulista, 166 faziam parte do Programa de Diabetes, e todos foram convidados a participar do estudo.

A população da pesquisa compreendeu moradores do município de Campina Grande do Sul - PR, da área do bairro Jardim Paulista, inscritos no Programa de Estratégia da Saúde da Família (ESF) com autonomia para responder aos questionários. Foram considerados critérios de inclusão na pesquisa indivíduos diagnosticados com Diabetes Mellitus tipo 2, filtrados do sistema de atendimento, com idade acima de 18 anos, ambos os sexos, inscritos no programa acima referido, ser residente da área de abrangência da pesquisa, com código de endereçamento postal 83430-000.

Foram considerados critérios de exclusão: no momento do agendamento da visita domiciliar, recusar a visita, estar em tratamento com quimioterapia e hormônios, paciente em diálise ou transplante renal, estar acamado, ter retardo mental ou perda auditiva, ter transtorno metal grave ou comprometimento cognitivo, estar institucionalizado no momento da coleta de dados ou apresentar qualquer doenças crônica e incapacitante.

As variáveis de natureza quantitativa foram descritas por meio de medidas de tendência central e dispersão: média, desvio padrão, mediana, valor mínimo e máximo observado, estimativa por intervalo de confiança para a média populacional com base no número de respostas válidas e nível de confiança de 95%. As variáveis categóricas foram descritas por meio de frequências absolutas e proporções.

A análise estatística foi realizada no programa Stata/SE v14.1. As variáveis de natureza quantitativa foram descritas por média e desvio padrão com base no número de respostas válidas e intervalo de confiança de 95%. As variáveis categóricas foram descritas por meio frequências absolutas e proporções. A comparação entre os dois grupos, foi utilizado o teste t de “student” para amostras independentes ou teste não-paramétrico de Mann-Whitney. A condição de normalidade dessas variáveis foi avaliada pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Para as variáveis categóricas o teste exato de Fisher ou Qui-quadrado foram utilizado. Considerou-se como nível de significância estatística de referência p<0,05.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Departamento de Pesquisa do Hospital Angelina Caron - PR, sob parecer nº 1.617.516 em 26 de julho de 2016.
 
RESULTADOS
 
A média de idade global foi de 62,2 ± 10,3 anos (Tabela 1). Houve prevalência do sexo feminino, com 112 pacientes (74,7%). Oitenta e sete eram casados (58%), com predominância da raça branca em 120 casos (80%). Quanto à religião, houve predominância de católicos (62% - 93 casos). Quanto à escolaridade, prevaleceu o primário incompleto, em 58 casos da amostra (38,7%). A renda familiar de dois salários mínimos ocorreu em 54,7% da amostra.

Tabela 1. Caracterização sociodemográfica de pacientes diabéticos inscritos no Programa HiperDia (n=150) e comparação dos grupos definidos pelo tempo de tratamento do diabetes.

Resultados descritos por frequência (percentual) ou média ± desvio padrão. *Teste t de Student para amostras independentes (idade); teste exato de Fisher ou de Qui-quadrado (variáveis categóricas); p<0,05. Fonte: Dados da pesquisa.

Os fatores comportamentais incluíram o tabagismo, o etilismo e atividade física (Tabela 2). Na análise do tabagismo, não se verificou diferença significativa entre os grupos. O consumo de bebida alcoólica teve maior incidência no grupo com menos de sete anos de tratamento (19,1% versus 4,9%), com diferença estatística (p=0,009). A atividade física regular foi seguida por 32% dos pacientes, sendo mais prevalente no grupo 1, porém sem diferença significativa (p=0,079).

Tabela 2. Aspectos fatores comportamentais – Tabagismo, Etilismo e Atividade Física (n=150) e comparação dos grupos definidos pelo tempo de tratamento do diabetes.

Resultados descritos por frequência (percentual) ou média ± desvio padrão. *Teste t de Student para amostras independentes (idade); teste não paramétrico de Mann-Whitney (cigarros por dia); teste exato de Fisher ou de Qui-quadrado (variáveis categóricas); p<0,05
Fonte: Dados da pesquisa.

As principais comorbidades foram a hipertensão arterial, dislipidemia e as comorbidades cardíacas. A hipertensão arterial ocorreu em 82% da amostra, não havendo diferença entre os dois grupos (p=0,288). A dislipidemia esteve presente em 93 pacientes (62%), sem diferença entre os grupos. As comorbidades cardíacas, representadas pelo infarto do miocárdio, insuficiência coronária e angioplastia prévia, indicação de cateterismo estiveram presentes em 69,3% da amostra (104 pacientes). Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos, com p=0,050 (Tabela 3).

Tabela 3. Presença de comorbidades do paciente (n=150) e comparação dos grupos definidos pelo tempo de tratamento do diabetes.

Resultados descritos por frequência (percentual). aAngina (n=21), insuficiência cardíaca (n=2), cateterismo (n=37), infarto (n=12) ou angioplastia (n=15). bDoença do rim (n=22), cálculo renal (n=14) ou diálise (n=2).* Teste exato de Fisher, p<0,05.
Fonte: Dados da pesquisa.

Foram analisados os intervalos entre as consultas, e, do total, a maior prevalência foi a de dois e três meses (50%), sendo que no grupo 1 a incidência foi maior que no grupo 2 (64,7% versus 37,8%, respectivamente). Nas consultas de quatro e seis meses, foi observada a predominância do grupo 2 (62,2% dos casos, em relação ao grupo 1, que apresentou 35,3%.

Em relação ao tempo de tratamento, com foco na janela terapêutica, 38,7% dos pacientes sempre estiveram em tratamento contínuo, sendo 42,6% no grupo 1 e em 35,4% no grupo 2. Considerando a janela terapêutica menor de seis meses, encontrada em 36,7% dos pacientes, houve predominância do grupo 1 (45,6% versus 29,3% do grupo 2). A janela terapêutica de 6 a 12 meses foi mais prevalente no grupo 2 (22% versus 1,5% do grupo 1). A janela terapêutica superior a 12 meses obteve menor incidência nos dois grupos (4,4% versus 8,5% nos grupos 1 e 2 respectivamente). A ausência de tratamento ocorreu em 5,3% do total (Tabela 4).

Tabela 4. Aderência ao tratamento (n=150) e comparação dos grupos definidos pelo tempo de tratamento do diabetes.

*Teste exato de Fisher ou de Qui-quadrado, p<0,05.
Fonte: Dados da pesquisa.

Considerando o questionário “The Diabetes Self-management Questionnaire” (DSMQ), o grupo com tempo de tratamento menor de sete anos teve um índice de tratamento adequado nos últimos sete dias de 4,2+3,1, em comparação com o grupo acima de sete anos, que foi observado um índice de utilização de insulina de 6,9+0,6, com diferença estatística significativa (p=0,002). Quanto à dieta, controle da glicemia e cuidados com os pés, a média foi inferior a dois dias na semana, tanto para o grupo de DM inferior e superior a sete anos (Tabela 5).

Tabela 5. Resultados da aplicação do instrumento “The Diabetes Self-management Questionnaire” (DSMQ) e comparação dos grupos definidos pelo tempo de tratamento do diabetes

*Teste não paramétrico de Mann-Whitney, p<0,05. **Restrito aos pacientes que faziam uso da medicação (n=128, medicação em comprimidos; n=32, medicação injetável); Dp: desvio padrão.
Fonte: Dados da pesquisa.

Quanto às orientações recebidas sobre a dieta, pela equipe multiprofissional, foram realizados os seguintes questionamentos, com os respectivos percentuais de aplicação: seguir um plano alimentar de baixo teor de gordura: 91,3%; seguir uma dieta de carboidratos complexos: 78,7%; reduzir o número de calorias para perder peso: 61,3%; comer lotes de alimentos ricos em fibras: 61,3%; comer lotes (pelo menos 5 porções por dia) de frutas e legumes: 48%; comer muito poucos doces (sobremesas, refrigerantes não dietéticos etc.): 50,7%. Em relação à atividade física, a variável “realizar exercício de baixa carga (caminhada)” diariamente foi orientada em 83,3% dos casos. Exercícios contínuos por pelo menos 20 minutos até três vezes por semana foi aconselhado em 59,3% dos casos (Tabela 6).

Tabela 6. Orientações multiprofissionais promovidas pela equipe de saúde (médico, enfermeiro, nutricionista ou educador) (n=150) e comparação dos grupos definidos pelo tempo de tratamento do diabetes.

*Teste exato de Fisher, p<0,05. Fonte: Dados da pesquisa.

DISCUSSÃO

A caracterização sociodemográfica de uma população é muito importante para estabelecer uma política de saúde e a implantação de metas que beneficiarão os pacientes e a comunidade. Estudo sinaliza que a condição social de baixa renda da população pode influenciar o risco de coronariopatia, hipertensão arterial, dislipidemia e diabetes13.

Em relação à distribuição da amostra segundo o gênero, observou-se um predomínio entre as mulheres neste estudo. Tal dado é corroborado em estudos nacionais (61%)14 e internacionais (52%)15 No estado do Paraná, observa-se taxas semelhantes (63%)16. Acredita-se que a maior participação de mulheres nesses estudos seja explicada sob a perspectiva da origem da família como propriedade privada, até o início da I e II Guerra Mundial, período em que a mulher ocupava o espaço privado quase que exclusivamente, ou seja, era responsável pelos cuidados com a casa, filhos e marido. A literatura destaca que as mulheres costumam cuidar mais de si, porque, historicamente, sempre coube a elas o cuidado com a saúde de suas famílias. Por este motivo, estão mais atentas a sinais e sintomas das doenças, e em geral procuram ajuda precocemente17

A respeito da escolaridade, o primário incompleto foi o mais prevalente neste estudo. A baixa escolaridade pode dificultar a compreensão do usuário acerca dos cuidados essenciais para o controle da doença e a prevenção das complicações18-19. Este dado é corroborado em estudo de 224 pacientes com DM2 que demostrou a baixa escolaridade associada ao controle inadequado da DM20.

No presente estudo, a instrução realizada pela equipe multiprofissional foi adequada, porém a aderência destas orientações foi muito baixa. Estudo sinaliza que a baixa renda pode ter efeitos na aprendizagem dos cuidados com a diabetes16. Noutro estudo, a observância deficitária dos cuidados gerais que o diabético necessita, especialmente com os pés, foi associada à baixa renda15. Informação confirmada no presente estudo, visto que os cuidados com os pés tiveram baixos índices de observância pelos participantes. Além disso, a que se considerar a baixa escolaridade, com dois terços apresentando analfabetismo funcional e escolaridade primária completa ou incompleta. Outro estudo também descreve a associação dos aspectos socioeconômicos com a escolaridade mais baixa e a interferência no efeito de aprendizagem dos cuidados relacionados à diabetes21. Nesse sentido, outra investigação concluiu que o menor nível educacional está associado a um maior risco de DM2 em homens e mulheres19.

Quanto aos hábitos de saúde, o tabagismo é um importante fator para o desenvolvimento de doenças crônicas, como as cardiovasculares22. Um estudo que analisou o controle do Diabetes Mellitus tipo 2 em nove países da América Latina, no setor privado, identificou que 12,90% dos participantes eram tabagistas23. No Brasil, estima-se que cerca de 20 milhões de pessoas são fumantes, sendo a região Sul de maior prevalência24.

Neste estudo, o gênero masculino esteve mais associado ao tabagismo que o feminino. Em relação à faixa etária, existe um risco maior se for fumante entre 14-47 anos. Neste quesito, a diferença não foi significativa entre o grupo de tratamento acima de sete anos quando comparado com o grupo de menos de sete anos (p=0,297).

Referente ao consumo de bebida alcoólica, a maioria relatou não ter o hábito de ingeri-la, e teve maior incidência no grupo com menos de sete anos de tratamento. Estes achados corroboram a conduta indicada sobre este hábito, cuja recomendação da ingestão de álcool deve-se limitar a uma quantidade moderada, o que equivale a uma dose ou menos para mulheres e duas doses ou menos para homens24.

A prática de atividade física regular foi um hábito de baixa prevalência entre os participantes deste estudo, seguida por apenas 32% dos pacientes, e sendo mais prevalente no grupo 1. Nesse sentido, a literatura sinaliza para a evidência de que a mudança no estilo de vida, sobretudo na alimentação e redução da atividade física, associam-se positivamente para o incremento acentuado na prevalência de DM23.

Em relação às comorbidades, pesquisadores a descreveram como a presença de duas ou mais doenças distintas em um indivíduo. Não necessariamente relacionadas entre si, mas que são capazes de causar ou agravar os estados patológicos, ou dificultar o tratamento26.

A hipertensão arterial, neste estudo, foi identificada na maioria dos participantes (82,0%), sendo superior aos dados encontrados num inquérito nacional realizado no ano de 2015 com a população brasileira em 26 capitais e no Distrito Federal27. Para a cidade de Curitiba, o referido inquérito apresentou um índice de 22,8%.

A incidência de hipertensão nos portadores de diabetes aumenta com a idade, sendo esta uma predisposição natural devido às alterações vasculares intrínsecas ao envelhecimento, e em decorrência dos efeitos negativos que a hiperglicemia e a hiperinsulinemia exercem sobre o organismo. Quanto à faixa etária, hipertensão arterial sistêmica foi maior no idoso diabético do que em idosos não diabéticos28.

Outra comorbidade prevalente neste estudo foi a dislipidemia, tanto no grupo de tratamento superior quanto inferior a sete anos. Alguns estudos destacaram a importância de se observar a associação entre os fatores de risco e a diabetes, pois eles aumentam as probabilidades das doenças cardiovasculares13.

Neste estudo, as atividades cotidianas dos pacientes foram avaliadas conforme o questionário, considerando os últimos sete dias anteriores à entrevista, sendo que o valor zero corresponde a menos favorável, e sete mais aceitável. Somente na dieta específica os valores foram invertidos.

Na dimensão, em quantos dos últimos sete dias você seguiu uma dieta saudável, tivemos uma média de 1,8 ± 2,6 dias. Estudo com achado diferente foi conduzido sobre o tema de autocuidado em idosos de Ribeirão Preto - SP, e quando questionados se seguiam uma dieta saudável, obteve-se uma média 4,9 dias. Tais achados são diferentes se comparados com os encontrados nesta amostra. Um estudo que avaliou as práticas de autocuidado entre pacientes com DM utilizando um instrumento semelhante ao desta pesquisa em país de baixa renda, foram encontrados resultados semelhantes aos que se apresentam nesta investigação com prevalência de baixo índice de observância às recomendações29.

Os benefícios específicos da maior ingestão de alimentos lácteos têm recebido recentemente maior atenção. Uma análise combinada de sete estudos de coorte (254.892 participantes, sendo 19.082 casos de diabetes) revelou que a maior ingestão de produtos lácteos foi associada a menor risco de Diabetes Mellitus tipo 230. Este estudo, que não teve o desenho específico para avaliar desfecho a longo prazo numa população ampla, mas tão somente relacionou a ingestão de alimentos ricos em gordura, como carne vermelha ou produtos lácteos gordurosos, obteve uma média de 1,9 ± 2,5, dias/semana. A literatura sinaliza que a ingestão total de gordura dietética não está associada com o risco de DM2 quando comparado a substituições energéticas equivalentes de carboidratos31.

No entanto, vale ressaltar que os alimentos de origem animal, mesmo que consumidos com moderação, devido ao seu alto teor de gordura saturada, aumentam o risco de desenvolver obesidade e predispõem a doenças cardiovasculares, incluindo a diabetes.

Em relação ao uso de medicamentos, houve prevalência do tratamento antidiabético oral em relação ao parenteral. O tipo de tratamento indicado aos pacientes correspondeu ao que estava disponível no sistema público de saúde nacional, mas considerado inadequado às vistas do tratamento atual indicado pelas diretrizes. Apesar disto, a aderência observada à medicação foi adequada nos dois grupos analisados. Em relação ao uso de insulina, a aderência foi significativamente maior no grupo com o tempo de tratamento acima de sete anos. Semelhante resultado foi encontrado quando os sujeitos da amostra foram indagados quanto ao uso nos últimos sete dias, sendo observado elevado índice de aderência. Esta condição pode ter a explicação devido às complicações sentidas ao longo do tratamento.

Um estudo transversal avaliou a aderência ao tratamento medicamentoso com pacientes diagnosticados com DM2, tratados em clínicas de saúde primária na Malásia, concluindo que 53% dos pacientes na população estudada não eram aderentes32

As limitações deste estudo se dão ao fato de que uma parte dos pacientes diabéticos não foi avaliada devido a entrevista domiciliar ter sido realizada no horário de trabalho, o que poderia explicar o fato de a maior parte da amostra ser do gênero feminino. Outra limitação é referente ao tipo de tratamento oferecido pelo sistema público, que está defasado em relação aos conceitos e evidências atuais. Apesar da boa aderência ao tratamento, a associação das comorbidades é elevada.

CONCLUSÃO

Os resultados deste estudo permitem concluir que nesta população, os dois grupos (de menor e maior tempo de DM2) possuem baixa renda e escolaridade, elevados índices de falta de aderência ao tratamento, elevada associação de comorbidades, baixa obediência quanto os hábitos de vida adequados. No grupo de maior tempo de DM2 foi predominante a janela terapêutica elevada.

Nesta população que representa as características da maior parte da população das cidades brasileiras, é necessário maior atenção quanto a supervisão do tratamento quanto as orientações pela equipe multidisciplinar, mesmo dentro de um programa de orientação estruturada.

Conflito de interesses: Os autores declaram que não há conflito de interesses.

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