Rev Cuid. 2022; 13(2): e2154
http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.2154

 

RESEARCH ARTICLE

 

Fatores de risco nas neurocirurgias: um estudo de coorte no norte do Brasil

 

Risk factors in neurosurgery: a cohort study in northern Brazil

 

Factores de riesgo en neurocirugía: un estudio de cohorte en el norte de Brasil

Laís Xavier de Araújo1 Priscilla Perez da Silva Pereira2 Josimeire Cantanhêde de Deus3 Daniela Oliveira Pontes4 Adriana Tavares Hang5 Jeanne Lúcia Gadelha Freitas6 Valéria Moreira da Silva7 Karla de Paula Paiva8 Caren Juliana Moura de Souza9 Carla Vanessa Suaris Meireles10 Mariana Delfino Rodrigues11 Daniella Thamara da Silva Tavares12 Marcela Miranda Sanches Rosa13

 

 

 

  1. Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Brasil. E-mail: lais.xavier.777@gmail.com   
  2. Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Brasil. E-mail: priperez@unir.br Autor de correspondência
  3. Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Brasil. E-mail: joosiwatson@gmail.com
  4. Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Brasil. E-mail: danielaopontes@hotmail.com
  5. Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Brasil. E-mail: adrianahang@unir.br
  6. Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Brasil. E-mail: jeannegadelha@unir.br   
  7. Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Brasil. E-mail: valeria.moreira@unir.br
  8. Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Brasil. E-mail: karlappaiva@yahoo.com.br
  9. Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Brasil. E-mail: carenjms@outlook.com
  10. Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Brasil. E-mail: carlasuaris@yahoo.com.br
  11. Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Brasil. E-mail: mdr.enf@gmail.com   
  12. Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Brasil. E-mail: daniellathamara.enf@hotmail.com
  13. Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Porto Velho, Brasil. E-mail: marcelamsanches@hotmail.com


Highlights:

  • As neurocirurgias apresentam alto risco para o desenvolvimento de Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde, principalmente infecções do sítio cirúrgico.
  • As complicações decorrentes desse procedimento podem prolongar o tempo de internação do paciente no hospital, além de elevar os custos do tratamento.
  • As neurocirurgias eletivas apresentam menor taxa de mortalidade quando comparadas às neurocirurgias de emergência.
  • Em Rondônia, o uso de certos dispositivos e a realização de exames invasivos foram fatores relevantes para o desenvolvimento de infecções.

 

Recebido: 26 de Março de 2021
Aceito: 2 de enero de 2022
Publicado: 1 de julho de 2022

 


Como citar este artigo: Araújo, Laís Xavier de; Pereira, Priscilla Perez da Silva; Deus, Josimeire Cantanhêde de; Pontes, Daniela Oliveira; Hang, Adriana Tavares; Freitas, Jeanne Lúcia Gadelha; da Silva, Valéria Moreira; Paiva, Karla de Paula; de Souza, Caren Juliana Moura; Meireles, Carla Vanessa Suaris; Rodrigues, Mariana Delfino; Tavares, Daniella Thamara da Silva; Rosa, Marcela Miranda Sanches. Fatores de risco nas neurocirurgias: um estudo de coorte no norte do Brasil. Revista Cuidarte. 2022;13(2): e2154. http://dx.doi.org/10.15649/ cuidarte.2154       


  E-ISSN: 2346-3414

 


 

Resumo

 

Introdução: Pacientes neurocirúrgicos apresentam elevado risco de complicações locais e sistêmicas que podem aumentar o tempo de internação e o risco de morte. Este estudo tem como objetivo avaliar a incidência de infecções relacionadas à assistência à saúde e os fatores de risco associados em pacientes submetidos às neurocirurgias. Materiais e métodos: Estudo de coorte prospectiva, realizado em um Hospital de grande porte do estado de Rondônia, no período de 2018 a 2019, incluindo 36 pacientes. Resultados: A incidência de infecções relacionada à assistência à saúde foi 19,4 a cada 100 pacientes (IC95%: 8,19 – 36,02). Ter utilizado sonda nasoenteral aumentou em 6,5 vezes o risco de IRAS (IC 95%: 1,26 – 33,5), a ventilação mecânica aumentou 5,52 vezes o risco (IC95%: 1,23 – 24,6), a presença de traqueostomia aumentou seis vezes (IC95%: 1,34 – 26,8) e realização de exame invasivo aumentou o risco em 6,79 para ter infecção (IC95%: 1,31 – 35,05). Na análise ajustada as variáveis não apresentaram significância estatística. Discussão: A incidência de infecções foi maior do que em regiões com melhores condições socioeconômicas o que pode estar relacionado à menor adesão de boas práticas na assistência. Conclusão: Nas neurocirurgias além das infecções de sítio cirúrgico outras topografias também devem ser consideradas para investigação de infecção. O uso de dispositivos invasivos foi associado à ocorrência de infecções relacionadas à assistência à saúde, portanto as boas práticas no seu uso são essenciais no momento da indicação e uso destes dispositivos.

Palavras-chave: Infecções relacionadas à assistência em saúde; Estudos Longitudinais; Neurocirurgia.

 


Abstract

 

Introduction: Neurosurgical patients are at high risk of local and systemic complications that can increase the length of hospital stay and the risk of death. This study aims to assess the incidence of healthcare-associated infections and associated risk factors in patients undergoing neurosurgery. y. Materials and Methods:: Prospective cohort study, carried out in a large hospital in the state of Rondônia, from 2018 to 2019, including 36 patients. Results:The incidence of healthcare-associated infections was 19.4 per 100 patients (95%CI: 8.19 – 36.02). Having used a nasoenteral tube increased the risk of HAI by 6.5 times (95% CI: 1.26 – 33.5), mechanical ventilation increased the risk by 5.52 times (95% CI: 1.23 – 24.6) , the presence of tracheostomy increased six-fold (95%CI: 1.34 – 26.8) and performing an invasive examination increased the risk of infection by 6.79 (95%CI: 1.31 – 35.05). In the adjusted analysis, the variables did not show statistical significance. Discussion:The incidence of infections was higher than in regions with better socioeconomic conditions, which may be related to lower adherence to good care practices. Conclusions: : In neurosurgery, in addition to surgical site infections, other topographies should also be considered for the investigation of infection. The use of invasive devices was associated with the occurrence of infections related to health care, so good practices in their use are essential when indicating and using these devices.

Key words: Infections related to health care; Longitudinal Studies; Neurosurgery.


Resumen

 

Introducción:Los pacientes neuroquirúrgicos tienen un alto riesgo de complicaciones locales y sistémicas que pueden aumentar la estancia hospitalaria y el riesgo de muerte. Este estudio tiene como objetivo evaluar la incidencia de infecciones asociadas a la atención médica y los factores de riesgo asociados en pacientes sometidos a neurocirugía. Materiales y métodos: : Estudio de cohorte prospectivo, realizado en un gran hospital del estado de Rondônia, de 2018 a 2019, con 36 pacientes. Resultados: La incidencia de infecciones asociadas a la asistencia sanitaria fue de 19,4 por 100 pacientes (IC95%: 8,19 – 36,02). Haber utilizado una sonda nasoenteral aumentó el riesgo de IRAS en 6,5 veces (IC 95%: 1,26 – 33,5), la ventilación mecánica aumentó el riesgo en 5,52 veces (IC 95%: 1,23 – 24,6), la presencia de traqueotomía aumentó seis veces (IC95%: 1,34 – 26,8) y realizar un examen invasivo aumentó el riesgo de infección en 6,79 (IC95%: 1,31 – 35,05). En el análisis ajustado, las variables no presentaron significación estadística. Discusión: La incidencia de infecciones fue mayor que en las regiones con mejores condiciones socioeconómicas, lo que puede estar relacionado con una menor adherencia a las buenas prácticas de cuidado. Conclusión: En neurocirugía, además de las infecciones del sitio quirúrgico, también se deben considerar otras topografías para la investigación de la infección. El uso de dispositivos invasivos se asoció con la ocurrencia de infecciones relacionadas con el cuidado de la salud, por lo que las buenas prácticas en su uso son fundamentales a la hora de indicar y utilizar estos dispositivos..

Palabras clave: Infecciones relacionadas con la atención médica; Estudios Longitudinales; Neurocirugía.

 


Introdução

 

As Infecções Relacionadas à Assistência à Saúde (IRAS) são aquelas adquiridas após a admissão do paciente no ambiente hospitalar e se manifestam no decorrer da internação ou após a alta. Essas infecções colocam em risco a Segurança do Paciente (SP) e constituem-se como o Evento Adverso (EA) mais frequente nas instituições hospitalares1.

Dentre as principais topografias das IRAS, a Infecção de Sítio Cirúrgico (ISC) está relacionada de modo direto aos procedimentos cirúrgicos. A ISC leva ao prolongamento do tempo de internação, além do aumento nos gastos devido ao seu tratamento2. Uma revisão sistemática, incluindo 231 artigos publicados de 1995 a 2015, encontrou uma taxa combinada de ISC de 11,2 por 100 pacientes cirúrgicos (IC 95%: 9,7 – 12,8). Não houve diferença estatística nas taxas de ISC quando estratificadas por qualidade do estudo, grupos de idade dos pacientes, regiões geográficas, renda do país, critérios de definição de ISC, tipo de local ou ano de publicação. No entanto, houve diferenças estatísticas entre os estudos de acordo com o tipo de procedimentos e o número de pacientes por estudo3.

No Brasil, no ano de 2015, os dados sobre a incidência de ISC em cirurgias variaram entre 1,4% a 38,8% a depender da instituição investigada e tipo de cirurgia4-6. Pacientes neurocirúrgicos apresentam elevado risco de complicações neurológicas e sistêmicas, mesmo em procedimentos eletivos. As complicações sistêmicas no pós-operatório de neurocirurgias eletivas incluem náuseas e vômitos, hipotensão, desconforto respiratório e infecção do sítio cirúrgico. Em cirurgias não eletivas, também estão presentes dor e infecções nosocomiais. A taxa de mortalidade geral é de apenas 1% após neurocirurgia eletiva, em comparação com 29% após uma neurocirurgia de emergência, frente às complicações pós-operatórias o risco de morte pode aumentar em ambos os grupos6.

As infecções em procedimentos neurológicos em geral são pouco frequentes quando comparadas com outros tipos de cirurgias, porém tem pior prognóstico, risco de sequelas e elevada letalidade7. Uma breve revisão de literatura prévia indicou que é relevante a realização de novos estudos que venham a esclarecer os principais tipos de infecção ocorridos nós pós-operatório, contribuindo para que os profissionais da área da saúde possam planejar ações de diagnóstico precoce e boas práticas na assistência aos pacientes submetidos às neurocirurgias8. Previamente a este estudo foram realizadas buscas nos sistemas de informação da instituição onde o estudo foi conduzido e nos bancos de dados da coordenação estadual de controle de infecção e segurança do paciente do estado de Rondônia em busca de informações sobre a ocorrência de infeções nas neurocirurgias. Porém, não foram encontrados registros que possibilitassem conhecer a realidade epidemiológica no que se refere aos procedimentos da neurologia.

No intuito de colaborar com o enriquecimento de informações acerca do tema e para subsidiar o planejamento e implantação de medidas de prevenção por meio da adesão de boas práticas, com a utilização de regulamentos, diretrizes e compêndios baseados em evidências científicas, o presente estudo teve como objetivo avaliar a incidência de infecções relacionadas à assistência à saúde e os fatores de risco associados em pacientes submetidos às neurocirurgias.

 

Materiais e Métodos

Foi conduzido um estudo de coorte, do tipo prospectivo, com pacientes submetidos a neurocirurgias em um Hospital de grande porte do estado de Rondônia, no município de Porto Velho, entre 2018 e 2019. A unidade hospitalar é de nível terciário e grande porte, possuía no período do estudo 590 leitos de média e alta complexidade e realizava em média 700 cirurgias ao mês.

Para definição do tamanho da amostra foi realizado um estudo piloto durante três meses, onde 10 pacientes atenderam os critérios do estudo. Para o cálculo da amostra foi considerado nível de confiança de 95%, poder do estudo 80%, razão de um exposto para não exposto, risco relativo encontrado no estudo piloto entre o tipo de cirurgia e a IRAS de 3,71. O cálculo da amostra para o estudo foi de 30 indivíduos e este valor foi acrescido com 10% para perdas totalizando 33 indivíduos.

Foram incluídos pacientes de ambos os sexos, com idade acima de 18 anos e que haviam realizado procedimentos cirúrgicos neurológicos. Foi considerado como paciente cirúrgico àqueles submetidos ao tratamento de traumatismos cranianos, traumas na coluna vertebral, doenças vasculares cerebrais como os aneurismas e a obstrução arterial, doenças vasculares da região cervical que podem resultar em isquemia cerebral, da coluna e da medula, epilepsia, hérnias de disco, hidrocefalia, derrames e entre outras.

Foram excluídos três indivíduos por apresentar internação inferior ou óbito até 48 horas após procedimento cirúrgico e com história prévia de infecção hospitalar confirmada e não tratada durante a internação na unidade ou em outras unidades. As informações sociodemográficas, condições clínicas e de notificação de infecção hospitalar foram coletadas do Sistema de Gerenciamento Hospitalar (Hospub) do Ministério da Saúde (prontuário eletrônico) e prontuário físico por meio de questionário próprio elaborado pelos próprios autores. Após avaliação dos critérios de elegibilidade, eram coletadas as informações sociodemográficas e do procedimento cirúrgico. A coleta de dados sobre a internação ocorreu a cada 48 horas durante toda a internação do paciente.

A variável dependente foi a Infecção Relacionada à Assistência à Saúde. Foram consideradas as quatro principais topografias das IRAS: Infecção de Sítio Cirúrgico (ISC), Infecção da Corrente Sanguínea (ICS), Infecção do Trato Urinário (ITU) e a Pneumonia associada à Ventilação Mecânica (PAV)9. As IRAS foram declaradas no prontuário pelo médico plantonista ou médico da comissão de controle de infecção hospitalar (CCIH). A instituição segue os critérios estabelecidos pelo National Nosocomial Infections Surveillance (NNIS/CDC) traduzido e publicado no Brasil pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)9.

As variáveis independentes foram organizadas em três grupos, que se referem às características demográficas, informações sobre o procedimento cirúrgico e internação. A base de dados tem acesso público em Mendeley Data10.

Características demográficas: local de moradia (capita ou interior); idade (<59 anos e ≥ 60 anos); sexo (feminino e masculino); raça/cor da pele (branca e não branca - preta, parda ou amarela); estado civil (com companheiro e sem companheiro); escolaridade (≤ 9 anos de estudo e > 9 anos de estudo).

Informações sobre o procedimento: tipo de cirurgia (limpa, potencialmente contaminada, contaminada e infectada); anestesia geral (sim ou não); tempo de duração do procedimento (≤120 ou ≥120 minutos); uso de implante (não ou sim); antibiótico profilático (sim ou não).

Informações sobre a internação: presença de dispositivos (sim ou não); total de dias em uso de dispositivos e número de trocas (acesso venoso central e/ou periférico, sonda nasoenteral, ventilação mecânica, traqueostomia, sonda vesical de demora e drenos); pós-operatório na unidade de terapia intensiva (sim ou não); administração de hemoderivados (sim ou não); parada cardiorrespiratória (sim ou não); e realização de exame invasivo (sim ou não).

A incidência foi calculada considerando no numerador o número de pacientes com IRAS, no denominador o total de pacientes submetidos a procedimentos cirúrgicos, considerando a taxa por 100 pacientes e foi calculado o respectivo intervalo de confiança a 95%.

Para avaliar as associações das variáveis com a infecção hospitalar foi realizada análise por meio de frequência e medidas de tendência central, bivariada por meio do teste qui-quadrado de Pearson e teste exato de Fisher para verificar a associação entre a variável dependente e as demais. Todas as variáveis com o teste de significância menor que 0,10 (p<0,10) foram submetidos à análise múltipla por meio da regressão de Poisson utilizando-se a estratégia stepwise forward selection. As covariáveis foram testadas quanto à possível presença de multicolinearidade - representada por correlações superiores a 0,80 e estas variáveis não foram consideradas no modelo final para determinar o risco relativo e seu respectivo intervalo de confiança a 95%. A análise estatística foi realizada com auxílio do programa estatístico STATA® versão 16.0 (College Station, Texas, USA).

Este estudo faz parte do projeto matriz sobre “Infecções relacionadas à assistência à saúde no Estado de Rondônia: incidência e fatores associados” e foi aprovado sob o parecer de n° 2.866.650 pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Rondônia. Foram respeitados os princípios éticos para pesquisas envolvendo seres humanos de acordo com as normas estabelecidas pela resolução no 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil11.

 

Resultados 

Do total de 1.545 cirurgias realizadas no período do estudo, 39 foram neurológicas e 36 pacientes atendiam aos critérios de elegibilidade deste estudo. Sete pacientes tiveram diagnóstico de IRAS durante a internação - um com diagnóstico de ICS, um com ITU, um com ISC, um com PAV, um topografia não definida, um com PAV e ITU e um com ICS e ISC. A taxa de incidência de IRAS entre os pacientes submetidos a neurocirurgias foi 19,4 a cada 100 pacientes (IC95%: 8,19 – 36,02).

A média de idade foi 58,25 anos (DP 14,74; mínimo 33 e máximo 91 anos). A maioria dos pacientes era do sexo feminino, possuía companheiro, ensino fundamental completo, autodeclarava-se não branco e pouco mais da metade era do interior do estado. Nenhuma característica demográfica apresentou associação estatisticamente significativa às IRAS (Tabela1).

Tabela 1. Informações demográficas dos pacientes submetidos a procedimento neurológico, Porto Velho/RO, 2018-2019 (n=36)

 

Quanto às informações sobre o procedimento cirúrgico, nenhuma cirurgia foi classificada como de emergência. A maioria das cirurgias foi classificada como limpa, teve tempo de duração superior a 120 minutos, os pacientes receberam anestesia geral e pouco mais da metade fez uso de antibiótico profilático (Tabela2). Quanto ao uso de implantes, em 27,78% dos procedimentos foram utilizadas sendo em 60% do tipo clip. Nenhuma variável relacionada ao procedimento apresentou associação estatisticamente significativa com as IRAS.

Tabela 2. Informações sobre o procedimento neurológico, Porto Velho/RO, 2018-2019 (n=36)

Após o procedimento neurológico, a maioria dos pacientes possuía acesso venoso, 75% utilizaram sonda vesical de demora e 52,78% utilizaram drenos. Quanto à administração de dieta, 27,78% possuíam sonda nasoenteral. Do total de pacientes internados 19,44% utilizaram ventilação mecânica e 11,11% traqueostomia. Em relação à associação com as IRAS, o uso de sonda nasoenteral (p=0,01), ventilação mecânica (p=0,01), traqueostomia (p=0,01), uso de hemoderivado (p=0,01) e a realização de exames invasivos (p=0,03) apresentaram associação estatisticamente significativa a IRAS. A variável - número de trocas de acesso venoso apresentou p=0,05 um valor limítrofe (Tabela3).

 

Tabela 3. Informações sobre a internação dos pacientes submetidos a procedimento neurológico, Porto Velho/RO, 2018-2019 (n=36)

Na análise de risco relativo bruto, ter utilizado sonda nasoenteral aumentou em 6,5 vezes o risco de IRAS (IC 95%: 1,26 – 33,5), a ventilação mecânica aumentou 5,52 vezes o risco (IC95%: 1,23 – 24,6), a presença de traqueostomia aumentou seis vezes (IC95%: 1,34 – 26,8) e realização de exame invasivo aumentou o risco em 6,79 para ter IRAS (IC95%: 1,31 – 35,05; Tabela4). Na análise ajustada, as variáveis não apresentaram significância estatística.

Tabela 4. Análise do risco relativo bruto, Porto Velho/RO, 2018-2019 (n=36)

Neste estudo, a média de internação após a cirurgia foi 12,86 (DP: 13,16, mínimo: 3, máximo 57). Apenas 8,33% dos pacientes foram transferidos para outros hospitais, 80,56% tiveram alta e 11,11% (quatro) evoluíram para óbito.

 

Discussão 

A taxa de incidência de IRAS neste estudo foi 19,4 a cada 100 pacientes. Características sociodemográficas e da cirurgia não apresentaram risco estatisticamente significante às IRAS. O uso de sonda nasoenteral, ventilação mecânica, presença de traqueostomia e realização de exame invasivo foram fatores de risco para IRAS na análise bruta, não apresentando significância estatística na análise ajustada.

No estado de Rondônia, encontrou-se a predominância de neurocirurgias no sexo feminino, média de idade de 58 anos e com nove ou mais anos de estudo. Uma pesquisa realizada no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e Emergência no estado do Rio Grande do Norte com 73 participantes, encontrou pouco mais da metade das situações de emergências neurológicas entre o sexo masculino (52,1%), pacientes com mais de 60 anos (58,9%) e com até nove anos de estudo (86%), portanto situações advindas principalmente de acidentes de trânsito ou decorrentes do envelhecimento12. Em Rondônia, os participantes da pesquisa foram pacientes de um hospital de cirurgias eletivas, ou seja, que possuíam condições de aguardar pelo procedimento cirúrgico. Procedimentos neurológicos de emergência advindos dos acidentes de trânsito, por exemplo, são tratados em outras instituições de saúde do estado.

O tipo de procedimento neurocirúrgico em si mesmo pode levar a maior probabilidade de ocorrência de infecção. Um estudo de revisão de literatura apontou que pacientes que recebem shunts apresentam infecções em 4 a 17% das vezes. Já a craniotomia a infecção ocorre entre 5 a 8% e cirurgias na coluna espinhal 6%13. A taxa de incidência para IRAS em pacientes submetidos a neurocirurgias em Rondônia foi 19,4/100 pacientes (IC95%: 8,19 – 36,02), valor superior ao encontrado em um estudo de coorte retrospectivo de três anos, conduzido em um hospital universitário de um país Árabe, com 913 pacientes em tratamento neurológicos onde encontrou uma taxa de incidência geral de IRAS de 11,9/100 pacientes, entre os quais 29% tiveram múltiplas infecções14. Outro estudo realizado na China, no período de maio de 2007 a abril de 2012, que incluiu pacientes submetidos às cirurgias cranianas identificou pneumonia no período pós-operatório em 0,5% a 4,1% dos pacientes15.

No Brasil, na capital do Amazonas, estado vizinho de Rondônia, a infecção hospitalar entre pacientes submetidos à clipagem de aneurisma cerebral esteve presente em 21,8% dos pacientes5. Um estudo de coorte retrospectiva realizada em seis hospitais da capital do estado de Minas Gerais, por um período de dez anos, encontrou uma frequência de 8,8% para infecções globais e 5,1% as infecções de sítio cirúrgico para cirurgias de craniotomia16. Em São Paulo, uma pesquisa do tipo prospectivo, conduzida em um hospital universitário, com a participação de 85 pacientes adultos submetidos à neurocirurgia, no período de junho de 2012 a abril de 2013, encontrou a ocorrência de ISC em 9,4% dos casos e os fatores de risco associados com a presença de infecção foram: tempo total de internação, não ser eutrófico, cirurgias de grande porte e ocorrência de transfusão sanguínea17.

Percebe-se que os valores de IRAS encontrados nos dois estudos da região Norte, ambos em contextos piores condições socioeconômicas, são bem superiores aos dos dois estudos do Sudeste. Este fato aponta para reflexões sobre as diferenças existentes no acesso às tecnologias, implementação de boas práticas na assistência ao paciente por meio da cultura de segurança do paciente, adoção de protocolos e disponibilidade de recursos humanos para implementar ações de vigilância e educação permanente sobretudo no âmbito de unidades hospitalares de maior porte e complexidade, a exemplo do local do presente estudo.

Porém, uma adequada estrutura física e implementação de protocolos de boas práticas não são os únicos fatores que interferem na ocorrência das infecções. Um fato importante a ser considerado é que o diagnóstico precoce de infecções no pós-operatório de neurocirurgias pode ser dificil. Muitas vezes os sintomas são vagos, inespecíficos, podem existir antes da cirurgia ou pode ser atribuído diretamente ao diagnóstico neurológico primário subjacente. Da mesma forma, os pacientes podem ter um nível de consciência rebaixada o que dificulta a queixa de sintomas e um detalhado exame neurológico. Exames laboratoriais de sangue também podem ser inespecíficos e os exames complementares como a coleta de liquor cefaloraquidiano por si só pode aumentar o risco de introduzir secundariamente infecção13.

Em Rondônia, encontrou-se que o uso de dispositivos como sonda nasogástrica ou nasoenteral, ventilação mecânica, traqueostomia e a história de realização de exames invasivos apresentaram-se como fatores de risco às IRAS. Um estudo conduzido na cidade de Manaus, incluindo 57 pacientes, encontrou um resultado que corrobora com nossos achados. Os autores apresentaram que o desenvolvimento de IRAS estava diretamente relacionado com procedimentos invasivos como sondagens e ventilação mecânica e não com a intervenção neurocirúrgica18.

Uma revisão sistemática com 54 estudos sobre fatores relacionados às infecções de neurocirurgias para tratamento de aneurismas encontrou que o sexo, história de uso de anticoagulante, tabagismo, hipertensão, diabetes, insuficiência cardíaca congestiva, local e calcificação do aneurisma foram identificados como fatores de risco intrinsecos ao paciente19. Outra revisão sistemática com 29 estudos sobre fatores de risco para infecção de sítio cirúrgico em craniotomia encontrou que a história de infecções prévias, número de cirurgias, vazamento e drenagem de liquido cefalorraquidiano, tempo de duração da cirurgia, sexo, tipo de cirurgia traumática ou não, técnica de tricotomia, uso de antibiótico profilático, acessos venosos, uso de dreno e implantes também foram fatores de risco para as infecções20.

Conhecendo os fatores de risco para a infecção nas neurocirurgias é importante trazer as principais remomendações para evitar a ocorrência das mesmas. Entre elas estão o controle dos níveis pressóricos e de glicemia, cessar o tabagismo, diminuição do tempo de cirurgia, adequado preparo da pele com clorexidina visando à eliminação de microrganismos, uso de antibiotóico profilático, tecnicas assépticas e suporte adequado de oxigenação21.

Este estudo aponta para a necessidade da qualificação dos processos de cuidado ao paciente das neurocirurgias principalmente no que se refere ao uso de dispositivos. Entretanto, os resultados encontrados precisam ser analisados considerando a pequena amostra quando comparado a outros estudos, apesar de terem sido incluídos todos os pacientes que atendiam os critérios de elegibilidade no período de um ano. Porém, os resultados seguiram tendências de outros estudos maiores e pode ser útil para trazer um perfil situacional a ser considerado por outros hospitais da região Norte com estrutura similar. Outra fraqueza do estudo foi em relação à fonte de dados, as informações disponibilizadas nos prontuários muitas vezes se apresentam com dados faltosos e informações incompletas, o que interferiu na análise de algumas variáveis. Porém, essa ausência de informação de qualidade também é um dado importante, pois aponta para a necessidade de revisão dos processos de trabalho no que se refere ao relato das informações, o que interfere diretamente no próprio diagnóstico de IRAS.

 

Conclusão

A taxa de incidência de IRAS neste estudo foi 19,4 a cada 100 pacientes submetidos a cirurgias neurológicas. O uso de sonda nasoenteral, ventilação mecânica, presença de traqueostomia e realização de exame invasivo foram fatores de risco para IRAS na análise bruta, não apresentando significância estatística na análise ajustada.

A gestão do cuidado em saúde abrange aspectos múltiplos que envolvem desde o conhecimento dos profissionais, o nível e a complexidade das atividades assistenciais, até disponibilidade e a distribuição de recursos humanos e estrutura física. Para futuros estudos, sugere-se investigar a percepção dos profissionais quanto às boas práticas para evitar a ocorrência de IRAS podendo assim realizar um diagnóstico situacional que, juntamente com o perfil levantado neste estudo, possa subsidiar o planejamento de ações em prol do controle de infecções na instituição.

Conflito de interesse: Não houve conflitos de interesse.

Financiamento: Não houve financiamento.

Agradecimento: À instituição hospitalar onde o estudo foi realizado e a todos os profissionais que colaboraram com esta pesquisa.

 

Referências

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