VOL. 10 Nº 2 MAYO – AGOSTO 2019 BUCARAMANGA, COLOMBIA
E-ISSN: 2346-3414
ARTÍCULO DE INVESTIGACIÓN
Fatores relacionados à qualidade de vida de pacientes transplantados
Quality of life factors in transplant patients
Factores relacionados con la calidad de vida de pacientes trasplantados
Alana Mirelle Coelho Leite1, Patrícia Shirley Alves de Sousa2, Joice Requião Costa3, Rosana Alves de Melo4, Ferdinando Oliveira Carvalho5, José Carlos de Moura6
1Universidade do Estado da Bahia – UNEB Campus VII. Senhor do Bonfim – BA, Brasil. Autor de Correspondência. E-mail: alanamcleite@gmail.com https://orcid.org/0000-0002-9631-190.
2Colegiado de Enfermagem da FASJ. Enfermeira na UNIMED Vale do São Francisco. Petrolina – PE, Brasil. https://orcid.org/0000-0003-2745-2093
3Universidade do Estado da Bahia – UNEB Campus VII. Senhor do Bonfim – BA, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-7264-2956.
4Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Petrolina – PE, Brasil. https://orcid.org/0000-0001-9217-921X.
5Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Petrolina – PE, Brasil. https://orcid.org/0000-0003-0306-5910.
6Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Petrolina – PE, Brasil. https://orcid.org/0000-0001-6943-1560.
Histórico
Recibido: 27 de diciembre de 2018
Aceptado: 30 de abril de 2019
Como citar este artigo: Leite AMC, Sousa PSA, Costa JR, Melo RA, Carvalho FO, Moura JC. Fatores relacionados à qualidade de vida de pacientes transplantados. Rev Cuid. 2019; 10(2): e715. http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.v10i2.715
©2019 Universidad de Santander. Este es un artículo de acceso abierto, distribuido bajo los términos de la licencia Creative Commons Attribution (CC BY-NC 4.0), que permite el uso ilimitado, distribución y reproducción en cualquier medio, siempre que el autor original y la fuente sean debidamente citados.
Resumo
Introdução: O transplante é um procedimento cirúrgico que configura uma forma de tratamento eficaz para doenças em fase terminal. A realização deste pode proporcionar melhorias na qualidade de vida dos indivíduos e fatores diversos podem interferir nessa percepção. O objetivo do estudo foi avaliar a influência de fatores socioeconômicos e inerentes ao transplante na percepção da qualidade de vida em pacientes submetidos a transplantes de órgãos. Materiais e Métodos: Estudo descritivo, quantitativo e de caráter transversal, realizado por meio de um questionário socioeconômico e um questionário de qualidade de vida, o World Health Organization Quality of Life- Bref. A amostra foi composta por 258 participantes. Foram utilizados os testes U de Mann Whitney e Kruskal Wallis, além da correlação de Spearman. O nível de significância adotado foi p<0,05. Resultados: Os resultados mostraram que ter rendas acima de 2 salários apresentou diferença significativa em relação aos participantes com rendas inferiores. Casados apresentaram diferença significativa no domínio psicológico em relação às demais situações conjugais. O transplantado de fígado apresentou diferença significativa na autoavaliação em relação aos outros transplantados. Discussão: O transplante, apesar de não proporcionar cura, reabilita, possibilitando-lhes sentir prazeres que foram esquecidos por conta da doença e que aos poucos puderam ser recuperados. Conclusões: Os pacientes perceberam a qualidade de vida de forma satisfatória, e rendas elevadas, transplante hepático e presença de companheiro impactaram positivamente nesta percepção.
Palavras chave: Perfil de Saúde; Cuidados de Enfermagem; Educação em Saúde; Avaliação em Saúde; Inquéritos e Questionários.
Abstract
Introduction: Organ transplantation is a surgical procedure considered as an effective treatment for terminal illness. Performing a transplant may improve the quality of life of patients as well as in the different factors that may interfere with this perception. This study aims to evaluate the influence of socioeconomic factors inherent to the transplant on the perception of the quality of life in patients who have undergone organ transplants. Materials and Methods: A descriptive, quantitative, cross-sectional study was conducted by means of a socioeconomic questionnaire and a quality of life questionnaire, the World Health Organization Quality of Life- BREF. The sample consisted of 258 participants. Mann-Whitney U and Kruskal-Wallis tests were conducted as well as the Spearman’s correlation. The level of significance adopted was p<0.05. Results: The results show that receiving an income of 2 salaries made a significant difference with respect to those participants receiving a lower income. Married participants showed a significant difference in the psychological aspect compared to those with another marital status. Liver transplant patients showed a significant difference in the self-assessment with respect to other transplant recipients. Discussion: Transplants, despite not providing a definitive cure, rehabilitates patients, enabling them to have pleasant experiences that had been forgotten due to the illness itself and that have been able to gradually experience again. Conclusions: Patients perceived a satisfactory quality of life when received high income, had undergone a liver transplant and had a partner, having a positive impact on this perception.
Key words: Health Profile; Nursing Care; Health Education; Health Evaluation; Surveys and Questionnaires.
Resumen
Introducción: El transplante es un procedimiento quirúrgico que constituye una forma de tratamiento eficaz para enfermedades en fase terminal. La realización del mismo puede generar mejoras en la calidad de vida de los individuos, así como en distintos factores que pueden interferir en esa percepción. El objetivo del presente estudio fue evaluar la influencia de factores socioeconómicos e inherentes al transplante en la percepción de la calidad de vida en pacientes que hayan sido sometidos a trasplantes de órganos. Materiales y Métodos: Estudio descriptivo, cuantitativo e de tipo transversal, realizado a través de un cuestionario socioeconómico y un cuestionario de calidad de vida, el World Health Organization Quality of Life- Bref. La muestra estuvo constituida por 258 participantes. Se realizaron las pruebas U de Mann Whitney y Kruskal Wallis, además de la correlación de Spearman. El nivel de significación adoptado fue p<0,05. Resultados: En los resultados se demuestra que recibir ingresos por encima de 2 salarios marcó una diferencia significativa con respecto a los participantes que reciben menores ingresos. Los casados presentaron una diferencia significativa en el área psicológica en comparación con los de otras situaciones conyugales. El trasplantado de hígado presentó diferencia significativa en la autoevaluación con respecto a los otros trasplantados. Discusión: El transplante, a pesar de no proporcionar una cura definitiva, rehabilita a los pacientes, lo que les posibilita que sientan placeres que habían sido olvidados debido a la enfermedad y que, poco a poco, hayan podido recuperarlos. Conclusiones: Los pacientes percibieron la calidad de vida de forma satisfactoria cuando recibían ingresos elevados, habían sido sometidos a transplante hepático y tenían pareja, esto impactó de manera positiva en esta percepción.
Palabras clave: Perfil de Salud; Atención de Enfermaría; Educación en Salud; Evalución en Salud; Encuestas y Cuestionarios.
INTRODUÇÃO
O transplante é um procedimento cirúrgico no qual ocorre a reposição de um ou mais órgãos doentes por outro, através da doação, configurando uma forma de tratamento eficaz e o principal recurso para a manutenção da vida para doenças em fase terminal1.
No Brasil, o número de transplantes aumentou consideravelmente na última década, sendo atualmente o segundo país do mundo que mais realiza esta terapia e possuindo o maior programa público de transplantes com uma das mais rigorosas legislações2. No ano de 2018, foram realizados 8.729 transplantes de órgãos sólidos, com destaque numérico para os de rim, fígado e coração, com 5.923, 2.182 e 353 procedimentos, respectivamente2.
Em Pernambuco, esse número também cresceu significativamente. Em 2018, foram realizados 656 implantes no estado, ocupando, assim, o primeiro lugar em número de transplantes de rim, coração e pâncreas no Norte/Nordeste, promovendo destaque no cenário nacional. Também ocupa o segundo lugar em número de transplantes de fígado no Norte/Nordeste e, mesmo com um número ainda tímido de transplantes de pâncreas, com cinco transplantes concretizados, é o estado nesta região que mais o realiza2.
Esse aumento expressivo, associado aos avanços na ciência e tecnologia, tem propiciado os procedimentos e beneficiado milhares de pessoas que receberam um órgão3. Essa terapia configura a única fonte de tratamento para muitos pacientes e, apesar da existência de terapias substitutivas, o implante do novo órgão é considerado a melhor opção terapêutica, promovendo impacto positivo na qualidade de vida3.
Nessa direção, entende-se que o transplante é uma alternativa para melhora do quadro clínico, e aqueles que se submetem a fazê-lo aumentam as chances de um retorno à vida normal3. Diante disso, a produção científica nacional3-6 e internacional7-8 tem se proposto a investigar a qualidade de vida dos pacientes após o transplante, com o intuito de identificar a percepção destes acerca da sua vida e modificações causadas pelo tratamento.
Os instrumentos utilizados para mensurar a qualidade de vida precisam captar informações diversas relacionadas à condição humana e ao comportamento, trazendo importantes indicadores de promoção da saúde3. Dentre os instrumentos validados para esse fim, alguns trazem particularidades na investigação do impacto de patologias, como a doença renal e hepática6, e outros abordam a qualidade de vida em várias dimensões: são os instrumentos genéricos, como o World Health Organization Quality of Life- Bref - Whoqol-Bref 3.
No Brasil, onde se vislumbra esse importante crescimento2, há estudos que abordam a qualidade de vida dos pacientes pós-transplante em estados específicos3-6, mas existem lacunas acerca dessas informações nas outras localidades. Devido ao acentuado desenvolvimento na região Pernambucana e à ausência de estudos que abordem a qualidade de vida desses pacientes após o implante do órgão, consideram-se relevantes pesquisas que busquem analisar a temática nessa população6,9.
Considerando o exposto, o objetivo deste estudo foi avaliar a percepção da qualidade de vida de pacientes submetidos a transplantes de órgãos em Pernambuco, assim como a influência de fatores socioeconômicos e inerentes ao transplante.
MATERIAIS E MÉTODOS
Estudo descritivo, com perspectiva quantitativa e de caráter transversal, desenvolvido em uma unidade de atendimento ambulatorial para pacientes transplantados, a Unidade Geral de Transplantes, localizada em hospital referência na cidade de Recife – PE.
O estado de Pernambuco tem atualmente seis centros transplantadores e seus respectivos ambulatórios para acompanhamento dos pacientes após o implante. A seleção do ambulatório da Unidade Geral de Transplantes como local de estudo ocorreu pelo fato de ser o único do estado que realiza e acompanha pacientes transplantados de fígado, rim e coração, sendo, portanto, aquele que permitiu conhecer as três realidades que mais ocorrem no estado2.
A amostra foi constituída por pacientes transplantados de fígado, rim ou coração. Foram incluídos no estudo aqueles indivíduos acima de 18 anos, em pós-operatório de transplante renal, cardíaco ou hepático, entre três meses e três anos de transplante, que estivessem em acompanhamento ambulatorial nessa instituição e que aceitassem participar da pesquisa. Foram excluídos do estudo aqueles com dificuldade de comunicação, com condições de saúde debilitada e os transplantados de dois órgãos simultaneamente.
A amostra foi estimada de acordo com o número de pacientes transplantados e acompanhados pelo ambulatório escolhido nos últimos três anos: 2013, 2014 e 2015. Foram realizados 1.231 transplantes de fígado, rim e coração no estado de Pernambuco nesse período, sendo que, desse quantitativo, 785 foram realizados pelo ambulatório da Unidade Geral de Transplantes. Foi utilizado o cálculo para populações finitas10, com intervalo de confiança de 95% e margem de erro de 5%, que determinou uma amostra mínima de 258 participantes.
A coleta de dados foi realizada por meio de aplicação de questionários pelo pesquisador, no período de janeiro a abril de 2016, uma semana a cada mês, totalizando quatro semanas. O contato com os pacientes foi feito através da abordagem individual, sendo perguntado o tipo e o tempo de transplante, e, a partir disso, foi identificado quem se enquadrava nos critérios de inclusão e exclusão do estudo.
A entrevista foi realizada no próprio ambulatório, em local silencioso, e, apesar de o questionário ser autoaplicável, houve a necessidade de fazê-lo individualmente, demandando mais tempo. A média de tempo utilizado para cada entrevista foi de 15 minutos, a qual era realizada enquanto os pacientes aguardavam a consulta de seguimento.
Utilizaram-se dois instrumentos para coleta de dados: questionário socioeconômico e questionário estruturado padronizado de qualidade de vida, o World Health Organization Quality of Life, Whoqol–Bref. O questionário socioeconômico, elaborado para o presente estudo, foi utilizado para caracterização dos pacientes e para verificação de possíveis associações e influências com a qualidade de vida, contendo as seguintes variáveis: sexo, idade, cor, situação conjugal, renda familiar e escolaridade, além de dados relacionados ao transplante, como: tempo de transplante, tipo de doador e órgão transplantado.
O Whoqol–Bref é um instrumento abreviado, com características psicométricas satisfatórias, que foi desenvolvido a partir do Whoqol – 100 e produz escores através de domínios. Foram realizadas fusões de alguns domínios do Whoqol -100 para abreviar e formar os quatro domínios presentes no Whoqol–Bref. O instrumento apresentou boa validade e os valores obtidos no alfa de Cronbach mostraram consistência interna satisfatória em todos os domínios, com valores mais baixos nos domínios relações sociais (domínio 3) e meio ambiente (domínio 4)11.
É composto por 26 questões fechadas, com duas perguntas gerais da qualidade de vida e 24 perguntas que representam as facetas, em que a qualidade de vida é baseada na percepção do indivíduo em várias dimensões3. Essas 24 questões são agrupadas em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente3-4.
O domínio físico trata das facetas dor e desconforto, energia e fadiga, sono e repouso, mobilidade, atividades da vida cotidiana, dependência de medicação ou tratamento e capacidade para o trabalho. O domínio psicológico contém as facetas que abordam sentimentos positivos, sentimentos negativos, imagem corporal e aparência, espiritualidade e religiosidade, autoestima e capacidade de pensar, aprender, memória e concentração3-4.
O domínio relações sociais cotempla facetas relacionadas a relações pessoais, suporte social e atividade sexual. O domínio meio ambiente traz facetas relacionadas à segurança, ambiente no lar, ambiente físico, recursos financeiros, cuidados de saúde e sociais, oportunidades, habilidades e informações, lazer e transporte4.
As respostas dos itens avaliados do Whoqol-Bref são distribuídas em uma escala Likert de 5 pontos, categorizadas de acordo com a pontuação. A soma dos escores obtidos em cada domínio é mensurada e, após tabuladas, considera-se uma variabilidade de 4 a 20, seguindo as orientações de cálculos dos escores do Whoqol-Bref e estatística descritiva de Pedroso12, já utilizada em outros estudos3-4 e sendo os resultados mais próximos de 20 sugestivos de melhor percepção de qualidade de vida. Os dados foram organizados e armazenados na planilha eletrônica Microsoft Excel e, em seguida, exportados para o SPSS versão 22.0.
Inicialmente foi realizada a análise descritiva dos dados, em seguida o Teste Kolmogorov Smirnov para verificação da normalidade dos dados, evidenciando a não-normalidade dos dados (p<0,05). Posteriormente, para verificar a influência do sexo e tipo de doador versus qualidade de vida, utilizou-se o teste U de Mann Whitney. Para as variáveis cor, situação conjugal, renda, escolaridade e tipo de transplante versus qualidade de vida, utilizou-se o teste Kruskal Wallis, e, para a variável idade versus qualidade de vida, utilizou-se a correlação de Spearman. O nível de significância adotado foi de p<0,0510.
Esta pesquisa respeitou as exigências das Diretrizes e Normas da Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, em consenso com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto Materno Infantil de Pernambuco (IMIP), sob o parecer 1.321.410, CAAE: 49632115.3.0000.5201. Os entrevistados foram informados do propósito do estudo e dos seus direitos, através de um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE, elaborado com termos e linguagem adequados. O sigilo, o anonimato e o direito de o entrevistado deixar de participar da pesquisa em qualquer momento, sem acarretar danos, obedeceram aos seguintes princípios bioéticos: autonomia, não maleficência, beneficência e justiça. Os participantes assinaram ou identificaram por meio de impressão digital o termo citado, ficando em posse de segunda via.
RESULTADOS
Dos indivíduos estudados, observou-se predominância no sexo masculino (60,1%), na cor parda (58,5%), casados ou em união estável (63,6%). A média da idade foi de 44,81 (±14,24) anos. A maioria dos participantes apresentava baixa escolaridade: aqueles que eram analfabetos ou estudaram até a 3ª série fundamental e os que tinham ensino fundamental completo representavam mais da metade dos pacientes (53,1%). A renda de até 1 salário mínimo (57,5%) foi maioria entre os pesquisados.
Quanto ao órgão transplantado, houve prevalência no transplante renal (81,0%), com tempo médio de transplante de 17,19 meses (±12,81) e com maior proporção do doador falecido (89,1%), ressaltando que o doador vivo foi encontrado apenas no grupo de transplantados renais.
As respostas obtidas na aplicação do Whoqol-Bref demostraram que o domínio psicológico apresentou o melhor escore, com média 16,81 (±2,34), seguido do domínio relações sociais, com média 16,46 (±3,26). Depois veio o domínio físico, com média 15,23 (±3,01) e, em seguida, com o menor escore, o domínio meio ambiente, com média 14,91 (±2,63). A autoavaliação da qualidade de vida apresentou média de 16,26 (±2,52) e a qualidade de vida geral obteve média de 15,74 (±2,12).
A Tabela 1, exibe as comparações entre os domínios da qualidade de vida e as demais variáveis estudadas. No que se refere ao sexo, não houve diferença significativa entre os domínios da qualidade de vida (p>0,05). Quando associada a situação conjugal aos escores de qualidade de vida, o domínio psicológico apresentou diferença significativa (p=0,016). Foi observada diferença significativa entre os indivíduos casados/união estável e separados (p=0,027), indivíduos casados/união estável e solteiros (p=0,021) e indivíduos viúvos e separados (p=0,048). Destaca-se que o grupo de viúvos e casados/união estável é aquele que apresenta melhores escores de respostas no domínio psicológico.
Ainda na Tabela 1, foi observada a influência da renda na percepção da qualidade de vida. Foram encontradas diferenças significativas nos domínios físico, meio ambiente e na qualidade de vida geral. No domínio físico, foi encontrada diferença significativa entre os grupos de salários distintos, sujeitos com renda entre 1 e 2 salários e 2 e 3 salários (p=0,048), sujeitos com renda entre 1 e 2 salários e acima de 4 salários (p=0,012), sujeitos com renda até 1 salário e 2 e 3 salários (p=0,043) e sujeitos com renda até 1 salário e acima de 4 salários (p=0,009). No domínio meio ambiente, foram observadas diferenças significativas entre todos os grupos: os indivíduos que possuíam renda até 1 salário e 2 e 3 salários (p=0,005), até 1 salário e 3 e 4 salários (p=0,013) e até 1 salário e acima de 4 salários (p=0,000), renda entre 1 e 2 salários e 2 e 3 salários (p=0,020), entre 1 e 2 salários e 3 e 4 salários (0,026) e entre 1 e 2 salários e acima de 4 salários (p=0,000).
No que corresponde à qualidade de vida geral, foi encontrada diferença entre aqueles com renda entre 1 e 2 salários e entre 2 e 3 salários (p= 0,042), entre 1 e 2 salários e acima de 4 salários (p=0,002), até 1 salário e entre 2 e 3 salários (p=0,028) e até 1 salário e acima de 4 salários (p=0,001), evidenciando que quanto maior a renda, melhor a percepção.
No que tange às variáveis inerentes ao transplante, foi identificada diferença significativa entre o órgão transplantado e a qualidade de vida no item Autoavaliação da qualidade de vida (p=0,043). Os grupos com diferença estatística foram entre os transplantados de fígado e transplantados de rim (p=0,022) e entre os transplantados de fígado e transplantados de coração (p=0,027), mostrando que os transplantados de fígado percebem melhor a qualidade de vida que os pacientes de rim e de coração. Não houve diferença entre os transplantados de rim e transplantados de coração (p=0,448). Não houve correlação significativa em relação ao tempo de transplante e a qualidade de vida (Tabela 1).
Não houve diferença significativa em relação ao tipo de doador e a qualidade de vida (p>0,05). Essa comparação foi avaliada apenas no grupo de transplantados renais, em virtude de que neste estudo não houve o doador vivo para o transplante hepático. Do mesmo modo, não foram encontradas diferenças significativas entre cor e escolaridade quando associadas à percepção de qualidade de vida (p>0,05).
Tabela 1. Comparação dos domínios de qualidade de vida. Dados expressos em mediana (intervalo interquartil)
A Tabela 2, por sua vez, mostra a Correlação de Spearman entre a idade e os domínios da qualidade de vida. Nesse contexto, foi possível observar associações negativas significativas entre a idade e os domínios físico (r = -0,124), relações sociais (r = -0,138) e autoavaliação (r = -0,197). As associações entre os domínios da qualidade de vida apresentaram valores positivos e estatisticamente significativos ao nível de p<0,001, indicando associações moderadas entre as variáveis.
Tabela 2. Correlação de Spearman entre a idade e os domínios da Qualidade de Vida
*p<0,05; **p<0,01; †p<0.001;
DISCUSSÃO
Este é o primeiro estudo realizado no estado de Pernambuco que avalia a qualidade de vida de pacientes submetidos a transplantes observando a influência do tipo de transplante. Os resultados demonstraram que os pacientes transplantados perceberam a qualidade de vida geral de forma satisfatória, sendo influenciada discretamente pela idade, e, de forma mais expressiva, pela situação conjugal, renda e órgão transplantado.
Observou-se prevalência do sexo masculino, da cor parda, de pessoas casadas ou em união estável, predomínio de renda inferior a um salário mínimo e baixa escolaridade. Costa e Nogueira5, em estudo realizado no Piauí com 147 pacientes após transplante renal, identificaram que a maioria era do sexo masculino (62,6%), assim como, Aguiar e colaboradores6, em estudo realizado no Ceará com 150 pacientes após transplante hepático, com prevalência do sexo masculino (80%). Corroborando com achados de Vasconcelos et al.13 e Aguiar et al.9 nos transplantados de coração. Na literatura internacional, estudos que tratam dessa temática também apresentam essa característica 14-15.
A predominância dos homens fazendo uso dessa terapia substitutiva aponta que pessoas do sexo masculino são mais propensas a doenças crônicas16 e menos ativas quando se trata de cuidados com a saúde4. No entanto, a ausência dos homens em serviços de saúde pode também ser interpretada como consequência da cultura de atendimento nos serviços de atenção primária, onde ocorrem ações e priorizações na saúde da mulher, além da dificuldade de comparecimento em horários comerciais17.
Quanto à faixa etária, observou-se um grupo de pessoas em idade economicamente ativa e produtiva, sinalizando desenvolvimento precoce de doenças de progressão rápida em pacientes jovens, dados que corroboram com outros estudos envolvendo pacientes transplantados 4,5,18.
A média do tempo de transplante foi de 17,19 (±12,81) meses, justificada pela maior necessidade de comparecimento ao ambulatório, em virtude de intensa monitorização às adaptações à nova rotina de alimentação e medicamentos, assim como eventuais intercorrências9.
O tipo de transplante mais prevalente nesse estudo foi o transplante renal, com 81% dos participantes. Desse grupo de transplantados, o doador vivo representou apenas 13,9% dos casos. Esse achado corresponde à realidade nacional, pois o número incipiente de doadores vivos faz com que transplantes renais dependam quase que em sua totalidade de doadores falecidos2.
O transplante renal acontece em um número bem maior que os demais transplantes, e, ainda assim, corresponde ao tipo de terapia que mais demanda tempo de espera e que permanece com longas filas em todo país2. De acordo com a Sociedade Brasileira de Nefrologia, a Doença Renal Crônica (DRC) vem aumentando progressivamente, ocorrendo indicações de terapia dialítica e de transplante, reforçando que é considerada um problema de saúde pública19.
A análise dos domínios de qualidade de vida do Whoqol-Bref permitiu identificar o quanto situações de vida interferem na satisfação desses indivíduos, em que laços familiares, capacidades funcionais, recursos financeiros, atividade laboral, disposição e outros fatores podem ter relação com a percepção da qualidade de vida19.
Os melhores escores foram identificados no domínio psicológico e os piores no domínio meio ambiente, sinalizando que as facetas contidas no domínio psicológico foram melhor percebidas, e aquelas contidas no domínio meio ambiente foram pior percebidas. Estudo realizado por Mendonça et al.3 com 63 pacientes transplantados também identificou melhores escores no domínio psicológico e piores no domínio meio ambiente.
O domínio psicológico, com melhores escores de respostas, contém aspectos que tratam das emoções, medos, expectativas e capacidades, considerados importantes indicadores de saúde. A vida imposta pela doença causa efeitos impactantes no cotidiano e nos sentimentos desses pacientes, e, após o implante do novo órgão, esses fatores tendem a melhorar3-4.
Em contrapartida, o domínio meio ambiente avalia a satisfação com a renda, oportunidades de lazer e condições de moradia e de segurança, aspectos que não mudam após o transplante3, pois têm relação com a condição social prévia do indivíduo. Também houve prevalência da insatisfação para a capacidade de trabalhar, faceta que está inclusa no domínio físico, justificando menores médias nesse domínio. Vasconcelos et al.14, em estudo para avaliar as mudanças advindas após o transplante, identificaram que a maior expectativa é a possibilidade de voltar a trabalhar e que nem sempre é possível.
O domínio relações sociais obteve médias altas, evidenciando a importância do apoio e presença dos familiares em cada etapa do tratamento, interferindo na percepção da qualidade de vida3. De acordo com o Whoqol-Bref, os pacientes perceberam de forma satisfatória a qualidade de vida após o implante do órgão, dados similares a outros estudos que fizeram uso do mesmo instrumento para avaliar a percepção da qualidade de vida de pacientes transplantados3-4.
Ao associar os fatores socioeconômicos aos domínios do Whoqol-Bref, percebeu-se a influência de alguns destes na percepção da qualidade de vida. Mendonça e colaboradores3 encontraram dados similares em relação aos domínios do Whoqol-Bref e divergiram em relação à influência de fatores socioeconômicos, em que idade e situação conjugal não foram significativas.
No que tange à situação conjugal e à percepção da qualidade de vida, obteve-se diferença significativa no domínio psicológico. Neste estudo, ressalta-se que a maior proporção de participantes eram casados ou tinham união estável e observou-se que pacientes casados têm melhores escores nesse domínio que pacientes solteiros e separados, e que pacientes viúvos também têm melhor percepção que os separados. Nesse sentido, é possível perceber que ter a experiência de um companheiro refletiu positivamente no modo de enfrentar os problemas advindos da doença e do tratamento, conferindo-lhes estabilidade emocional, pois mudanças de ordem social, física e financeira podem ocorrer e interferir no cotidiano desses pacientes21.
Ao avaliar a influência da renda na percepção da qualidade de vida, obtiveram-se importantes achados e diferenças significativas nos domínios físico e meio ambiente, assim como na qualidade de vida geral. Pessoas que tinham renda mais elevada perceberam de forma melhor a qualidade de vida, achados similares a outros estudos5,9.
A renda é expressa como um dos fatores atrelados ao bem-estar, satisfação e felicidade, contribuindo para a melhor percepção de qualidade de vida5. Alguns autores destacam que os recursos financeiros proprorcionam melhores condições para cuidar da saúde6,9, fortalecendo a relação renda versus qualidade de vida. Moreira et al.22, por exemplo, sinalizam que quanto maior a renda, maior a satisfação pessoal.
Atividade laboral e aspectos financeiros são tratados nos domínios físico e meio ambiente, respectivamente, do Whoqol-Bref, mostrando que o comprometimento físico pode atingir o trabalho e refletir na renda. Feitoza et al.23, ao avaliarem as principais dificuldades após o transplante, dizem que questões financeiras são sinalizadas, em virtude de todas as alterações advindas do tratamento, necessitando de uma nova rotina familiar e locomoção para hospitais e centros transplantadores, gerando custos adicionais.
Em se tratando do órgão transplantado com a qualidade de vida, este estudo trouxe algo novo ao analisar esta percepção pelo tipo de transplante realizado, percebendo-se diferença significativa na autoavaliação da QV (p=0,043), evidenciando que os pacientes transplantados de fígado percebem melhor a qualidade de vida que pacientes transplantados de rim e de coração.
A autoavaliação da QV dos três grupos apresentou o mesmo escore (16,00), no entanto os pacientes transplantados de fígado apresentaram amplitudes de respostas melhores, sendo considerada a melhor percepção. Não foram encontrados dados nacionais para confrontar este achado.
Um estudo realizado nos Estados Unidos da América, por Wicks e colaboradores7, avaliou a qualidade de vida de pacientes submetidos a diferentes tipos de transplantes, por meio de uma comunidade virtual em que eram compartilhadas experiências e se respondiam a questionários. Não foram realizadas associações entre os tipos de transplantes, apenas identificou-se melhores escores de respostas para pacientes transplantados de rim e piores escores para os transplantados de pulmão.
A literatura aponta que, dentre todos os transplantes e critérios para que este aconteça, o transplante hepático é aquele que tem menos restrições, não apresentando componentes imunológicos fortes, favorecendo a adaptação ao enxerto e um menor tempo de internamento24.
Ao correlacionar idade com qualidade de vida, percebeu-se que há uma relação inversa e significativa nos domínios físico, relações sociais e autoavaliação. Assim, nos aspectos que contemplam esses domínios, a qualidade de vida foi percebida de uma forma pior à medida que a idade aumentou. Estudo realizado por Aguiar et al.9 também identificou que houve declínio na percepção da qualidade de vida conforme o aumento da idade. Em contrapartida, um estudo realizado por Orlandi et al.25, com pacientes acima de 65 anos submetidos a transplantes, mostrou que a idade avançada não significa piora do funcionamento do enxerto.
Entende-se, então, que não é o transplante realizado em uma determinada idade que pode comprometer a qualidade de vida, e, sim, enfermidades que acometem os indivíduos com o passar dos anos é que podem influenciar essa percepção26. O envelhecimento traz consigo mudanças de aspecto físico e emocional, estando atrelado a fatores como aumento de doenças crônicas, perdas funcionais e cognitivas26-27.
O transplante é considerado possibilidade para reabilitação de saúde, visando proporcionar retorno às atividades cotidianas, dentre elas, melhorar a capacidade de exercer o trabalho e ter uma renda5. Dentre todos os fatores que envolvem a qualidade de vida, sentir-se útil para a sociedade é de extrema importância, pois o trabalho favorece não só uma renda, mas também a reinserção social desse indivíduo15.
Muito ainda se observa que os pacientes transplantados sofrem estigmas e, por isso, as oportunidades de trabalho são reduzidas, e, por conta de limitações para determinadas atividades, as opções para atividade laboral adequada ficam mais difíceis6. Contudo, é importante enfatizar que muitas dessas limitações são impostas pelo próprio paciente, por medo de rejeição ou dano ao enxerto18.
Através dessa pesquisa, foi percebido que o transplante, apesar de não proporcionar cura, reabilitou os pacientes, possibilitando-lhes sentir prazeres que foram esquecidos por conta da doença e que aos poucos puderam ser recuperados, interferindo positivamente na qualidade de vida destes. Também foi possível identificar fatores que influenciaram negativamente a percepção da qualidade de vida dos pacientes, para que, a partir destas informações, seja possível o desenvolvimento de intervenções precoces, a fim de propiciar melhorias na qualidade de vida desse público.
CONCLUSÕES
Pacientes submetidos a transplantes de órgãos neste Centro de Transplante no estado de Pernambuco perceberam a qualidade de vida de forma satisfatória, sendo influenciada por algumas das variáveis pesquisadas. Houve diferença significativa para participantes com rendas elevadas, casados e transplantados de fígado.
Este estudo contém limitações: a natureza transversal e os dados coletados em apenas um dos Centros de Transplante do estado de Pernambuco, não sendo possível conhecer as outras realidades. Ressalta-se, também, que não foram pesquisados pacientes de todos os tipos de transplantes, apenas aqueles que ocorreram em maior proporção em território nacional e estadual. Ademais, não foram avaliadas as complicações advindas do tratamento e a influência na percepção da qualidade de vida.
Sugerem-se novos estudos abrangendo os demais Centros de Transplante do estado, com o intuito de conhecer todas as realidades, assim como a necessidade de estudos longitudinais e seriados, durante o pós-operatório.
Salienta-se que esse achados podem contribuir nas ações das equipes que trabalham com pacientes transplantados, direcionando as orientações dadas de acordo com os fatores que mais impactaram na nova condição, de forma a tentar melhorar a qualidade de vida desses indivíduos.
Conflito de interesses: Os autores declaram que não há conflito de interesse.
REFERÊNCIAS