Rev Cuid. 2020; 11(3): e1265
http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.1265

LETTER  TO THE EDITOR

Saúde rural em tempos de pandemia da covid-19

Rural health in times of the covid-19 pandemic

Salud rural en tiempos pandémicos de covid-19

 

Bruno Neves da Silva1, Erika Simone Galvão Pinto2

 

1Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: enfbneves@gmail.com. ORCID: http://orcid.org/0000-0001-9854-4492  Autor para correspondência.
2Programa de Pós-graduação em Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil. E-mail: erikasgp@gmail.com; ORCID: http://orcid.org/0000-0003-0205-6633.

Histórico
Recibido: 25 de mayo de 2019
Aceito: 16 de junio de 2020
Publicado: 1 de septiembre de 2020

Como citar este artigo: Silva, Bruno Neves da; Pinto, Erika Simone Galvão. Saúde rural em tempos de pandemia da covid-19. Revista Cuidarte. 2020;11(3):e1265. http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.1265    
Atribución 4.0 Internacional (CC BY 4.0)

 

Estimada Editora,

O contexto rural é um cenário marcado por especificidades próprias, inerentes aos modos de viver e de produzir de seus povos. Historicamente, são cenários marcados por embates populares, disparidades sociais e iniquidades em saúde. A população que re(existe) nessas localidades enfrenta, cotidianamente, vulnerabilidades individuais, sociais e programáticas.

Na atual emergência de saúde pública ocasionada pelo SARS-CoV-2, causador da COVID-19, doença viral aguda com alto poder de disseminação e com repercussão em diversas realidades globais1, deparamo-nos com a seguinte inquietação: os sistemas de saúde, que em muitas realidades já enfrentam um colapso sistemático, conseguirão absorver as demandas de saúde de populações rurais e remotas provocadas pela COVID-19?

Perante às incertezas provocadas por esse questionamento, há de se destacar que a saúde rural já enfrenta um déficit na existência de profissionais de saúde disponíveis, dificuldades de locomoção para a busca de serviços de saúde (grandes distâncias, ausência de transportes) e a própria incipiência desses serviços nas comunidades rurais já é uma realidade consolidada em muitos cenários2,3.

A pandemia da COVID-19 agrava essas dificuldades, pois o isolamento social, necessário ao bloqueio da transmissão, implica em diminuição dos transportes já insuficientes para a locomoção da população para os serviços, bem como no deslocamento de profissionais de saúde, que, na maioria das vezes, transitam de outras localidades até a zona rural para atender à população.

Ademais, os serviços de atenção à saúde presentes nos contextos rurais são, majoritariamente, serviços de Atenção Primária à Saúde (APS). No entanto, a atual conjuntura tem enfatizado, recrutado esforços e colocado seu foco na Atenção Terciária.

São investimentos maciços em tecnologias como respiradores mecânicos e construção de hospitais de campanha localizados, em sua quase totalidade, em grandes centros urbanos. Apesar da necessidade existente e da importância inegável desses esforços, a APS, que poderia atuar com protagonismo na prevenção, educação sanitária da população e reabilitação dos indivíduos acometidos pela COVID-19, sobretudo em meio rural, em que representa o único serviço disponível na maioria dos cenários, não tem recebido a atenção merecida.

No entanto, os gestores responsáveis pela formulação das políticas públicas e elaboração de intervenções no sentido de frear o novo coronavírus parecem não se atentar para o óbvio: todo problema de saúde tem início, meio ou fim no território, área de atuação da APS.

Nessa perspectiva, é necessário dar voz a esse nível assistencial de saúde, cujo potencial de resolutividade das demandas de saúde pode chegar a 90%4. Em meio rural, sobretudo, necessita-se fortalecer a APS, para que os problemas de saúde ocasionados pela COVID-19, que já se encontra presente em áreas rurais de diversos países5,6, possam ser absorvidos e seu impacto seja atenuado.

A saúde rural é fonte fundamental de conhecimento para o desenvolvimento da APS, a qual é imprescindível para garantir o cuidado de saúde à população rural. A saúde praticada no contexto rural e rururbano possui o potencial de auxiliar na ampliação do conhecimento e desenvolvimento de tecnologias essenciais para o cuidado centrado nas necessidades de saúde, em uma concepção longitudinal e sistêmica, que valoriza a prevenção quaternária7.

Assim, necessita-se da elaboração de políticas públicas que garantam a seguridade social do trabalhador rural, o que perpassa, além da garantia de apoio financeiro, por traçar estratégias que possibilitem seu acesso à saúde, como a otimização de vias de acesso e de transportes, aumento do número de profissionais de saúde disponíveis em áreas rurais e aumento dos turnos de trabalho ou adequação destes à dinamicidade da rotina da população (muitos serviços funcionam apenas em único turno).

Paralelamente a essas medidas, deve-se garantir o fortalecimento da APS, e sua integração com as outras modalidades assistenciais, para salvaguardar a integralidade no acesso da população rural. Ainda que a inquietação inicialmente indagada não possa ser facilmente respondida, acreditamos que a adoção dessas estratégias e o fortalecimento supramencionado podem constituir-se nos passos iniciais a serem trilhados para alcançar a equidade em saúde no caminho da roça, diante do atual contexto pandêmico.
Referências

1. Xu Z, Shi L, Wang Y, Zhang J, Huang L, Zhang C. et al. Pathological Findings of COVID-19 Associated With Acute Respiratory Distress Syndrome. Lancet Respir Med. 2020; 8(4):420–422. http://doi.org/10.1016/S2213-2600(20)30076-X

2. Garnelo L, Lima JG, Rocha ESC, Herkrath FJ. Acesso e cobertura da Atenção Primária à Saúde para populações rurais e urbanas na região norte do Brasil. Saúde em Debate. 2018; 42(spe1):81-99. https://doi.org/10.1590/0103-11042018s106

3. Arruda NM, Maia AG, Alves LC. Desigualdade no acesso à saúde entre as áreas urbanas e rurais do Brasil: uma decomposição de fatores entre 1998 a 2008. Cad. Saúde Pública. 2018;34(6):01-14. https://doi.org/10.1590/0102-311X00213816.

4. Mendes EA. A construção Social da Atenção Primária em Saúde. Brasília, DF: Conselho Nacional de Saúde – CONASS; 2015. Disponível em: https://www.conass.org.br/biblioteca/pdf/A-CONSTR-SOC-ATEN-PRIM-SAUDE.pdf.

5. Dandachi D, Reece R, Wang EW, Nelson T, Rojas-Moreno C, Shoemaker M. Treating COVID-19 in Rural America. The Journal of Rural Health. 2020; in press. https://doi.org/10.1111/jrh.12457.

6. Brasil. Ministério da Saúde. Boletim Epidemiológico Especial COE-COVID-19. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2020. Disponível em: https://coronavirus.saude.gov.br/boletins-epidemiologicos.

7. Savassi LCM, Almeida MM, Floss M, Lima MC. Saúde no Caminho da Roça. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2018. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/livro/saude-no-caminho-da-roca