Rev Cuid. 2021; 12(2): e1310
http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.1310
RESEARCH ARTICLE
Dor no idoso acima de 80 anos: características, impactos e estratégias de enfrentamento
Pain in older adults over the age of 80: Characteristics, impacts and coping strategies
Dolor en adultos mayores de 80 años: características, impactos y estrategias de afrontamiento
Fernando Gustavo Cordeiro Atílio1, Augusto Furukawa Suzuki2, Daniela Garcia Damaceno3, Miriam Fernanda Sanches Alarcon4, Maria José Sanches Marin5, Marcos Antonio Girotto6
Recebido: 16 de junho de 2020
Aceito: 26 de fevereiro de 2021
Publicado: 6 de julho de 2021
Como citar este artígo: Atílio, Fernando Gustavo Cordeiro; Suzuki, Augusto Furukawa; Damaceno, Daniela Garcia; Alarcon, Miriam Fernanda Sanches; Marin, Maria José Sanches; Girotto, Marcos Antonio. Dor no idoso acima de 80 anos: características, impactos e estratégias de enfrentamento. Revista Cuidarte. 2021;12(2):e1310. http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.1310
Atribución 4.0 Internacional (CC BY 4.0)
Resumo
Introdução: Frente ao envelhecimento mundial e, principalmente, da própria população idosa, atrelado as alterações do processo de senescência, a prevalência de dor crônica tem aumentado exponencialmente. A presente investigação tem como objetivo descrever a presença de dor, suas características e as formas de enfrentamento entre idosos acima de 80 anos. Material e Método: Trata-se de um estudo exploratório quantitativo descritivo. A coleta de dados se deu por meio do instrumento Inventário Resumido da Dor, além de dados sociodemográficas de 60 idosos acima de 80 anos residentes na área de abrangência de uma equipe da Estratégia de Saúde da Família de um município do centro-oeste paulista. Resultados: A amostra final contou com 60 idosos, estando a média da idade dos participantes em 85,2 anos, sendo a maioria do sexo feminino (64%), viúvas (67%), cor de pele branca (82%), aposentados (67%) e com ensino primário completo (32%). Entre eles, 73% apresentaram dor na última semana, com importantes impactos na vida cotidiana. A localização foi frequente nos membros inferiores, sendo que a dor interfere de forma moderada ou intensa na realização das atividades gerais. Foi observada que 48% dos idosos utiliza da associação de medidas farmacológicas e não-farmacológicas para o alívio da dor, com resultados satisfatórios. Conclusões: O enfrentamento da dor por essa população requer uma abordagem multifatorial e integral envolvendo o cuidado interdisciplinar e o apoio da família. Depreende-se que presença de dor entre os idosos acima de 80 anos é alta, que há interferências na sua rotina diária e amenizam as dores por meio da associação de medidas farmacológicas e não farmacológicas.
Palavras-chave: Idoso; Envelhecimento, Dor crônica.
Abstract
Introduction: The prevalence of chronic pain has exponentially increased as a consequence of aging worldwide, particularly in older adults, which is related to changes in aging senescence. The objective of this research is to describe the presence of pain, characteristics and coping strategies among older adults over the age of 80. Materials and Methods: A quantitative descriptive exploratory study was conducted by collecting data through the Brief Pain Inventory instrument, in addition to sociodemographic data of 60 adults aged 80 and older who lived in the area of influence of a Family Health Strategy team in a municipality of the center-west region of São Paulo. Results: The final sample included 60 older adults aged 85.2 on average who were mostly women (64%), widowed (67%), white (82%), retired (67%) and having complete primary education (32%). Among the participants, 73% reported pain during the last week with significant repercussions on their daily life. Lower extremity pain was commonly reported interfering with their performance in daily activities in a moderate or severe manner. 48% of older adults use pharmacological and non-pharmacological methods for pain relief with satisfactory results. Conclusions: Coping with pain in older adults requires a multifactorial and comprehensive approach involving both interdisciplinary care and family support. While the prevalence of pain among adults over the age of 80 is higher, interfering with their daily life, they find pain relief by using pharmacological and non-pharmacological methods.
Keywords: Aged; Aging; Chronic Pain.
Resumo
Introducción: Como consecuencia del proceso de envejecimiento a nivel mundial y, en especial, en la población de adultos mayores, el cual está relacionado con los cambios en el proceso de senescencia, la prevalencia del dolor crónico ha aumentado exponencialmente. La presente investigación tiene como objetivo describir la presencia del dolor, sus características y las estrategias de afrontamiento entre los adultos mayores de 80 años. Materiales y métodos: Se realizó un estudio exploratorio cuantitativo descriptivo mediante la recolección de datos a través del instrumento Cuestionario Breve Del Dolor, además de datos sociodemográficos de 60 adultos mayores de 80 años que residían en el área de influencia de un equipo de Estrategia de Salud de la Familia ubicado en un municipio del centro occidente de Sao Paulo. Resultados: La muestra final contó con 60 adultos mayores con una media de 85.2 años, en su mayoría mujeres (64%), viudas (67%), de piel blanca (82%), jubiladas (67%) y con educación primaria completa (32%). Entre los participantes, el 73% presentó dolor en la última semana con repercusiones importantes en su vida diaria. El dolor se localiza frecuentemente en las extremidades inferiores e interfiere de forma moderada o intensa en la realización de las actividades cotidianas. Se observó que el 48% de los adultos mayores recurren a la implementación de medidas farmacológicas y no farmacológicas para el alivio del dolor con resultados satisfactorios. Conclusiones: El afrontamiento del dolor en esta población requiere un enfoque multifactorial e integral que involucre la atención interdisciplinar y el apoyo familiar. Se supone que la presencia de dolor entre los adultos mayores de 80 años es alta, lo que interfiere con su vida diaria, pero que encuentran alivio mediante la implementación de medidas farmacológicas y no farmacológicas.
Palabras clave: Ancianos; Envejecimiento; Dolor Crónico.
Introduction
A Organização Mundial da saúde considera como pessoa idosa aquela com mais de 60 anos, em países em desenvolvimento, e com mais de 65 anos em países desenvolvidos1. A população idosa vem crescendo exponencialmente nos últimos anos sendo resultado da queda de indicadores como fecundidade e natalidade2. Além disso, o avanço da medicina e a incorporação de novas tecnologias de saúde ocasionou a queda acentuada da mortalidade por causas agudas, favorecendo o aumento da expectativa de vida3.
O envelhecimento é um processo natural, contínuo e progressivo que engloba aspectos fisiológicos, psicológicos e sociais, sendo que o contexto em que a pessoa vive impacta diretamente na forma de envelhecer, tornando o heterogêneo e individual4.
Esse processo vem ocupando um grande espaço nas discussões das políticas públicas, uma vez que são necessárias adequações para assegurar a autonomia e independência dessa população, especialmente quando se trata da população mais idosa, ou seja, com idade igual ou superior a 80 anos, visto que estes encontram-se ainda mais expostos às doenças crônico-degenerativas e às demais alterações decorrentes desta fase da vida, o que contribui para o comprometimento de sua autonomia e independência5. Essa população representa o segmento que mais cresce nos últimos tempos. De 170,7 mil pessoas, em 1940, passou para 2,9 milhões em 2010, representando 14,3% da população idosa e 1,5% da população total6.
Considerando-se que com avanço da idade a presença de doenças e as alterações do processo de envelhecimento tornam-se mais frequentes e intensas. A dor, muitas vezes consequência desses problemas, apresenta alta prevalência nesta população7. Define-se dor como uma experiência sensorial e/ou emocional, que compreende elementos afetivos, cognitivos e comportamentais, podendo ser proveniente de aspectos: sociais, físicos, étnicos, psicológicos, culturais e ambientais8.
Esta apresenta-se como um problema de saúde pública mundial, uma vez que pode potencializar ou promover incapacidades no indivíduo, afetando sua vida e repercutindo em diferentes aspectos, incluindo psicológicos, sociais e econômicos9-11.
Dentre os diferentes tipos de dor, a dor crônica é a que mais acomete a população idosa acima de 80 anos. A dor crônica é aquela que possui duração acima de 30 dias e aumenta sua prevalência progressiva e proporcionalmente ao aumento da idade12. Em todo o mundo, sua prevalência varia de 48 a 83% nessa população, sendo 51,4% no Brasil13, configurando-se como um dos principais motivos pelos quais os idosos procuram o serviço de saúde11.
É valido ressaltar, ainda, que na cidade de São Paulo observou-se a prevalência de 29,7% de dor crônica em sua população idosa, sendo associada a incapacidades funcionais para as Atividades de Vida Diária (AVD) e, consequentemente, para a perda de autonomia7,12.
Considerando a dor no idoso como, na maioria das vezes, decorrência das alterações do processo de envelhecimento, sua interferência na autonomia e realização das AVD, bem como o importante crescimento da população acima de 80 anos, questiona-se: qual a frequência da presença de dor em mais idosos? Quais as estratégias de enfrentamento que eles utilizam? Propõe-se como objetivo para o presente estudo descrever a presença de dor, suas características e as formas de enfrentamento entre idosos acima de 80 anos.
Material e Metodo
Trata-se de um estudo transversal e descritivo, realizado com idosos acima de 80 anos, residentes da comunidade, na cidade de Marilia, localizada no interior do Estado de São Paulo, com uma população de 216.745 habitantes, da qual 13,6% são idosos14. A rede básica de saúde do município é constituída por 12 Unidades Básicas de Saúde (UBS) e 39 Unidades de Saúde da Família (USF), as quais se constituem como porta de entrada ao sistema de saúde15.
Para a coleta de dados foi selecionada a área de abrangência da USF que contém o maior número de idosos, a qual possui um total de 2776 usuários cadastrados, contando com 1690 domicílios, destes 1684 estão localizados na região urbana e seis na região rural do território. A unidade conta com 150 idosos com oitenta anos ou mais cadastrados, sendo 52 do sexo masculinos e 98 do sexo feminino.
Os critérios de inclusão foram: ter 80 anos ou mais; residir no território de abrangência da USF selecionada e ter capacidade cognitiva para responder o questionário. Foram excluídos os idosos que apresentaram comprometimento cognitivo que os impossibilitaram de responder aos questionamentos e aqueles que não foram encontrados na residência após três tentativas consecutivas de contato. Para verificação do comprometimento cognitivo dos idosos, foi considerado a avaliação subjetiva dos Agentes Comunitários de Saúde sobre a capacidade do idoso em responder aos questionamentos constantes no instrumento de coleta de dados, considerando o vínculo existente entre esses profissionais e os idosos.
Para a coleta de dados foi elaborado um roteiro contendo dados sociodemográficos baseado no IBGE, incluindo: sexo, idade, estado civil, escolaridade, cor, principal fonte de renda e classe socioeconômica que pertence. Em relação à classe socioeconômica foi utilizado o Critério de Classificação Econômica Brasil - CCEB, versão 2014. Este critério atribui pontos à presença e quantidade de alguns itens constantes no domicilio e o grau de instrução do chefe da família. As classes consideradas pelo CCEB classificam-se em A1, correspondente a 42 a 46 pontos, A2 (35 a 41 pontos), B1 (29 a 34 pontos), B2 (23 a 28 pontos), C1 (18 a 22 pontos), C2 (14 a 17 pontos), D (8 a 13 pontos) e E (0 a 7 pontos)16. Além das variáveis de caracterização, foi utilizado o Inventário Resumido da Dor, na versão portuguesa do Brief Pain Inventory (BPI)17,18.
O BPI é um instrumento multidimensional, com escala de 0-10, que permite graduar: a intensidade da dor; sua interferência na habilidade de deambular, atividades diárias, no trabalho, atividades sociais, humor e sono. Por ser um instrumento de avaliação multidimensional, possibilita avaliar a dor em diferentes aspectos como sua localização, intensidade, comparação das diferentes intensidades da dor, o impacto no cotidiano do indivíduo e avalia os tratamentos medicamentosos e não medicamentosos; bem como o alívio trazido pelos mesmos, por meio de uma análise na qual 0% representa nenhum alívio e 100% alívio completo19. Para qualificar a dor através das pontuações, foi utilizada a classificação da escala analógica visual (EVA), a escala numérica que avalia a intensidade da dor conforme a pontuação atribuída de 0 a 1020associada ao Inventário Resumido da Dor.
A coleta de dados foi realizada de fevereiro a agosto de 2019, por meio de visitas às residências dos idosos, por um estudante de Enfermagem e um de Medicina, devidamente uniformizados e identificados. Foram treinados por uma doutoranda, a partir de um teste piloto com os instrumentos citados acima. Os dados foram digitados em uma planilha eletrônica no programa Excel, versão 2010, e apresentados na forma de tabelas. Foram utilizadas tabelas de distribuição de frequências e porcentagens.
A variável independente foi a presença de dor e as variáveis dependentes foram o nível da dor e a interferência da dor. As análises estatísticas foram realizadas com o software SPSS versão 17.0. As análises inferenciais foram realizadas por meio do Teste G de contigência. Em todas as conclusões obtidas pelas análises inferenciais utilizou-se o nível de significância α igual a 5% (p ≤ 0,05).
A pesquisa foi submetida à apreciação do Comitê de Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Faculdade de Medicina de Marilia (FAMEMA), sendo aprovada segundo o parecer nº 2.739.985.
Os idosos que aceitaram participar da pesquisa assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual deram seu consentimento para divulgação dos resultados, sendo garantido seu anonimato.
Resultados
Do total de 150 idosos, maiores de 80 anos da área de abrangência da USF, a amostra final contou com 60 idosos. Houve perdas devido a dificuldades de acesso aos condomínios, mudanças de território, óbitos, recusa e por não atenderem os critérios de inclusão do estudo.
A tabela 1 apresenta os dados de caracterização da população estudada e presença da dor.
Tabela 1 - Distribuição das respostas da amostra relativas à caracterização sociodemográfica e presença de dor. Marília, SP,2019.
Fonte: Dados da pesquisa
Quanto a localização da dor, dos 45 idosos que relataram apresentar na última semana, observou-se mais de uma resposta por idoso, sendo que a maioria dos participantes a localizavam nos membros inferiores (N=34; 36%), na coluna vertebral (N=24; 26%), nos membros superiores (N=18; 19%); cabeça e pescoço (N=9; 10%); abdome (N=7; 7%) e tórax (N=2; 2%).
Segundo a classificação utilizada, a maioria dos participantes apresenta dor moderada. Nenhum idoso atingiu os critérios previamente definidos para dor intensa. Quanto a interferência da dor nas atividades, dos 45 idosos que relatam apresentar dor na última semana, encontra-se que a dor interfere de forma moderada ou intensa na realização das atividades gerais, na disposição, na capacidade de andar a pé e no trabalho normal. Além disso, ela interfere em 39% e 24%, de forma moderada ou grave, no sono e no prazer de viver, respectivamente, (tabela 2).
Constatou-se associação positiva entre a presença de dor, tanto o nível (p< 0,01) quanto a interferência da dor (p> 0,01). Observa-se predomínio de nível de dor “máximo durante a última semana” para a presença de dor “grave”. Observa-se, também, predomínio de interferência de dor “leve” para a presença de dor “leve”.
Tabela 2 -Presença de dor, de acordo com a intensidade e distribuição das respostas da amostra quanto a interferência da dor. Marília, SP, 2019.
*Teste G de contingência
Foi constatado que 32% dos idosos utilizam métodos farmacológicos para o alívio da dor e 48% em associação com métodos não farmacológicos, sendo que, independentemente do método escolhido, a maioria relatou a melhora de 100% do sintoma (Tabela 3). Quanto as terapias farmacológicas utilizadas com indicação médica ou não, os mais utilizados são a dipirona®, o paracetamol® e os anti-inflamatórios não hormonais. Entretanto, a dipirona® demonstra ser o princípio ativo mais prevalente no tratamento dos idosos, seja isoladamente ou em associação com outras substâncias analgésicas.
Tabela 3 - Distribuição das respostas da amostra quanto os métodos empregados e grau de alivio da dor. Marilia, Brasil, 2019.
Fonte: Dados da pesquisa
Discussão
A partir dos resultados fica evidente a presença de dor na população em questão, a qual tem como características principais: ser do sexo feminino, com ensino primário completo/incompleto e viver sem o companheiro. Husky et al.19 relatam o maior risco de dor crônica nas mulheres em todas as faixas de idade em comparação com os homens. Assim como identificado em estudo realizado no sul do Brasil, em que a dor crônica estava presente em 58,2% dos idosos, a ocorrência entre as mulheres foi significativamente maior21.
O fator educação merece destaque, uma vez que influencia diretamente no acesso à informação, podendo ser um determinante na condução para uma melhora na dor referida22.
Há relatos ressaltando a relação entre o aspecto socioeconômico e este sintoma, sendo a população hipossuficiente, normalmente engajada em serviços que possuem alta carga de trabalho físico pesado, envolvendo elevação e transporte de materiais; a mais atingida por esse quadro11.
Associa-se ainda à população mais pobre uma habitação insalubre, inserção em um ambiente ruidoso, presença de poluição, acesso à água, higiene e saneamento prejudicados, propiciando quadros de doenças infecciosas e maiores episódios de estresse, principalmente por idosos que diante da diminuição de suas capacidades funcionais, ficam impossibilitados de levar uma rotina saudável11. Entretanto, a maioria dos idosos do presente estudo pertencem às classes B2 (30%), C1 (23%) e B1 (22%).
Além do mais, as condições sociodemográficas e os determinantes culturais influenciam a crença sobre a dor, uma vez que pacientes que cursaram o ensino médio completo ou ensino superior têm maior índice de crença de dor na dimensão orgânica. Diferentemente da crença orgânica da dor, há a crença psicológica, que é composta por influências e sentimentos internos que impactam diretamente no bem estar, pois induz sentimentos que afetam negativamente a sua permanência e intensidade, bem como a eficácia das abordagens de controle do sintoma23.
Os idosos relatam, frequentemente, episódios diários de dor moderada/intensa que geralmente prolonga-se por anos, comprometendo sua mobilidade e impactando negativamente no desenvolvimento diário das atividades básicas e instrumentais de vida. A dor, então, dificulta consideravelmente a autonomia do idoso no desempenho de suas atividades24.
Entre os idosos entrevistados, 73% relataram dor durante a última semana, corroborando com o estudo que evidenciou em uma população entre 18 e 98 anos (38,3%) a presença da dor crônica, com maior prevalência na faixa etária de 70 a 79 anos, seguida da faixa de 80 a 98 anos21. No Brasil, um estudo destacou que 58,2% dos idosos apresentaram essa queixa21, fato este que condiz com a presente investigação.
A dor lombar e nos membros inferiores foi a mais encontrada entre os idosos, o que reforça com o estudo realizado em 330 idosos longevos da cidade de São Paulo25. Uma revisão sistemática sobre a prevalência de dor lombar entre idosos brasileiros mostra estimativas de prevalência desse sintoma em 36% do idosos de 65 ou mais anos de idade26. Da mesma forma, a dor em membros inferiores, especialmente no joelho, frequente entre os idosos, decorre de alterações musculares e articulares oriundas do processo de envelhecimento27.
É valido ressaltar, ainda, que a dor é uma das principais causas de polifarmácia e iatrogênia terapêutica em idosos24. O envelhecimento traz consigo uma diminuição da reserva funcional do organismo e doenças típicas da idade, levando ao consumo de diversos tipos de medicamentos. As mudanças orgânicas decorrentes desse processo modificam a farmacocinética e farmacodinâmica das drogas, o que expõe os idosos aos ricos decorrentes da interação medicamentosa e de seus efeitos indesejáveis22,28,29.
Em detrimento deste tipo de tratamento, as terapias não farmacológicas para alivio da dor, que podem ser definidas como um conjunto de práticas e produtos de saúde que não são inclusos na medicina convencional, compondo um grupo de ações integrantes da medicina alternativa ou complementar, apresentam-se como uma alternativa segura, equilibrada, não invasiva, bem tolerada por parte da população e que possui um custo-efetividade muito baixo comparado às terapias farmacológicas28,29, sendo este método adotado por 16% dos entrevistados.
A maioria dos entrevistados adota o uso de métodos farmacológicos, seja isoladamente ou em associação com outras terapias. Peixoto29 e Junior et al.30encontraram que a associação dos métodos tem apresentado efeitos positivos na evolução da dor, pois as ações não farmacológicas tendem a potencializar os efeitos farmacológicos de medicamentos sem que seja necessário um aumento da dose e, assim, diminuindo os efeitos colaterais.
Embora a população idosa tenha apresentado um aumento crescente na inclusão dos métodos não farmacológicos em suas terapias, os mesmos são confrontados com barreiras que incluem a presença de doenças crônicas, mobilidade restrita ou ausente, depressão e medo de agravamento dos sintomas. Além disso, condições externas, incluindo falta de recursos para transporte, condição econômica desfavorável e ambiente dificultoso para a realização de tais atividades, impedem adesão a essas estratégias29. Ressalta-se, entretanto, que especialmente a atividade física exerce importante influencia na presença e intensidade da dor entre idosos21.
Ressalta-se, também, que a maioria dos idosos relataram a interferência da dor para a realização de suas AVD. Este resultado merece atenção uma vez que a realização das atividades de vida diária influencia positivamente na percepção do estado de saúde e no bem-estar psicossocial23.
A maioria dos entrevistados no presente estudo relatou não sentir interferência da dor nas suas relações com outras pessoas sendo essa percepção valiosa, pois a manutenção do bem-estar psicológico depende do potencial das relações com outras pessoas, a autonomia, estabelecimento de objetivos de vida e a auto-aceitação23. Contudo, ressalta-se a importância de avaliar os componentes físicos, psicológicos, aspectos sociais e crenças a fim de compreender como o idoso percebe sua dor e se adapta a ela, direcionando o cuidado à manutenção da sua autoestima e autonomia, visto que o sofrimento psíquico experenciado pelas relações de dependência funcional na dor é moderado/grave8.
Nesta perspectiva, o enfermeiro pode utilizar de estratégias de autoeficácia, habilidades de controle e enfrentamento da dor para contribuir com a manutenção do bem-estar psicológico do idoso, uma vez que emoções positivas têm efeito protetor no desenvolvimento da dor crônica23. Assim, o enfrentamento dessa por tal parcela da população requer uma abordagem multifatorial e integral envolvendo o cuidado interdisciplinar e o apoio da família.
Mesmo assim, acredita-se que os resultados aqui apresentados permitem reflexões importantes sobre a presença de dor que se refere a uma condição limitante para o idoso. Trata-se, portanto de uma condição que precisa ser constantemente avaliada, pois é uma das mais importantes causas de morbidade e, consequentemente, diminuição da qualidade de vida, devido às limitações das atividades da vida diária.
Conclusões
Os idosos com 80 anos ou mais relatam a presença de dor em diferentes partes do corpo, sendo que os mesmos utilizam medidas farmacológicas e não farmacológicas para seu alívio com resultado satisfatório.
Quanto a localização da dor, observou-se que a maioria dos participantes localizavam nos membros inferiores, seguida da coluna vertebral.
Devido aos impactos do sintoma nesta população, é possível avaliar a necessidade de uma abordagem multidisciplinar e ampliada, deixando de lado estigmas que norteiam a população idosa e impedem que haja um olhar voltado para a sua integralidade seja executado. Nesta perspectiva salienta-se os benefícios das medidas não farmacológicas para essa parcela da população com vistas à redução do uso contínuo de medicamentos, bem como de seus efeitos indesejáveis.
As dificuldades para localização do idoso devido a dados desatualizados e de abordagem dos idosos por residirem em condomínios fechados, bem como o fato de ter realizado o estudo em uma única unidade de saúde, mostraram-se como uma limitação da presente investigação.
Conflito de interesse: Os autores declaram que não houve conflitos de interesse.
References