Rev Cuid. 2021;12(2):e1169
http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.1169
RESEARCH ARTICLE
Efeitos do Trabalho em Turnos e Coping em Profissionais de Enfermagem Hospitalar
Effects of Shift Work and Coping in Hospital Nursing Professionals
Efectos del Trabajo por Turnos y Coping en los Profesionales de Enfermería Hospitalaria
Histórico
Recebido: 25 de marco de 2020
Aceito: 2 de fevreiro de 2021
Publicado: 30 de abril de 2021
Como citar este artígo: Antoniolli, Liliana; Souza, Sônia Beatriz Cócaro de; Macedo, Andreia Barcellos Teixeira; Dal Pai, Daiane; Magalhães, Ana Maria Müller de; Magnago, Tânia Solange Bosi de Souza. Efeitos do Trabalho em Turnos e Coping em Profissionais de Enfermagem Hospitalar. Revista Cuidarte. 2021;12(2):e1169. http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.1169
Atribución 4.0 Internacional (CC BY 4.0)
Resumo
Introdução: Respostas de coping podem influenciar na adaptação dos profissionais ao trabalho em turnos, contribuindo para manutenção da saúde e qualidade de vida. Assim, objetivou-se verificar a associação entre coping e efeitos do trabalho em turnos sobre a saúde dos profissionais de enfermagem. Materiais e Métodos: Estudo transversal, realizado com 124 profissionais de enfermagem em um hospital universitário, no período de agosto a novembro de 2014. Utilizou-se o questionário Coping com o Trabalho por Turnos, instrumentos para avaliação de efeitos do trabalho em turnos na saúde e avaliação da qualidade de vida. Dados analisados estatisticamente, considerando-se significância de 0,05. Resultados: Observou-se associação inversa entre efeitos do trabalho em turnos e escore total do coping (p=0,003). Domínios do coping apresentaram correlações diretas com domínios de qualidade de vida (p<0,05). Das participantes, 46 (37%) profissionais apresentavam efeitos do trabalho em turnos na saúde. Discussão: O uso do coping contribui com menor ocorrência dos efeitos negativos do trabalho em turnos sobre a saúde, dentre estes, funções cognitivas, sono, hábitos alimentares e gástricos, e estresse. Ainda, podendo cooperar para manutenção do bem estar psíquico e físico, adaptação laboral, e melhor qualidade de vida. Conclusões: O conhecimento da relação entre coping e efeitos do trabalho em turnos na saúde pode auxiliar na identificação de meios para promover melhores condições de trabalho, preservando o bem-estar físico e psíquico, e a saúde do profissional de enfermagem.
Palavras chaves: Adaptação Psicológica; Jornada de Trabalho em Turnos; Equipe de Enfermagem; Saúde do Trabalhador; Tolerância ao Trabalho Programado
Abstract
Introduction: Coping responses can influence the adaptation of health care professionals to shift work, contributing to the maintenance of health and quality of life. Thus, this study aimed to verify the association between coping and the effects of shift work on the health of nursing professionals. Materials and Methods: This was Cross-sectional study, conducted with 124 nursing professionals in a university hospital between August and November 2014. The Shift Work Coping Strategies questionnaire was used as an instrument for assessing the effects of shift work on the health and quality of life of participants. Data were statistically analyzed, considering a significance level of 0,05. Results: An inverse association was observed between the effects of shift work and the total coping score (p = 0,003). Coping domains showed direct correlations with quality-of-life domains (p <0,05). Among participants, 46 (37%) professionals reported having effects of shift work on their health. Discussion: The use of coping contributes to a lower occurrence of the negative effects of shift work on health, among these, cognitive functions, sleep, eating and gastric habits, and stress. Also, being able to cooperate to maintain psychic and physical well-being, work adaptation, and better quality of life. Conclusions: By understanding the relationship between coping strategies and the effects of shift work on health, several means can be identified to promote better working conditions and maintain the physical and psychological well-being and health of nursing professionals
Keywords: Adaptation, psychological; Shift Work Schedule; Nursing, Team; Occupational Health; Work Schedule Tolerance
Resumen
Introducción: Las respuestas de coping pueden influir en la adaptación de los profesionales al trabajo por turnos, contribuyendo al mantenimiento de la salud y la calidad de vida. Por lo tanto, el objetivo fue verificar la asociación entre coping y los efectos del trabajo por turnos en la salud de los profesionales de enfermería. Materiales y métodos: Estudio transversal, realizado con 124 profesionales de enfermería en un hospital universitario, de agosto a noviembre de 2014. Se utilizó el cuestionario Coping con el trabajo por turnos, instrumentos para evaluar los efectos del trabajo por turnos en la salud, y evaluación de la calidad de vida. Datos analizados estadísticamente considerando una significancia de 0.05. Resultados: Se observó asociación inversa entre los efectos del trabajo por turnos y la puntuación total del coping (p=0,003). Los dominios del coping presentaron correlaciones directas con los dominios de calidad de vida (p<0,05). De los participantes, 46 (37%) profesionales presentaban efectos del trabajo por turnos en la salud. Discusión: El uso del coping contribuye a una menor ocurrencia de los efectos negativos del trabajo por turnos sobre la salud, incluidas las funciones cognitivas, el sueño, la alimentación, los hábitos gástricos y el estrés. También puede contribuir al mantenimiento del bienestar psicológico y físico, la adaptación laboral y una mejor calidad de vida. Conclusiones: Conocimiento de la relación entre coping y los efectos del trabajo por turnos sobre la salud puede ayudar en la identificación de medios para promover mejores condiciones de trabajo, preservando el bienestar físico y psicológico y la salud de los profesionales de enfermería.
Palabras clave: Adaptación Psicológica; Horario de Trabajo por Turnos; Grupo de Enfermería; Salud Laboral; Tolerancia al Trabajo Programado
Introdução
Desde a Idade Média, os grupos sociais tendem a ampliar a oferta de bens e serviços, resultando no aumento da jornada de trabalho. A inclusão da luz elétrica na sociedade e a Revolução Industrial contribuíram para a organização do trabalho, divididos em turnos, durante 24 horas. O regime de trabalho em turnos se caracteriza por articular o revezamento de dois ou mais grupos de profissionais para manter a produção contínua de bens e/ou oferecimento de serviços1.
Na área da saúde, os hospitais precisam manter a prestação de cuidados aos pacientes de forma contínua, implicando no revezamento entre equipes de enfermeiras, auxiliares e técnicas de enfermagem2. Desta forma, estes profissionais ficam expostos a jornadas prolongadas em um ambiente de trabalho por vezes estressante, apresentando reações distintas ao trabalho em turnos.
Estudos apontam para a ocorrência de efeitos negativos deste regime laboral na saúde do trabalhador, como desordens do sono, distúrbios gástricos e cardiovasculares, alterações do humor e da personalidade, prejuízo no desempenho das atividades ocupacionais e nas interações sociais e familiares3, 4. Contudo, a maneira como os indivíduos enfrentam estas situações seguem constituindo interessante objeto de pesquisa.
O coping é definido como um conjunto de esforços cognitivos e comportamentais conscientemente utilizados pelo indivíduo para lidar com as exigências externas ou internas de sua relação com o ambiente, avaliadas como desgastantes e danosas, tendo por objetivo adaptar-se à nova rotina estabelecida5. Pode ser compreendido como estratégia de adaptação, envolvendo as estratégias intencionalmente utilizadas pelos trabalhadores para se adaptarem as diversas situações laborais. Estudo prévio6 sugere que as respostas de coping dos indivíduos podem influenciar sua adaptação ao trabalho em turnos, indicando que maiores escores de coping podem desencadear melhor tolerância a jornada de trabalho.
Assim sendo, a justificativa para esta pesquisa reside em preencher lacuna da literatura sobre a utilização das estratégias de coping pelos profissionais de enfermagem que trabalham em turnos. A relevância do estudo reside na possibilidade de contribuir para reforçar estratégias visando reduzir danos à saúde destes trabalhadores. A hipótese investigada foi de que profissionais de enfermagem com melhor coping apresentam menos efeitos do trabalho em turnos em sua saúde.
Diante do exposto, a presente investigação questionou acerca da associação entre coping e efeitos do trabalho em turnos sobre a saúde dos profissionais de enfermagem. Para tanto, objetivou-se verificar a associação entre coping e efeitos do trabalho em turnos sobre a saúde dos profissionais de enfermagem hospitalar.
Materiais e Métodos
Trata-se de um estudo de delineamento transversal analítico e com abordagem quantitativa. A população foi composta por enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem de unidades de internação abertas, especializadas em clínica médica, cirúrgica e pediátrica, de um hospital universitário no Brasil, por possuírem características semelhantes quanto à infraestrutura e iluminação.
A estimativa do tamanho amostral baseou-se na diferença entre médias do coping7 considerando a possibilidade de presença/ausência dos efeitos do trabalho em turnos. Para um nível de significância estatística (α) de 0,05 e poder do teste de 80% (β=20%), considerando um desvio padrão unitário e curva diferença de 0,5 unidades, resultando total de 128 participantes. A seleção ocorreu de forma aleatória e estratificada, segundo turno de trabalho e categoria profissional. Ressalta-se que profissionais de nível técnico (técnicas e auxiliares de enfermagem) são categorizados conjuntamente, tendo em vista que na instituição de pesquisa desenvolvem atribuições semelhantes.
Foram incluídos no estudo os profissionais de enfermagem ativos na instituição, que trabalhavam em regime de turnos (manhã, tarde ou noite fixa), em unidades de internação abertas. E, excluídos profissionais transferidos para área de trabalho fechada durante o período da pesquisa.
Considerou-se como fator em estudo o coping, e como desfecho presença ou ausência de efeitos do trabalho em turnos na saúde dos profissionais. A presença do desfecho foi definida pela ocorrência de alteração em três ou mais (50%+1) variáveis utilizadas: desempenho cognitivo, qualidade do sono, estressores no ambiente laboral, informação sobre ocorrência de alterações no comportamento alimentar, relato de alterações gástricas; e resposta positiva de alterações na saúde após início do trabalho em regime de turnos. Sendo classificados na categoria “apresenta efeitos do trabalho em turnos na saúde”, a partir de modelo estatístico criado pelas autoras no SPSS, com base na literatura3, 4. A qualidade de vida e dados pessoais e laborais, foram considerados cováriaveis.
A coleta de dados foi realizada no período de agosto a novembro de 2014, por coletadores previamente capacitados. Os profissionais de enfermagem das unidades abertas foram convidados a participar do estudo e receberam orientações referentes aos objetivos da pesquisa. Os que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, em duas vias, e responderam individualmente, em local privativo, ao instrumento de coleta de dados no local e horário de trabalho. A aplicação do protocolo de pesquisa teve duração média de 40 minutos. Para tanto, utilizaram-se instrumentos de pesquisa específicos e validados para população brasileira.
O questionário Coping com o Trabalho por Turnos7, permitiu avaliar a resposta de adaptação do participante nos domínios sono, vida social, saúde e trabalho ao desempenhar atividades laborais em regime de turnos. A pontuação de cada domínio pode variar entre 7 e 42 pontos, e quanto maior o escore encontrado pelo somatório, maior é o controle do entrevistado sobre aquele domínio ao trabalhar em regime de turnos. O valor de alpha de Cronbach da escala Coping com o Trabalho por Turnos foi de 0,914 nesta amostra.
A avaliação do desempenho cognitivo foi composta pelos testes: a) span de dígitos e span de palavras8; b) memória lógica imediata e recente9; e c) stroop teste, composto por três lâminas: palavras, cores, e palavras-cores10. Cada teste permite identificar variáveis ordinais que através de pontos de corte fornecem categorias de normal (sem sintomas) e alterado (com sintomas) ao desempenho cognitivo dos trabalhadores em turnos. Presença de alteração cognitiva foi definida pela combinação de testes positivos, ou seja, indivíduos que apresentaram quatro ou mais testes (50%+1) com resultado alterado foram considerados “com alteração cognitiva”.
O Índice de qualidade do sono de Pittsburgh (PSQI), versão brasileira11, permitiu detectar prejuízo na qualidade do sono dos indivíduos. Sua medida resulta em variáveis categóricas ordinais, discriminando a qualidade do sono dos indivíduos em “má”, quando escores forem iguais ou maiores a cinco; e “boa”, quando escores menores que cinco. O alpha de Cronbach do PSQI foi de 0,754 nesta pesquisa.
A aplicação do Inventário de Estresse entre Enfermeiros (IEE) permitiu identificar os estressores no trabalho da enfermagem por meio de 38 itens, distribuídos em três fatores específicos: relações interpessoais, papéis estressores da carreira e fatores intrínsecos ao trabalho12. A pontuação do questionário varia entre 38 a 190 pontos, a qual fornece uma medida geral de estresse ocupacional, considerou-se como ponto de corte pontuação maior a 95, sendo indicativa de alto nível de estresse ocupacional. O valor de alpha de Cronbach do IEE foi de 0,944 para esta amostra.
Formulário complementar para coleta de dados e caracterização das participantes, construído para compor o protocolo da presente pesquisa, e composto de questões diretas sobre: a) presença/ausência de alterações no comportamento alimentar, b) presença/ausência de sintomas gástricos, e c) presença/ausência de alterações observadas na saúde após o início do regime de trabalho em turnos. Ainda, informações referentes aos dados pessoais e laborais compuseram o mesmo.
Para a avaliação da qualidade de vida foi utilizado o Instrumento de Avaliação de Qualidade de Vida da Organização Mundial da Saúde, World Health Quality of Life (WHOQOL-breve), traduzido e validado para o português13. Sendo composto por 26 perguntas, duas questões gerais de qualidade de vida e as demais dividem-se em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. O instrumento fornece escores para cada domínio, tendo como resultado final variáveis categóricas ordinais. O valor de alpha de Cronbach do WHOQOL-breve foi de 0,811 nesta amostra.
Os dados foram organizados e digitados no Programa Excel-2010 da Microsoft Windows e analisados no programa SPSS, versão 20.0. A comparação de variáveis categóricas ocorreu por meio do teste qui-quadrado e as contínuas por meio do teste t de Student. A comparação de variáveis quantitativas e categóricas por meio do teste Mann-Withney para amostras independentes. Utilizou-se teste de Análise de Variância (ANOVA) de uma via ou teste Kruskal-Wallis, para comparação de médias e, correlação de Spearman, para comparação de duas ou mais variáveis quantitativas.
Este artigo se originou de uma dissertação de mestrado, seguiu os princípios éticos de pesquisas envolvendo seres humanos14, e conta com parecer de aprovação pelo Comitê de Ética da instituição envolvida sob registro 05-165, de 25 de julho de 2014.
Resultados
A amostra do estudo foi constituída de 124 profissionais, uma vez que quatro (3,1%) profissionais foram excluídos por terem sido transferidos para área fechada durante a coleta dos dados. Foram incluídas 48 (39%) enfermeiras e 76 (61%) técnicas e/ou auxiliares de enfermagem. Dos 124 participantes, 110 (89%) eram do sexo feminino, com média de idade de 47,28 ± 8,19 anos, variando entre 28 e 69 anos de idade; o tempo médio de trabalho em turnos foi de 22,70 ± 8,08 anos, variando de quatro meses a 42 anos. Do total de participantes, 82 (66%) trabalhavam à noite, 27 (22%) à tarde e 15 (12%) pela manhã; e 109 (88%) profissionais possuíam vínculo empregatício único.
Observou-se que os profissionais atuantes no turno da tarde apresentaram maiores médias de anos de estudo quando comparados aos da noite (p=0,011). O número de profissionais por categoria (enfermeiras, técnicas/auxiliares de enfermagem) foi maior no turno da noite quando comparado ao turno tarde (p=0,016), sem diferença estatisticamente significativa quando comparados ao turno da manhã, conforme apresentado na Tabela 1.
Tabela 1. Distribuição de frequência das variáveis de caracterização dos profissionais de enfermagem conforme o turno de trabalho.
Fonte: dados da pesquisa, 2014.
Notas: a,b: letras diferentes expressam diferenças estatisticamente significativas, letras iguais equivalem a ausência de diferenças estatisticamente significativas;
I Teste Qui-quadrado;
II Teste ANOVA (média em anos)
A Tabela 2 apresenta ausência de associações estatisticamente significativas entre os domínios do questionário de coping e turnos de trabalho.
Tabela 2.Associação dos domínios de Coping e turnos de trabalho dos profissionais de enfermagem.
Fonte: dados da pesquisa, 2014.
Notas: Teste de Kruskal Wallis.
Foram observadas correlações estatisticamente significativas e diretas entre os domínios do coping que se referem a aspectos do: sono, saúde, e trabalho, com todos os domínios do questionário de qualidade de vida (Tabela 3). Ainda, o domínio vida social, do questionário de coping, correlacionou-se diretamente com os domínios físico e relações sociais do WHOQOL.
Tabela 3. Correlação entre Coping e Qualidade de Vida (WHOQOL) dos profissionais de enfermagem.
Fonte: Fonte: dados da pesquisa, 2014.
Notas: Correlação de Spearman *p<0,05
Conforme as análises entre a utilização de estratégias de coping e presença de efeito do trabalho em turnos, apresentada na Tabela 4, observou-se associação estatisticamente significativa entre domínios do questionário de coping sono (p=0,001) e saúde (p=0,003), e coping total (p=0,003) com a presença de efeitos do trabalho em turnos na saúde. Cabe ressaltar que, dos 124 profissionais entrevistados, 46 (37%) apresentaram efeitos do trabalho em turnos na saúde.
Tabela 4: Associação do Coping e Efeitos do Trabalho em Turnos (TT) na saúde dos profissionais de enfermagem
Fonte: Fonte: dados da pesquisa, 2014.
Notas: Teste Mann Whitney
Discussão
A hipótese de que os profissionais de enfermagem com melhor coping apresentam menos efeitos do trabalho em turnos na saúde foi confirmada. Os escores do coping referidos pelos profissionais quanto aos aspectos sono e saúde foram maiores naqueles que não apresentaram efeitos do trabalho em turnos. Tais dados sugerem que as enfermeiras e técnicas/auxiliares de enfermagem fazem uso consciente de estratégias para controlar a saúde e o sono, ao trabalhar em turnos. Isto, na busca por recursos que minimizem as adversidades da organização laboral, de forma a adaptar-se ao regime de trabalho estabelecido, corroborando com a literatura15.
A possibilidade de controle e cuidado da saúde e sono podem ser eficazes para evitar a ocorrência de efeitos indesejados, frequentemente, referidos por profissionais de enfermagem de instituições hospitalares ao trabalhar por turnos. Tais como desordens no padrão de sono, cansaço, agitação, alterações alimentares e gastrointestinais e estresse4, os quais podem colocar em risco o bem estar físico e psicológico do trabalhador comprometendo a realização de suas atividades laborais.
Alterações do sono e vigília são derivadas, geralmente, da diminuição do tempo e qualidade do sono devido à dessincronização na fisiologia do ciclo sono-vigília, ocorridos por conta do trabalho em horários divergentes ao ciclo natural claro-escuro4. Tais problemas são considerados centrais aos demais efeitos do trabalho em turnos na saúde dos indivíduos3, já que podem levar ao cansaço mental, colaborar para o declínio das funções cognitivas de atenção, memória e raciocínio, desencadear alterações metabólicas, devido aos horários irregulares de refeições e secreção de hormônios, e gerar situações estressoras, colocando em risco a segurança do próprio trabalhador, dos colegas e pacientes atendidos.
Na amostra em estudo observou-se um esforço de coping centrado nas necessidades humanas básicas, o que pode justificar menor presença de efeitos na saúde do indivíduo após ingresso no regime de trabalho em turnos. Em contrapartida, os achados sugerem que os profissionais podem estar negligenciando o coping voltado para aspectos subjetivos, como a vida social e performance no trabalho.
A insuficiência de coping das enfermeiras e técnicas/auxiliares de enfermagem com relação a vida social e familiar pode conduzir, tardiamente, ao desgaste emocional, com reflexos orgânicos e perturbações na dinâmica doméstica, conjugal e social. Podendo interferir de forma negativa na vida e bem estar dos profissionais, desencadeando doenças, afastamentos do trabalho e isolamento social, que são diagnosticados geralmente em estados avançados, devido a sua subjetividade16.
Uma característica marcante da influência do ambiente de trabalho na questão familiar é a quantidade de tempo gasto no trabalho em relação ao tempo gasto com a família, que pode ser responsável, ou não, pela ocorrência de conflitos domésticos. Esta particularidade associada à personalidade do trabalhador e à flexibilidade ou tolerância da família ao trabalho em turnos afetam a forma como o profissional irá encarar as exigências do trabalho e aquelas advindas da vida pessoal. Desta forma influenciando na vivência de estresse, que refletirá nos indicadores de saúde e de desempenho, repercutindo inclusive na qualidade de vida no trabalho e no ambiente familiar17.
Os dados observados na correlação do coping e Qualidade de Vida sugeriram que a maior utilização de estratégias de coping para o sono, saúde e trabalho pelos profissionais agregou melhor qualidade de vida nos domínios: físico, psicológico, relações sociais e relações do indivíduo com o meio ambiente. Desta forma, entende-se que maior controle e utilização de estratégias de coping são dispensados para lidar com os fatores adversos do labor, de forma a auxiliar os profissionais a reduzirem efeitos negativos do trabalho em turnos e terem uma boa qualidade de vida.
Estudo realizado com equipes de enfermagem de dois hospitais públicos de Ática, na Grécia, que investigou a saúde mental e as estratégias de enfrentamento dos profissionais, revela que comportamentos positivos de coping regulam os efeitos negativos do trabalho. Estando associados a melhor saúde mental dos profissionais de enfermagem, refletindo em melhor qualidade de vida e melhor qualidade do trabalho realizado pelas equipes de enfermagem18.
A prevalência de profissionais, independente da categoria, atuantes no turno da noite, somada a alta prevalência de vínculo empregatício único podem justificar menores esforços de coping voltados para a vida social e laboral, e concentração de esforços de coping aos aspectos do sono e saúde ao trabalhar em turnos. Isto porque, na instituição de realização do estudo, os plantões noturnos de 12 horas ocorrem com intervalo de 60 horas de descanso, havendo três equipes para revezamento dos plantões noturnos.
Esta organização do horário laboral permite aos profissionais dispor de tempo para convívio com a família e amigos, prática de atividades de lazer e dedicação ao crescimento pessoal, somado a remuneração condizente com as atividades exercidas, ou seja, o adicional noturno. Apresentam-se como fatores determinantes para a manutenção do bem estar físico, psíquico e social, elevação da satisfação no trabalho e auto percepção de qualidade de vida pessoal19.
Além disso, nota-se que a maioria dos profissionais participantes eram adultos maduros, que trabalhava em turnos em média há mais de duas décadas. A experiência, tanto pessoal como profissional, agrega ao indivíduo controle sobre os aspectos da vida ao trabalhar em turnos, de forma que conseguem adaptar-se melhor a tal regime de trabalho, minimizando a ocorrência de efeitos negativos à saúde16.
É notório que as alterações fisiológicas, decorrentes da dessincronização do ritmo biológico ao trabalhar em turnos, são mais facilmente percebidas do que as alterações psicoemocionais3. O que pode justificar que as estratégias de coping estejam voltadas, prioritariamente, para o sono e a saúde dos profissionais. Já que estes afetam rapidamente o bem estar físico dos indivíduos de forma que precisam ser superados e enfrentados brevemente para que não sejam causadores de problemas orgânicos que impeçam o desenvolvimento das atividades laborais.
Desta forma, o reforço das estratégias de coping centrado na saúde e, especialmente, no sono, por parte dos profissionais de enfermagem pode estar explicando a melhor adaptação ao trabalho em turnos15. Todavia, atenção especial deve ser dispensada para a prevenção de reflexos negativos na saúde psicoemocional das enfermeiras e técnicas/auxiliares de enfermagem. Preservando integralmente o bem estar físico e psíquico, e evitando conflitos nas relações familiares e sociais que refletem diretamente na qualidade da assistência prestada, na satisfação pessoal e, a longo prazo na saúde do profissional.
É válido destacar que estratégias efetivas de coping para lidar com o trabalho em turnos envolvem intervenções ativas tanto por parte dos profissionais, como, da instituição empregadora. Por parte dos profissionais, residem na organização do ambiente para o repouso após o período laboral, especialmente quando este ocorrer durante o dia por ocasião do trabalho noturno, devendo-se evitar claridade, barulho e ruídos, buscar um ambiente com temperatura amena; instruir e sensibilizar a família sobre a influência das condições ambientais para o descanso, a fim de garantir qualidade ao repouso. Ainda, evitar o consumo de bebidas estimulantes ao fim do plantão; e identificar prematuramente as situações desgastantes na busca por solucioná-las brevemente, evitando que se tornem fontes estressoras20.
Por parte das instituições empregadoras, investigar o cronotipo dos profissional para adequação ao turno de trabalho; flexibilização dos horários de trabalho, por meio de negociação com os profissionais; atentar para intervalos de descanso evitando plantões sucessivos; possibilitar período de repouso e/ou cochilo durante o turno de trabalho, especialmente em plantões de 10 horas ou mais; garantir adequada iluminação dos ambientes; e oferecer grupos de apoio e/ou instrução e suporte psicológico para aconselhamento. As estratégias descritas podem prevenir danos à saúde do trabalhador, minimizar a ocorrência de acidentes devido a sonolência, cansaço e fadiga mental e promover o bem estar, facilitando a adaptação ao regime laboral20, e consequentemente refletirão em melhor desempenho e qualidade laboral dos trabalhadores.
Conclusões
Esta pesquisa permitiu o alcance do objetivo proposto, evidenciando associação inversa entre efeitos do trabalho em turnos e escore total do coping (p=0,003). Também confirmou a hipótese em estudo, de que o uso consciente de estratégias de coping minimizam efeitos negativos e danosos do regime de trabalho em turnos, e contribuem para o bem estar psíquico e físico das enfermeiras, técnicas e auxiliares de enfermagem.
O conhecimento da relação entre coping e efeitos do trabalho em turnos na saúde pode auxiliar na identificação de meios para promover melhores condições de trabalho, com vistas a proporcionar satisfação dos profissionais na realização de suas atividades, melhorando a qualidade de vida laboral, familiar e social, o que reflete diretamente na saúde do trabalhador e na qualidade da assistência de enfermagem prestada.
Ainda, considera-se que os instrumentos utilizados para a coleta de dados apresentaram alta confiabilidade e consistência interna. Todavia, é válido ressaltar que houve dificuldades na comparação dos achados com outros estudos, devido à restrição de publicações referentes à temática, especialmente no Brasil.
Visto a relevância do assunto abordado do ponto de vista da saúde ocupacional, ressaltamos a importância dos achados deste estudo, os quais poderão subsidiar gestores na discussão e busca de estratégias para promoção da saúde do trabalhador. Bem como, contribuirá no ensino e formação em enfermagem, e quiçá novas produções científicas voltadas para o Coping como estratégia de promoção da saúde dos profissionais de enfermagem.
Conflito de interesses: As autoras declaram que não houve conflito de interesse.
Financiamento: Esta investigação não contou com financiamento externo, tendo sido realizada com recursos próprios das pesquisadoras.