Rev Cuid. 2022; 13(3): e2980
http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.2980

 

EDITORIAL

 

A participação da enfermagem na vigilância e prevenção da resistência antimicrobiana

 

 

Antonio Pazin-Filho1

 

 

  1. Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – Universidade de São Paulo, Brasil. E-mail: apazin@fmrp.usp.br Autor de Correspondência


Highlights:

  • O controle da resistência antimicrobiana é um dos maiores problemas que o hospital moderno enfrenta.
  • As estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o ano de 2020 foram de 700.000 mortes/ano atribuída a infecções por germes resistentes e pode atingir a marca de 10 milhões de mortes/ano em 2050.
  • O desenvolvimento de novos antimicrobianos é complexo e uma abordagem multidisciplinar é essencial para o controle da infecção hospitalar, na qual a Enfermagem é fundamental.

 

Recebido: 18 de novembro 2022
Aceito:
22 de novembro de 2022
Publicado:
23 de novembro de 2022

 


Como citar este artigo: Pazin-Filho Antonio. A participação da enfermagem na vigilância e prevenção da resistência antimicrobiana. Revista Cuidarte. 2022;13(3):e2980. http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.2980


  E-ISSN: 2346-3414

 


 

A infecção nosocomial tem origem no próprio nascimento dos hospitais. No entanto, antes do desenvolvimento dos antibióticos, os hospitais eram instituições para os pobres necessitados de cuidados, com alto índice de mortalidade, causada não só pelas doenças subjacentes para as quais não havia tratamento, mas também devido às condições que favoreceram a infecção nosocomial1.

A Guerra da Criméia em 1854 foi a primeira coberta pela imprensa, destacando as más condições no atendimento de soldados feridos em combate, com taxas de mortalidade em torno de 42%. A pressão popular decorrente encorajou Florence Nightingale (1820-1910) a se dirigir à Crimeia e as medidas sanitárias implementadas reduziram a taxa de mortalidade para 2% rapidamente2,3. Embora ainda não fosse conhecida a Teoria dos Germes, pode-se afirmar que o sucesso aconteceu por causa do controle da infecção nas feridas. Esses esforços concederam a Florence Nightingale a notoriedade para se tornar encarregada da melhoria das condições sanitárias hospitalares quando regressou para a Inglaterra, reforçando a assepsia (limpeza seguida de esterilização de equipamentos de procedimento) e antissepsia (o uso de substâncias esterilizantes). Uma de suas mudanças foi o desenvolvimento da Enfermagem como profissão, que já nasce ao Controle da Infecção.

A transformação do hospital foi completada com a descoberta dos antibióticos na década de 1940, o nascimento da Anestesia e as mudanças sociais das cidades. O hospital moderno nascia capacitado a realizar procedimentos cirúrgicos e tratamentos que o tornaram o centro da Saúde atual, fato que se intensificou após o relatório Flexner sobre as condições de ensino nas escolas médicas nos EUA4.

Os antibióticos impactaram com tanto sucesso as taxas de infecção no início de seu uso que a ênfase em outras medidas de prevenção diminuiu5. Além disso, a incidência de resistência a antibióticos foi detectada precocemente, quase ao mesmo tempo que sua introdução. Juntos, esses dois pontos, somado ao aumento de procedimentos invasivos e uso indiscriminado em outras áreas fora da Saúde, como a criação de gado, contribuíram para que a resistência aos antibióticos se tornasse a calamidade que vivemos atualmente.

Enquanto a busca por novos antibióticos continua, grande parte da pesquisa é dedicada a encontrar outras soluções como vacinas, imunoterápicos, nanóbios, terapia fágica, células-tronco e moléculas de adesão. No entanto, embora muito tenha sido descoberto, ainda não estamos prontos para aplicá-los à clínica diária6.

Como consequência, aumenta-se e melhora-se o uso correto das técnicas de assepsia e antissepsia, em que a participação da Enfermagem é fundamental. As comissões de infecção hospitalar identificam e corrigem as técnicas de lavagem das mãos, o uso correto de luvas, máscaras e demais instrumentos de proteção individual, as regras de isolamento respiratório e de contato. Focar no processo de utilização dessas técnicas é o ponto comum a ser trabalhado pela educação permanente7.

Além disso, a Enfermagem está envolvida na mudança fundamental de uma atitude passiva, baseada na documentação de indicadores de infeção, para uma atitude ativa em que se procura a prevenção. Programas para a otimização do uso de antimicrobianos (“Antibiotic Stewardship”) incluem ferramentas de controle como a Dose Diária Definida (DDD) para controlar o consumo de antibióticos, a identificação de campeões (“Champions”) no acompanhamento dos processos diários, mudança de procedimentos de limpeza, a incorporação de novas tecnologias de antissepsia e a abordagem de reformas na estrutura hospitalar. Esses programas exigem pessoal treinado e é um campo de especialização para todos os profissionais de saúde. Embora essas alterações já sejam recomendadas pela OMS e utilizadas em países desenvolvidos, nos países em desenvolvimento ainda são incipientes8,9.

No entanto, o ponto chave é não cometer o mesmo erro do passado, quando negligenciamos as medidas assépticas e antissépticas devido ao sucesso dos antimicrobianos. Nossa melhor estratégia não é uma ou outra técnica, mas sua aplicação conjunta e de forma coordenada, por pessoal treinado e sob constante vigilância. As lições de Florence Nightingale permanecem verdadeiras e necessárias.

 

Referências

  1. Selwyn S. Hospital infection: the first 2500 years. Journal of Hospital Infection. 1991; 18:5–64. https://doi.org/10.1016/0195-6701(91)90004-r
  2. Risse GB. Mending bodies, saving souls: a history of hospitals. New York: Oxford University Press. 1999. 716 p. 
  3. Kisacky JS. Rise of the modern hospital: an architectural history of health and healing, 1870-1940. Pittsburgh, PA: University of Pittsburgh Press. 2017. 448 p. https://doi.org/10.2307/j.ctt1x76g5f
  4. Duffy, Thomas P. The Flexner Report -100 Years Later. Yale J Biol Med. 2011;84(3):269-76. https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3178858/
  5. Eldridge N, Wang Y, Metersky M, Eckenrode S, Mathew J, Sonnenfeld N, et al. Trends in Adverse Event Rates in Hospitalized Patients, 2010-2019. JAMA. 2022. 12;328(2):173. https://doi.org/10.1001/jama.2022.9600
  6. Kumar M, Sarma DK, Shubham S, Kumawat M, Verma V, Nina PB, et al. Futuristic Non-antibiotic Therapies to Combat Antibiotic Resistance: A Review. Front Microbiol. 2021. 26;12:609459. https://doi.org/10.3389/fmicb.2021.609459
  7. Morgan SA. The Infusion Nurse’s Role in Antibiotic Stewardship. Journal of Infusion Nursing. 2019; 42(2):75-80. https://doi.org/10.1097/NAN.0000000000000315
  8. Doltrario AB, Gaspar GG, Ungari AQ, Martinez R, Pazin Filho A, Maciel BC, et al. Assessment of preauthorization and 24-hour expert consultation as a restrictive antimicrobial stewardship bundle in a Brazilian tertiary-care hospital: an interrupted time series analysis. Infection Prevention in Practice. 2022; 4(1):100201. https://doi.org/10.1016/j.infpip.2022.100201
  9. Romo-Castillo HF, Pazin-Filho A. Towards implementing an antibiotic stewardship programme (ASP) in Ecuador: evaluating antibiotic consumption and the impact of an ASP in a tertiary hospital according to World Health Organization (WHO) recommendations. Journal of Global Antimicrobial Resistance. 2022;29: 462-7. https://doi.org/10.1016/j.jgar.2021.11.001