Rev Cuid 2018; 9(2): 2093-104
http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.v9i2.534

EDITORIAL

Determinantes da composição corporal em crianças e adolescentes

Lisiane Marçal Pérez1, Rita Mattiello2

1Doutoranda. Programa de Pós-Graduação em Medicina/Pediatria e Saúde da Criança, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil. Autor Correspondente. E-mail: lisiane.perez@pucrs.br
2Doutora. Coordenadora, Programa de Pós-Graduação em Medicina/Pediatria e Saúde da Criança, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Brasil.

Histórico

Recibido: 30 de marzo de 2018
Aceptado: 12 de abril de 2018

Como citar este artigo: Pérez LM, Mattiello R. Determinantes da composição corporal em crianças e adolescentes. Rev Cuid. 2018; 9(2): 2093-104. http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.v9i2.534

©2018 Universidad de Santander. Este es un artículo de acceso abierto, distribuido bajo los términos de la licencia Creative Commons Attribution (CC BY-NC 4.0), que permite el uso ilimitado, distribución y reproducción en cualquier medio, siempre que el autor original y la fuente sean debidamente citados.


A análise da composição corporal é fundamental não somente para avaliação da obesidade, mas também para conhecer o estado nutricional, o efeito da dieta, da  atividade física e diversas alterações associadas ao próprio estado nutricional1. Existem vários fatores que interferem na composição corporal já conhecidos e estudados como idade, peso e altura. Este editorial pretende abordar a importância de outros possíveis determinantes da composição corporal em crianças e adolescentes.

A composição corporal e seus métodos de avaliação

A composição corporal é a proporção entre os diferentes componentes corporais e a massa corporal total, sendo, usualmente expressa pelo percentual de massa gorda e massa magra2. Dentre as características e funções dos parâmetros comumente utilizados para a avaliação da composição as seguintes são as mais aceitas: massa gorda total (MGT) tem função tanto de reserva energética quanto de isolante térmico e está localizada na sua grande maioria no tecido subcutâneo (80% da MGT). Já a massa livre de gordura (MLG) é composta basicamente por minerais, proteínas, glicogênio e água. A água representa em torno de 55 a 65% do peso corporal e 73% da MLG, podendo aumentar com a idade3.

Atualmente, existe um número expressivo de ferramentas disponíveis para avaliação do estado nutricional e da composição corporal. As ferramentas mais utilizadas para a mensuração da composição corporal são: a massa corporal, a estatura, as dobras cutâneas, os perímetros corporais e o índice de massa corporal (IMC)4. Embora o IMC seja amplamente utilizado para avaliar a gordura corporal, sua principal desvantagem é que este não distingue entre os tipos de tecido analisados. Assim, o aumento do IMC pode resultar tanto no aumento da massa gorda e/ou aumento da massa magra. Isso pode levar a uma classificação errada do status nutricional5.

A bioimpedância elétrica (BIE) é um outro método usado para o estudo da composição corporal, tanto na prática clínica, como em pesquisas6. A avaliação da BIE é baseada na condução de uma corrente elétrica por meio dos fluídos do corpo, sendo os resultados avaliados a partir da diferença da condutividade elétrica dos tecidos. A BIE consegue definir adequadamente a composição corporal, identificando de forma individual a MLG e a MGT, fluídos intra e extra-celulares, taxa metabólica e ainda o ângulo de fase (AF). A  BIE é recomendada porque apresenta menor variabilidade em suas estimativas que outros métodos mais simples como o IMC7.

Determinantes para a composição corporal mediante a bioimpedância em crianças e adolescentes

Há uma série de diferenças entre a composição corporal de crianças e adultos. As medições da composição corporal nas crianças são inerentemente desafiadoras, devido às rápidas mudanças relacionadas ao crescimento em altura, peso, MLG e MG6. Conhecer essas mudanças são fundamentais para a qualidade do acompanhamento clínico8. No estudo da composição corporal muitas medidas objetivas já são bastante estudadas como altura, peso, idade, dobras, circunferência da cintura entre outras e diversas justificativas cartesianas foram apresentadas para influência destes determinantes na composição corporal.

Ao avaliarmos  a teoria ecosocial da distribuição das doenças, identificamos que a maioria dos estudos realizados até o momento sobre os determinantes para a composição corporal não considerou uma proposta ecológica, orientada, integrativa, multinível, que considere os fatores biológicos, populacionais e econômico-social destas medidas9.

O estado nutricional tem sido reconhecido como uma medida que reflete as diferenças do estado de saúde da população causado pela relação entre os grupos e não apenas relacionadas à biologia intrínseca. Segundo Krieger, uma limitação que devemos considerar em estudos populacionais consiste como as populações e os grupos são definidos. Quando avaliamos dados populacionais, devemos ponderar que a história influência os parâmetros de saúde tanto no passado quanto no presente9, devemos também considerar a influência de fatores nominados como protetores da saúde: a prática de atividade física, a alimentação adequada nas diferentes faixas etárias e a condição socioeconômica de cada um10.

Nos últimos anos houve o reconhecimento de etiologia multifatorial que interfere na composição corporal e a importância de considerar uma compreensão integral e sócio ecológica dos fatores de risco associados e dos fatores ditos protetores11. Assim a composição corporal pode resultar também da interação entre fatores ambientais e genéticos, raça e etnia, diferenças geográficas e culturais. Determinantes como nível educacional, "status" socioeconômico, local de moradia, "status" de maturação sexual, peso ao nascer, amamentação, atividade física, tempo de tela e doenças crônicas podem fazer parte do estudo da composição corporal12.

E como justificar os mecanismos envolvidos com cada um destes determinantes na composição corporal?

Conforme Beghin et al13, os determinantes da composição corporal seriam divididos em três níveis: fatores individuais, fatores familiares e de cuidados e fatores socioeconômicos e geográficos, conforme mostra a Figura 1. Como principais atores, no nível individual as mutações genéticas que influenciam na composição corporal através do aumento do IMC (Pro12Ala que aumentam a resistência insulina) e massa de gordura obesidade gene associada (gene SNP rs9939609) que também aumentam IMC e ainda a mutação relacionada ao metabolismo dos lipídios (Pro 446Leu) que aumenta os triglicerídeos14. Todas mutações podem ser neutralizadas ou reduzidas pela amamentação ou prática de atividades físicas. Ainda no primeiro nível o peso baixo ao nascimento que está relacionado com o aumento da resistência à insulina e ou elevada adiposidade abdominal e que poderia ser reduzido ou cancelado pela amamentação ou prática de atividade física. No segundo nível o status socioeconômico dos pais tem uma relação positiva com o nível de atividade física dos filhos, mas também pode-se observar que o encorajamento feito pelo pai, independente do status socioeconômico aumenta o nível da atividade física de seus filhos. Em relação aos fatores sociais e geográficos, as crianças e adolescentes que permanecem mais tempo na escola têm maior nível de atividade física e que o ambiente urbano influencia na atividade física. Aqueles que vivem em lugares com maior trafego rodoviário praticam menos atividade física. Por outro lado locais com ciclovias, praças, parques, calçadas e jardins e eventos esportivos disponíveis próximos as moradias melhoram as condições físicas dos moradores destes locais13.

Figura 1. Diferentes níveis de fatores que influenciam o estado nutricional de crianças e adolescentes

Em relação ao sexo e sua influência na composição corporal considerando estruturas do cérebro, cognição mental, saúde, uso de substâncias, personalidade, composição corporal, função cardiovascular, metabolismo e dieta; existem diferenças entre os sexos para o cérebro e fenótipos corporais. Para exemplificar especificamente as diferenças entre sexos, gênero e composição corporal podemos citar o acúmulo da gordura visceral que é associado com menor performance na mensuração da função executiva; esta associação está presente em adolescentes do sexo feminino, mas não masculinos. Por outro lado, a gordura visceral está associada com aumento dos níveis pressóricos em adolescentes do sexo masculino, mas não está presente em adolescentes do sexo feminino. A maioria das diferenças entre os sexos em relação ao cérebro e composição corporal provavelmente devem ocorrer na infância ou até o início da adolescência; podendo nos levar a refletir sobre o impacto dos fatores genéticos e que estes operam de modo independente dos hormônios gonadais e que possam ser influenciados por fatores ambientais como o acesso individual a educação ou estereótipos de gênero15.

Em resumo, considerando as desigualdades sociais e as diversidades culturais das populações, o estudo de diferentes determinantes para a composição corporal de crianças e adolescentes; podem proporcionar informações para o desenvolvimento de políticas públicas de saúde e educação em saúde, além de mudanças de estilo de vida. Futuros estudos que avaliem, explorem e comparem estes e outros prováveis determinantes da composição corporal serão de suma importância.

Conflito de interesses: Os autores declaram que não houve conflitos de interesse.

REFERÊNCIAS

  1. Cicek B, Ozturk A, Unalan D, Bayat M, Mazicioglu MM, Kurtoglu S.Four-site skinfolds and body fat percentage references in 6-to-17-year old Turkish children and adolescents. J Pak Med Assoc. 2014; 64(10): 1154-61.
  2. Wang ZM, Pierson RN, Jr, Heymsfield SB. The five-level model: a new approach to organizing body-composition research. Am J Clin Nutr. 1992; 56(1): 19-28. https://doi.org/10.1093/ajcn/56.1.19
  3. Eriksson B, Löf M, Eriksson O, Hannestad U, Forsum E. Fat-free mass hydration in newborns : assessment and implications for body composition studies. Acta Paediatr. 2011; 100: 680-6. https://doi.org/10.1111/j.1651-2227.2011.02147.x
  4. Diretrizes Brasileiras de Obesidade 2016. Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica. (2016). Disponível em: http://www.abeso.org.br/uploads/downloads/92/57fccc403e5da.pdf
  5. Silva S, Baxter-Jones  A, Maia J. Fat Mass Centile Charts for Brazilian Children and Adolescents and the Identification of the Roles of Socioeconomic Status and Physical Fitness on Fat Mass Development. Int J Environ Res Public Health. 2016; 13(2): 151. https://doi.org/10.3390/ijerph13020151          
  6. Kyle U, Earthman C, Pichard C, Coss-Bu J. Body composition during growth in children: limitations and perspectives of bioelectrical impedance analysis. Eur J Clin Nutr. 2015; 69: 1298-1305. https://doi.org/10.1038/ejcn.2015.86
  7. Li-Wen L, Yu-San L, Hsueh-Kuan L, Pei-Lin H, Yu-Yawn C, Ching-Chi C, et al. Validation of two portable bioelectrical impedance analyses for the assessment of body composition in school age children. PLoS One. 2017; 12(2): 1-14. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0171568
  8. Redondo-Del-Río MP, Camina-Martín MA, Marugán-de-Miguelsanz JM, de-Mateo-Silleras B. Bioelectrical impedance vector reference values for assessing body composition in a Spanish child and adolescent population. Am J Hum Biol. 2017; 29:e22978. https://doi.org/10.1002/ajhb.22978
  9. Krieger N. Epidemiology and the People’s Health: theory and context. Oxford University. 2011. https://doi.org/10.1093/acprof:oso/9780195383874.001.0001
  10. Shivappa N, Wirth MD, Hurley TG, Hébert JR. Association between the Dietary Inflammatory Index (DII) and telomere length and C-reactive protein from the National Health and Nutrition Examination Survey-1999-2002. Mol Nutr Food Res. 2017; 61: 1-7. https://doi.org/10.1002/mnfr.201600630
  11. Rao DP, Kropac E, Do MT, Roberts KC, Jayaraman GC. Status report -- Childhood overweight and obesity in Canada : an integrative assessment. Health Promot Chronic Dis Prev Can. 2017; 37(3): 87-93. https://doi.org/10.24095/hpcdp.37.3.04
  12. Kondolot M, Poyrazoğlu S, Horoz D, Borlu A, Altunay C, Balcı E, et al. Risk factors for overweight and obesity in children aged 2-6 years. J Pediatr Endocrinol Metab. 2017; 1;30(5): 499-505. https://doi.org/10.1515/jpem-2016-0358
  13. Beghin L, Vanhelst J, Deplanque D, Gonzales-Gross M, Henauw S, Moreno LA, et al. Le statut nutritionnel l’ activité et la condition physique des adolescents sous influence: Résultats de l’étude HELENA. médecine/sciences. 2016;32: 746-51. https://doi.org/10.1051/medsci/20163208023
  14. Verier C, Meirhaeghe A, Bokor S, Manios Y, Artero E, Nova E, et al. Breast-Feeding Modulates the Influence of the Peroxisome Proliferator – Activated Polymorphism on Adiposity in Adolescents. Diabetes Care. 2010; 33(1): 190-6. https://doi.org/10.2337/dc09-1459
  15. Paus T, Wong AP, Syme C, Pausova Z. Sex differences in the adolescent brain and body : Findings From the Saguenay Youth Study. J Neurosci Res. 2017; 95(1-2): 362-70. https://doi.org/10.1002/jnr.23825