Resumo
Introdução: O Diabetes Mellitus ocasiona a diminuição das reservas e capacidades funcionais. Sua associação com a síndrome da fragilidade acarreta declínio gradativo no sistema biológico, causando prejuízos globais à saúde da população idosa e, portanto, comprometendo sua qualidade de vida. Objetivo: analisar a evolução da fragilidade e fatores associados em pessoas idosas com Diabetes Mellitus. Materiais e Métodos: Estudo longitudinal caracterizado por duas avaliações com intervalo de 18 meses, envolvendo 49 participantes com idade ≥ 60 anos e de ambos os sexos com diagnóstico clínico de Diabetes Mellitus. Na análise dos dados foram utilizadas medidas de tendência central, dispersão, proporções, teste não paramétrico de Wilcoxon pareado e análise linear múltipla. Resultados: Na avaliação do seguimento, ocorreu um aumento da fragilidade e comprometimento da capacidade funcional entre as duas avaliações. Fatores associados, como as atividades instrumentais da vida diária e o número total de doenças, impactaram negativamente sobre a fragilidade dos participantes. Discussão: Os resultados encontrados no estudo convergem com a literatura cientifica relacionada à associação de doenças crônicas como a Diabetes Mellitus no aumento da fragilidade. Conclusão: A presença de uma doença crônica como a Diabetes Mellitus pode ocasionar o aumento da fragilidade e comprometer a funcionalidade. A avaliação destas condições nos serviços de saúde para identificação precoce é fundamental para estabelecer estratégias assertivas para a manutenção de um envelhecimento com qualidade de vida.
Palavras-Chave: Idoso, Diabetes Mellitus, Fragilidade, Fatores de risco.
Abstract
Introduction: Diabetes Mellitus causes a decrease in reserves and functional capabilities. Its association with frailty syndrome leads to a gradual decline in the biological system, causing global harm to the health of the elderly population and, therefore, compromising their quality of life. Objective: to analyze the evolution of frailty and associated factors in elderly people with Diabetes Mellitus. Materials and Methods: Longitudinal study characterized by two assessments 18 months apart, involving 49 participants aged ≥ 60 years and of both sexes with a clinical diagnosis of Diabetes Mellitus. In data analysis, measures of central tendency, dispersion, proportions, paired Wilcoxon non-parametric test and multiple linear analysis were used. Results: In the follow-up assessment, there was an increase in frailty and impairment of functional capacity between the two assessments. Associated factors, such as instrumental activities of daily living and the total number of illnesses, had a negative impact on the participants' frailty. Discussion: The results found in the study converge with the scientific literature related to the association of chronic diseases such as Diabetes Mellitus with increased frailty. Conclusion: The presence of a chronic disease such as Diabetes Mellitus can cause increased frailty and compromise functionality. The assessment of these conditions in health services for early identification is essential to establish assertive strategies for maintaining aging with quality of life.
KeyWords: Aged, Diabetes Mellitus, Frailty, Risk Factors.
Resumen
Introducción: La Diabetes Mellitus provoca una disminución de las reservas y capacidades funcionales. Su asociación con el síndrome de fragilidad conduce a un paulatino deterioro del sistema biológico, provocando un daño global a la salud de la población anciana y, por tanto, comprometiendo su calidad de vida. Objetivo: analizar la evolución de la fragilidad y factores asociados en personas mayores con Diabetes Mellitus. Materiales y Métodos: Estudio longitudinal caracterizado por dos evaluaciones con 18 meses de diferencia, involucrando a 49 participantes con edad ≥ 60 años y de ambos sexos con diagnóstico clínico de Diabetes Mellitus. En el análisis de los datos se utilizaron medidas de tendencia central, dispersión, proporciones, prueba no paramétrica de Wilcoxon pareada y análisis lineal múltiple. Resultados: En la evaluación de seguimiento, hubo un aumento de la fragilidad y el deterioro de la capacidad funcional entre las dos evaluaciones. Los factores asociados, como las actividades instrumentales de la vida diaria y el número total de enfermedades, tuvieron un impacto negativo en la fragilidad de los participantes. Discusión: Los resultados encontrados en el estudio convergen con la literatura científica relacionada con la asociación de enfermedades crónicas como la Diabetes Mellitus con mayor fragilidad. Conclusión: La presencia de una enfermedad crónica como la Diabetes Mellitus puede provocar aumento de fragilidad y comprometer la funcionalidad. La evaluación de estas condiciones en los servicios de salud para su identificación temprana es fundamental para establecer estrategias asertivas para mantener el envejecimiento con calidad de vida.
Palabras Clave: Anciano, Diabetes Mellitus, Fragilidad, Factores de Riesgo.
Introdução
O Diabetes Mellitus (DM) é uma doença crônica na qual o corpo não produz ou não utiliza adequadamente o hormônio insulina. Possui como principais complicações a cetoacidose e a neuropatia diabética, além de possuir uma alta taxa de morbimortalidade se não tratada adequadamente e se associada aos fatores de risco como doenças, idade elevada, obesidade, dentre outros1.
Estudos apontaram um aumento da incidência do DM nos últimos anos, com 537 milhões de pessoas diabéticas no mundo. No Brasil, as estimativas mais recentes preveem 16,8 milhões de pessoas serão acometidas da doença, cerca de 7% da população idosa2. Associado a esta situação, estima-se que, em 2031, o número da população idosa no Brasil ultrapasse o de jovens, com 102,3 pessoas idosas para cada 100 jovens, o que também tende a tornar-se recorrente o aumento de casos de DM, visto que é uma das doenças mais prevalentes nessa população3.
Considerando a mudança da pirâmide etária mundial, o aumento da população idosa com Diabetes Mellitus e fragilidade tem sido cada vez mais reconhecido como problemas de saúde pública, além de impactar diretamente na qualidade de vida e caracterizar desafios para todas as sociedades, principalmente, para países em desenvolvimento como o Brasil4.
A fragilidade é caracterizada como uma síndrome que ocasiona a diminuição da resistência e reserva aos estressores. Tende a proporcionar um estado de vulnerabilidade, devido principalmente ao elevado número de fatores associados e sua alta prevalência5. Estudo de revisão sistemática mostrou que a prevalência da fragilidade em pessoas idosas com Diabetes Mellitus foi de 10% a 25%, e esta associação impacta no risco de incapacidades, hospitalizações, mortalidade e baixa qualidade de vida, além de provocar o desenvolvimento e progressão da fragilidade6.
Convém ressaltar que a perda de peso, dimensão do fenótipo físico da fragilidade, vem sendo associada à síndrome da fragilidade, pois alguns medicamentos para o DM, os inibidores do transportador da glicose de sódio, inibidores da alfa-1-glicose, metformina, agonistas do peptídeo1 semelhante ao glucagon podem causar maior perda de peso, aumentando o risco de fragilidade7. Além disso, a resistência à insulina ou à sua depleção pode ser um fator importante na progressão da fragilidade em pacientes com diabetes, uma vez que a insulina é bem conhecida por ser um hormônio anabólico no músculo8.
Nesse contexto, a partir do preceito de que a fragilidade pode ocasionar a diminuição da capacidade funcional, a qual pode ser agravada por complicações micro e macrovasculares decorrentes do DM5, verifica-se que os fatores de risco associados às condições de fragilidade e DM possuem uma relação intrínseca com o comprometimento da funcionalidade na pessoa idosa1.
Portanto, a associação entre Diabetes Mellitus e a fragilidade deve ser investigada devido às possíveis complicações para a vida desta população, como, por exemplo, a diminuição progressiva da capacidade funcional, internações recorrentes e, consequentemente, maior necessidade de utilização dos serviços de saúde em todos seus níveis de atenção, com destaque para a Atenção Primária à Saúde, por se tratar da porta de entrada da pessoa idosa no sistema de saúde, possibilitando o reconhecimento da complexidade das suas necessidades e fornecendo uma abordagem abrangente, para melhorar a qualidade de vida e a autonomia4. Destaca-se, ainda, a necessidade de pesquisas sobre a temática na população idosa brasileira em estudos de seguimento.
O presente estudo justifica-se pela necessidade de identificação de condições que, aliadas ao processo de fragilização, podem afetar o envelhecimento saudável da população idosa com Diabetes Mellitus, e assim propor direcionamentos nas estratégias de manejo, proporcionando um cuidado integral para melhorar a qualidade de vida. O estudo tem por objetivo analisar a evolução da fragilidade e fatores associados em pessoas idosas com Diabetes Mellitus.
Materiais e Métodos
Pesquisa de abordagem quantitativa, observacional e longitudinal por um período de seguimento de 18 meses. A primeira avaliação (A1) ocorreu presencialmente entre novembro de 2019 a fevereiro de 2020, e a segunda avaliação (A2), no segundo semestre de 2021, por ligação telefônica devido às restrições ocasionadas pela existência da pandemia da Covid-19. Em ambas as avaliações, as perguntas foram verbalizadas pelo entrevistador, e o tempo média de entrevista foi de 40 minutos por participante. Na A1, a abordagem foi realizada em um consultório do local da coleta, garantindo a privacidade do participante. Na A2, a interpelação foi conduzida por ligação telefônica, sendo que, previamente, foi agendado um horário para ratificar o objetivo e duração da entrevista.
O estudo foi realizado em uma Unidade de Saúde de um município paulista, sendo conduzido conforme as diretrizes Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE)9.
Os critérios de inclusão para o estudo foram: idade ≥ 60 anos, diagnóstico clínico de Diabetes Mellitus registrado no prontuário do participante, ambos os sexos e na segunda avaliação, ter participado da primeira etapa do estudo. Para o procedimento de amostragem, considerou-se o total de atendimentos diários de pessoas idosas no local da coleta, que correspondia entre 10 a 12 consultas. Utilizou-se o aplicativo Power Analysis and Sample Size (PASS), v. 15, obteve-se uma amostra mínima de n = 206 participantes para o projeto principal, sendo que destes, 84 (40,80%) apresentaram o diagnóstico médico de Diabetes Mellitus e compuseram a amostra na primeira avaliação (A1). Na segunda avaliação (A2) foram entrevistadas 49 pessoas idosas. Ocorreu uma perda amostral de 35 participantes (41,60%) entre as duas avaliações, sendo que destes, 23,80% não foram localizados por contato telefônico após três tentativas em dias alternados, e 17,80% recusaram-se a participar, compondo a amostra final de 49 participantes.
A variável dependente do estudo foi a fragilidade. Para o seu rastreio, foi utilizada a escala de Tilburg Frailty, a qual avalia a vulnerabilidade e fragilidade da pessoa idosa. Foi revisada e validada no Brasil. Possui 15 questões objetivas relacionadas aos aspectos físicos (perda de peso, dificuldade para caminhar e manter o equilíbrio, visão e audição prejudicada e cansaço físico), social (suporte social) e psicológico (déficit cognitivo, sintomas depressivos, ansiedade e enfrentamento de problemas). O escore final ≥ 5 mostra resultado indicativo de fragilidade10.
As variáveis independentes utilizadas nas análises foram: sexo, estado civil, mora sozinho, idade, escolaridade, renda e número total de doenças. As variáveis sexo, idade e escolaridade, por serem consideradas fatores de confusão, foram mantidas no modelo, independentemente de sua significância estatística. Para avaliação das Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD) foi utilizado o Índice de Lawton e Brody (1969), que engloba atividades sociais mais complexas avaliando a capacidade de o indivíduo conviver em comunidade. A adaptação e confiabilidade do instrumento que mensura as Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD) foram realizadas no contexto brasileiro. Possui uma pontuação que varia de sete (maior nível de dependência) a vinte e um pontos (independência completa), e a pessoa idosa pode ser categorizada em: dependência total (7 pontos); dependência parcial (8 – 20) e independência (21 pontos), capaz de realizar todas as AIVD sem ajuda11.
Para avaliação das Atividades Básicas da Vida Diária (AVD), foi utilizado o Índice de Barthel, traduzido e validado no Brasil12, que avalia o desempenho para as atividades de alimentação, banho, vestuário, higiene pessoal, eliminação intestinal e vesical, uso do vaso sanitário, transferência cadeira-cama, deambulação e subir e descer escadas. A pontuação varia de zero a 100, sendo que maior pontuação indica maior independência13.
Para a análise dos dados foram utilizados os programas estatísticos Statistical Package for the Social Sciences — SPSS v. 22.0 e o programa R (R Core Team, 2022)14, versão 4.1.1. Foram realizadas medidas de tendência central (média e mediana) e de dispersão (desvio - padrão) para as variáveis quantitativas e proporções para variáveis qualitativas, e o teste não paramétrico de Wilcoxon pareado na avaliação da fragilidade, AIVD e AVD.
Para a análise de regressão da fragilidade com fatores associados foi realizada a regressão linear múltipla, sendo previamente feito um levantamento na literatura cientifica das variáveis que apresentavam relação com a variável dependente, além do critério da análise bivariada. Para todos os testes estatísticos, a significância foi p ≤ 0,05.
Os dados da pesquisa estão armazenados no acervo do Programa Excel do Núcleo de Pesquisa em Geriatria e Gerontologia (NUPEGG) da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, e no Mendeley Data15.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (4.206.554, de 11 de agosto de 2020). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, assinado em duas vias, sendo uma entregue à pessoa idosa.
Resultados
Em relação às variáveis sociodemográficas dos 49 participantes, houve predomínio do sexo feminino 81,60%(n=40), faixa etária de 60 – 79 anos 81,60%(n=40), com companheiro 53,10%(n=26), escolaridade entre 1 a 4 anos de estudo 57,10%(n=28), mora com companheiro 79,60%(n=39) e com renda média familiar de dois salários mínimos 38,80%(n=19) (Tabela1). A idade média foi de 71,8 (DP= 8,72), com mínimo de 61 e máximo de 105 anos. A média do total de doenças de doenças 5,73 (DP=3,37).
Tabela 1. Caracterização sociodemográfica das pessoas idosas com Diabetes Mellitus no seguimento de dezoito meses (n=49). Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2019-2021
Itens |
I- IVC† |
Sexo |
Feminino |
Masculino |
Idade |
Pessoa idosa mais jovem (60-79 anos) |
Pessoa idosa mais velha (>80 anos) |
Estado Civil |
Com companheiro |
Sem companheiro |
Escolaridade |
Analfabeto |
1 a 4 anos |
5 a 9 anos |
10 ou mais anos |
Mora sozinho |
Sim |
Não |
Renda familiar SM (Salário-Mínimo) |
1 SM |
2 SM |
3 a 5 SM |
6 a 9 SM |
|
|
81,60%(40) |
18,40%(9) |
|
81,60%(40) |
18,40%(9) |
|
53,10%(26) |
46,90%(23) |
|
2,10%(1) |
57,10%(28) |
26,50%(13) |
14,30%(7) |
|
20,40%(10) |
79,60%(39) |
|
26,50%(13) |
38,80%(19) |
28,60%(14) |
6,10%(3) |
|
Na segunda avaliação, a média da fragilidade 7,96 dobrou em comparação com a média da primeira 3,20. Em relação à AIVD, a média foi de A2 = 18,55, e à AVD, a média foi de A2 = 89,18, apresentando um comprometimento dos participantes em relação à realização de suas atividades em comparação com a primeira avaliação (Tabela2).
Tabela 2. Comparação das medidas de tendência central da fragilidade, AIVD e AVD das pessoas idosas com Diabetes Mellitus no seguimento de dezoito meses (n=49). Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2019-2021
Variáveis |
Média |
Mediana |
Mínimo |
Máximo |
DP |
p |
Fragilidade |
|
|
|
|
|
0,002 |
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|
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|
|
|
|
AIVD |
|
|
|
|
|
0,23 |
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|
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|
|
|
AVD |
|
|
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<0,001 |
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|
p - nível de significância: p ≤ 0,05; DP: Desvio - Padrão; Teste estatístico: Wilcoxon pareado Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD). Atividades Básicas da Vida Diária (AVD)
No que tange às AVD e AIVD é possível observar graficamente o comprometimento de tais atividades entre as avaliações A1 e A2 (Figura1).
Figura 1. Evolução das AVD e AIVD das pessoas idosas com Diabetes Mellitus no seguimento de dezoito meses (n=49). Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2019-2021
Atividades Instrumentais da Vida Diária (AIVD). Atividades Básicas da Vida Diária (AVD)
Na análise, utilizando-se regressão linear múltipla para o desfecho (escore total de fragilidade), ocorreu a perda ou piora da funcionalidade no início do seguimento (p=0,028) e o aumento do número total de doenças (p=0,035), sendo que impactaram negativamente sobre a fragilidade (Tabela3). Ou seja, pessoas idosas com maior comprometimento funcional e maior número de morbidades, na primeira avaliação (basal), apresentaram-se mais frágeis no período de seguimento (segunda avaliação) subsequente.
Tabela 3. Fatores associados à fragilidade de pessoas idosas com Diabetes Mellitus no seguimento de dezoito meses (n=49). Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, 2019 – 2021
Variáveis |
β |
IC =95% |
p |
Sexo |
Idade |
Escore AIVD antes |
Total de doenças |
|
|
(-2,138 - 1,591) |
(-,053 - -,128) |
(-,0582 - -,036) |
(0,017 - 0,459) |
|
|
β: Beta; p - nível de significância: p ≤ 0,05; Teste estatístico: Regressão Linear Múltipla; IC: Intervalo de Confiança
Discussão
A Atenção Primária à Saúde atua como porta de entrada para os usuários do sistema de saúde por meio de ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação no manejo de condições que afetam a saúde da população, com destaque para doenças crônicas. O Diabetes Mellitus é uma condição crônica que afeta principalmente a população idosa, e o monitoramento e avaliação longitudinal deste público com a doença podem influenciar diretamente o desfecho do quadro clínico, evitando complicações, hospitalizações e morte4,16.
A pandemia da Covid-19 trouxe mudanças significativas na vida da população, especialmente, desse grupo populacional e, com efeito, sem precedentes em todo o mundo. O isolamento social, a solidão e o aumento da dependência afetaram diretamente a qualidade de vida destas pessoas, resultando no aparecimento de alguns problemas de saúde e síndromes geriátricas como a fragilidade17.
O aparecimento da fragilidade pode ser influenciado o aumento da idade e presença de multimorbidades, dentre elas, o Diabetes Mellitus. Esta síndrome é caracterizada por uma incapacidade de o organismo lidar com os agentes estressores, elevando o risco de incapacidades. A ocorrência concomitante da fragilidade e DM pode elevar as chances de complicações graves para a pessoa idosa, além de comprometer o desenvolvimento das AVD e AIVD18,19.
Neste estudo, a fragilidade, AVD e AIVD sofreram importantes alterações. Foi identificado que o processo de fragilização aumentou e ocorreu diminuição nos níveis de independência no período pandêmico. Convém destacar que o aumento da fragilidade leva à diminuição das atividades cotidianas na população idosa20,21. Esta redução pode estar atrelada ao estilo de vida, pois algumas pessoas idosas, antes da pandemia, conseguiam de forma independente realizar seus afazeres cotidianos, mas no cenário da Covid-19 tiveram que recorrer ao isolamento social para proteção e exposição desnecessárias ao vírus, pois eram um dos grupos de maior risco para contaminação22. Ressalta-se que as AIVD sofreram maior comprometimento quando comparada às AVD, fato atrelado à impossibilidade de desenvolver algumas habilidades sociais e complexas. Contudo, ocorreu a diminuição de ambas devido ao processo confluência e hierarquização que interligam tais atividades18.
Destaca-se, ainda, neste estudo a relação entre fragilidade, número de doenças e AIVD, onde o processo de fragilização foi afetado negativamente pelo aumento do comprometimento funcional e do número de morbidades, na qual a presença da DM pode ter intensificado esse processo23,24, o que pode ter relação direta com o período de isolamento na pandemia que tornou a população idosa ainda mais vulnerável a estressores e ao surgimento de doenças, assim como diminuiu sua prática de atividades físicas e sociais25.
Estudo realizado na região Nordeste do Brasil em 2020, demonstrou que a manutenção da capacidade funcional em pessoas idosas diabéticas pré-frágeis aumentou em 38,00% a chance de não se tornarem frágeis e ressaltou que a presença de outras comorbidades pode influenciar a alteração da funcionalidade e da fragilidade, corroborado pelo presente estudo4. Uma pesquisa realizada na região Centro-Oeste do Brasil, em 2020, verificou uma associação entre o elevado número de doenças em pessoas idosas pré-frágeis e frágeis, assim como a associação de DM com o maior risco de fragilidade26.
Revisão sistemática com metanálise, realizada com 32 estudos em 2021, trouxe evidências de que pessoas idosas com DM possuem maior suscetibilidade a ter fragilidade do que aqueles sem a doença, e que o comprometimento funcional pode ter influência da DM e acelerar esse processo, além disso, a coexistência com múltiplas doenças pode exacerbar os sintomas da fragilidade27.
Portanto, é premente o estabelecimento de um cuidado integral da população idosa com doenças crônicas, com destaque para os que possuem DM, pois a presença de tal morbidade possui uma relação intrínseca com o aparecimento da fragilidade e comprometimento de AVD e AIVD. A prestação de um acompanhamento longitudinal e contínuo por profissionais de saúde com foco no controle da DM e rastreio precoce da fragilidade e perda da capacidade funcional podem contribuir para promoção de um envelhecimento ativo e saudável.
O estudo destaca como limitação a perda amostral entre as duas avaliações, possivelmente influenciada pelo período pandêmico ocasionado pela Covid-19. Contudo, os resultados obtidos mostraram que a inatividade física e o isolamento social contribuíram para a evolução da fragilidade e o comprometimento da capacidade funcional.
Conclusão
A Atenção Primária à Saúde tem papel fundamental para o cuidado de pessoas idosas com Diabetes Mellitus, pois contribui para a identificação de condições que podem afetar a saúde deste grupo populacional.
A fragilidade é uma das síndromes mais prevalentes em pessoas idosas com o diagnóstico de DM. A evolução do aumento da fragilidade e a sua associação com fatores como comprometimento funcional de AVD, AIVD e o número de doenças identificados neste estudo impactaram nas condições de saúde e atividades cotidianas.
A investigação da fragilidade e da funcionalidade na população idosa com doenças crônicas não transmissíveis, com destaque para a DM, é premente para a garantia de um envelhecimento com qualidade de vida e ativo.
O estímulo para a implementação da educação permanente com os profissionais de saúde acerca do processo de fragilização e capacidade funcional em pessoas idosas com DM pode contribuir para o desenvolvimento de intervenções assertivas para prevenção e/ou reversão do nível de dependência e, consequentemente, da fragilidade, sendo necessária sua incorporação permanente na rotina dos serviços de saúde, principalmente neste período pós- pandemia.
Conflitos de interesse: Declara-se não possuir conflitos de interesse.
Fontes de financiamento: A pesquisa foi subvencionada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-CNPq. Processo número 436710/2018-8
Agradecimentos: Agradecemos ao órgão financiador Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico- processo 436710/2018-8. Ao Centro de Saúde Dr. Joel Domingos Machado, que nos disponibilizou espaço para realizar a coleta de dados e aos participantes que aceitaram participar da pesquisa.
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