E-ISSN: 2346-3414
ARTIGO ORIGINAL
Prevenção ao suicídio: vivências de estudantes universitários
Suicide Prevention: Experiences of University Students
Prevención del suicidio: experiencias de estudiantes universitarios
Márcia Astrês Fernandes1 , Joyce Soares e Silva2, Luana Ruth Braga Campos3, Valéria Maria Silva Nepomuceno4, Ananda Cerqueira Barbosa de Vasconcelos5, Ana Lívia Castelo Branco de Oliveira6
1Universidade Federal do Piauí-UFPI. Teresina, Brasil. E-mail: m.astres@ufpi.edu.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-9781-0752
2 Universidade Federal do Piauí-UFPI. Teresina, Brasil. E-mail: joycesoaresc@yahoo.com.br. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6544-9632
3 Universidade Federal do Piauí-UFPI. Teresina, Brasil. E-mail: lu_anaruth@hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6993-8644
4 Universidade Federal do Piauí-UFPI. Teresina, Brasil. E-mail: valerianeponuk23@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3958-1335
5 Universidade Federal do Piauí-UFPI. Teresina, Brasil. E-mail: ananda.anibal@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-0538-415X
6Universidade Federal do Piauí-UFPI. Teresina, Brasil. E-mail: analiviacbranco@hotmail.com.. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-2634-0594
Histórico
Recibido: 26 de febrero de 2019
Aceito: 20 de febrero de 2020
Como citar este artigo: Fernandes, Márcia Astrês; Silva, Joyce Soares; Campos, Luana Ruth Braga; Nepomuceno Valéria Maria Silva; Vasconcelos, Ananda Cerqueira Barbosa; Oliveira, Ana Lívia Castelo Branco. Prevenção ao suicídio: vivências de estudantes universitários. Revista Cuidarte. 2020; 11(2): e791. http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.791
Atribución 4.0 Internacional (CC BY 4.0)
Resumo
Introdução: A abordagem ao suicídio é por vezes negligenciada, pelo tabu que ainda existe na sociedade, pelo medo ou pela falta de conhecimento de educadores e profissionais da saúde. Dessa forma, é tido como um sério problema de saúde pública, em especial, entre os jovens e universitários, não somente no Brasil. Materiais e Métodos: Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa, de cunho descritivo-exploratório, realizada em uma Universidade Federal do Nordeste Brasileiro. Participaram do estudo quinze estudantes do curso de graduação em Enfermagem que integravam o Projeto de intervenção: Ser, Saber, Ouvir, Viver. A análise dos dados textuais foi realizada por meio do software IRaMuTeQ. Resultados: No estudo abordou-se sobre o crescimento pessoal dos membros do projeto ao decorrer das ações, motivação dos estudantes em buscar a valorização da vida, a vivência dos estudantes nos diálogos e rodas de conversa como forma de prevenção ao suicídio, as intervenções como estratégia de prevenção e sobre as mudanças que o projeto posibilitou na vida dos participantes. Discussão: O projeto de intervenção sobre prevenção ao suicídio e valorização da vida possibilitou aos estudantes conhecerem mais sobre o tema do suicídio e os fatores que o envolve. Além de ter aproximado a comunidade acadêmica para discussões, rodas de conversa, momentos de reflexão que circundou a temática. Conclusões: O projeto trouxe um novo olhar aos estudantes, chamando atenção para a importância do desenvolvimento de projetos direcionados à comunidade universitária, em vista da necessidade e discussão sobre o tema.
Palavras chave: Suicídio; Estudantes de Enfermagem; Saúde Mental.
Summary
Introduction: The approach to suicide prevention is sometimes disregarded due to the taboo that still exists in society, fear or lack of knowledge of educators and health professionals. Therefore, it is considered a serious public health problem, especially among young people and university students, not only in Brazil. Materials and methods: A qualitative descriptive exploratory research was conducted at a Federal University in the Northeast of Brazil. Fifteen undergraduate nursing students who were part of the intervention project "Being, Knowing, Listening, Living" participated in the study. The analysis of the textual data was performed using the IRaMuTeQ software. Results: The study addressed the personal growth of the project members during the actions, the students' motivation in the search for the value of life, the students' experience in dialogues and conversation circles as a way to prevent suicide, interventions as a prevention strategy and the changes that the project brought about in the lives of the participants. Discussion: The intervention project on suicide prevention and the value of life enabled students to learn more about the topic of suicide and its surrounding factors. It also brought the academic community around the discussions, conversation circles and moments of reflection involving the topic. Conclusions: The project provided students with a new perspective, drawing attention to the importance of developing projects aimed at the university community given the need and discussion on the topic.
Key words: Suicide; Nursing, Students; Mental Health
Resumen
Introducción: El abordaje del suicidio a veces se desestima, debido al tabú que todavía existe en la sociedad, el miedo o la falta de conocimiento de los educadores y profesionales de la salud. Por lo tanto, se considera un problema grave de salud pública, especialmente entre los jóvenes y los estudiantes universitarios, no solo en Brasil. Materiales y métodos: Se trata de una investigación de enfoque cualitativo, de carácter descriptivo-exploratorio, realizada en una Universidad Federal del Nordeste de Brasil. Participaron en el estudio 15 estudiantes de pregrado de enfermería que formaban parte del proyecto de intervención “Ser, Saber, Escuchar, Vivir”. El análisis de los datos textuales se realizó utilizando el software IRaMuTeQ . Resultados: El estudio abordó el crecimiento personal de los miembros del proyecto durante el curso de las acciones, la motivación de los estudiantes en la búsqueda del valor de la vida, la experiencia de los estudiantes en diálogos y círculos de conversación como una forma de prevenir el suicidio, intervenciones como estrategia de prevención y los cambios que el proyecto hizo posible en la vida de los participantes. Discusión: El proyecto de intervención sobre la prevención del suicidio y la valoración de la vida permitió a los estudiantes aprender más sobre el tema del suicidio y los factores que lo rodean. Además de acercar a la comunidad académica entorno a las discusiones, círculos de conversación y momentos de reflexión que rodearon el tema. Conclusiones: El proyecto aportó una nueva mirada a los estudiantes, llamando la atención sobre la importancia de desarrollar proyectos dirigidos a la comunidad universitaria en vista de la necesidad y la discusión sobre el tema.
Palabras clave: Suicidio; Estudiantes de Enfermería; Salud Mental.
INTRODUÇÃO
O suicídio, ato de causar a própria morte de forma intencional, ainda é visto como tabu pela sociedade. A abordagem ao tema é por vezes negligenciada, pelo medo ou mesmo pela falta de conhecimento de educadores e profissionais da saúde ao abordar a temática. Dados estimam que cerca de 800 mil pessoas tenham cometido suicídio no ano de 2015 a nível mundial. Sendo, ainda, o suicídio apontado como a segunda causa de morte entre os estudantes universitários1.
O Brasil encontra-se na lista dos dez países onde há mais casos de suicídio no mundo, em números absolutos. Apresenta ainda, a quarta causa de mortalidade entre a idade de 15 a 29 anos. Contudo, não há estudos exatos que mensurem a média de ocorrência de mortes autoprovocadas em universitários, mas supõe-se que seja semelhante ao que ocorre a nível mundial, visto que há muitos casos de subnotificação2,3
Nos dias atuais, o suicídio é tido como um sério problema de saúde pública, em especial, entre os jovens e universitários. Felizmente, existem medidas preventivas que podem contribuir para a diminuição dessas taxas, tanto a nível nacional quanto mundial. São atividades/ações simples que abordam o tema e que podem fazer uma grande diferença, dentre as quais se destacam as rodas de conversa, teatro, oficinas, meios que promovam a discussão e reflexão sobre o que é o suicídio3,4.
Tais atividades, caracterizadas como educativas ou de promoção à saúde, funcionam como práticas de integração entre os estudantes, momentos de lazer que se refletem em terapias comunitárias para os jovens que se interessam em estudar o tema, para aqueles que já vivenciaram com amigos ou familiares e para aqueles que tenham tentado ou mesmo que estejam com ideações suicidas. As atividades devem ser livres e proporcionar um ambiente acolhedor, confortável, que acolha todos àqueles que estão interessados em destruir os mitos envoltos no tema para que, assim, as pessoas encontrem ali um ponto de apoio e confiança e que possam desabafar ou procurar ajuda quando necessitar4.
Dessa forma, frente a este problema crescente e preocupante entre a comunidade estudantil universitária se faz necessário que as Universidades implementem ações, como as referidas, que contribuam para a prevenção de novos casos, que possibilitem a criação de projetos que promovam a valorização da vida e reflexão sobre os mitos e verdades acerca do tema. Com isso, objetivou-se discorrer sobre as vivências de estudantes universitários integrantes de um projeto de valorização da vida e prevenção ao suicídio.
MATERIAIS E MÉTODOS
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva-exploratória, realizada em uma Universidade Federal do Nordeste brasileiro. Aplicou-se ao estudo o checklist COnsolidated criteria for REporting Qualitative research (COREQ) para revisão e adequações metodológicas.
Participaram do estudo quinze estudantes do curso de graduação Bacharelado em Enfermagem que integravam o Projeto de intervenção: Ser, Saber, Ouvir, Viver, que tem como propósito desenvolver ações de prevenção ao suicídio voltada para o público estudantil universitário. O projeto teve início em 2016, por iniciativa da docente coordenadora do projeto, conjuntamente com os estudantes, após alguns casos de suicídio na Universidade.
Participaram do projeto estudantes de graduação e pós-graduação vinculados ao Departamento de Enfermagem, bem como docentes. Dentre as atividades desenvolvidas se destacam as rodas de conversa, oficinas, momentos de escuta qualificada individualizada, palestras, sessões de terapias comunitárias integrativas e outras, todas abertas ao público universitário. A missão do projeto consiste em promover espaços dentro do cenário universitário e um ambiente acolhedor para que os alunos possam discutir e se informar mais sobre esse tema, especialmente sobre as estratégias de prevenção, além de possibilitar um canal no qual os estudantes possam se expressar e falar sobre suas emoções, sentimentos, angústias, sem sofrerem julgamentos.
Foram excluídos os participantes que não frequentaram as reuniões do projeto no período estabelecido para as entrevistas e os que não retornaram resposta ao contato realizado para fins de coleta de dados. A coleta ocorreu nos meses de agosto a setembro de 2017, sendo utilizado como instrumento um roteiro de entrevista semiestruturado contendo perguntas abertas, que versavam sobre a experiência do discente junto ao projeto. As entrevistas foram realizadas durante uma das reuniões rotineiras do projeto. Após, as entrevistas foram transcritas os depoimentos na íntegra.
A pesquisa teve o apoio de uma ferramenta de software para a ordenação e análise qualitativa. A coleta de informações foi realizada seguindo os padrões sugeridos e descritos conforme o manual referente ao software IRaMuTeQ (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires), que facilitou as análises estatísticas sobre o corpus textual criado. Para as análises lexicais clássicas, esse software identificou e reformatou as unidades de texto, transformando-as em Unidades de Contexto Elementares que a partir destas, iniciou-se a análise do conteúdo das entrevistas5.
Para a análise do conteúdo, definiu-se o método da Classificação Hierárquica Descendente (CHD), em que os textos foram classificados em função de seus vocabulários e o conjunto destes foram divididos pela frequência das formas reduzidas. Além disso, a partir do cruzamento dos segmentos de textos e palavras, aplicou-se o método CHD para obtenção da classificação estável e definitiva5,6.
A pesquisa faz parte do estudo sobre a prevalência de sintomas ansiosos e depressivos em universitários de uma instituição pública, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí, sob parecer de número 1.665.294, em 5 de agosto de 2016. A participação foi voluntária e todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em todas as etapas do estudo respeitaram-se os princípios éticos contidos na Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde, que reporta sobre os aspectos éticos e legais de pesquisa envolvendo seres humanos.
RESULTADOS
Os participantes do projeto tinham idades entre 19 e 24 anos, a maioria era do sexo feminino, todos matriculados no curso de Bacharelado em Enfermagem de uma Universidade Federal do Nordeste brasileiro, versando entre o 1º ao 9º período do curso, solteiros, sem filhos, sem vínculo empregatício, e com renda familiar não analisada.
A análise de dados textuais pelo IRaMuTeQ permitiu a separação do corpus em seis Unidades de Contextos Elementares (UCE’s), com 177 segmentos de textos e 6339 ocorrências de palavras no texto. A frequência média das formas por segmento foi de 35.813559, gerando classes semânticas distintas, analisadas pela Classificação Hierárquica Descendente (CHD), com aproveitamento de 84.18% do corpus.
A construção do dendograma (Figura 1) e a análise subsequente das palavras foram realizadas com aquelas que obtiveram uma frequência igual ou maior que a frequência média obtida, ou seja, três. Dessa forma, as classes foram descritas utilizando-se as palavras mais significativas, que apresentaram uma maior porcentagem no corpus e pelas suas respectivas associações com a classe. Pela CHD, a análise e discussão das classes acompanharam o dendograma com suas partições, e a leitura foi procedida da esquerda para a direita.
Figura 1. Dendograma de classes IRaMuTeQ. Teresina (PI), Brasil. 2018
DISCUSSÃO
Classe 5: crescimento pessoal dos membros do projeto ao decorrer das ações
Esta classe é constituída por 26 UCEs (segmentos de texto), que correspondem 17,45% do corpus total e está diretamente associada à classe5.
Pelos discursos dos participantes do projeto foi possível perceber a influência das atividades sobre seus conceitos pessoais acerca do suicídio e valorização da vida. Entretanto, essa observação com relação aos colegas torna-se difícil ao passo que a vida acadêmica exige uma quantidade de tempo significativa que muitas vezes tornam aquele contato diário difícil de acontecer. Além disso, é possível notar que a empatia está presente em todos os depoimentos, corroborando com um estudo realizado com estudantes universitários nos EstadosUnidos que demonstra a empatia como sendo primário daquelas pessoas que possuem uma mente mais aberta quanto à prevenção ao suicídio7.
Dessa forma, manter a convivência com familiares, amigos, colegas, embora por vezes difícil, segundo os participantes, ajuda a evidenciar os fatores de risco para o suicídio, identificando os transtornos mentais como a depressão, ansiedade, alcoolismo, transtornos de personalidade, esquizofrenia, além de associar esses tais dados com os outros fatores que envolvem o suicídio como as questões sociodemográficas envolvendo idade, sexo, extremos dos extratos econômicos e o isolamento; as condições psicológicas como as perdas recentes, família conturbada, reações de aniversário e personalidade com traços significativos de impulsividade, agressividade e humor hábil; e as condições clínicas incapacitantes como dor crônica, lesões desfigurantes, epilepsia, AIDS, trauma medular e neoplasias malignas1,2,8.
“Evolui bastante desenvolvi melhor habilidade de me expressar senti que pude ajudar mais pessoas passei a refletir mais sobre como as minhas ações e palavras ou falta delas podem aos poucos afetar alguém e a partir disso comecei a dar mais atenção as pessoas na minha vida mesmo as que estão de passagem tornei- me mais presente e mais humana, sincera nas ações como fizemos na primeira vez, sinto que pode ser um momento especial e necessário para vários alunos...” (Est. 2).
“O projeto me tornou mais empática, me ajudou a olhar para o outro com a vontade ajudar quanto ao meu profissional como pretendo atuar na área de assistência em saúde a preocupação para com o próximo se torna a cada dia que passa indispensável...” (Est. 15).
Foi possível observar também nessa classe, a identificação dos participantes com uma ou mais ações do projeto, por vezes enfatizando qual a atividade que os prenderam e despertaram para a valorização da vida. Bem como, pode ser observado que elas são ajudavam apenas quem estava fora do projeto e se inscreveu na ação, mas também aos membros e idealizadores da atividade.
Contudo, estudos epidemiológicos sobre o suicídio tendem a deixar como proposta de combate e prevenção ao suicídio algumas ações, como desenvolvimento de atividades pontuais ou coletivas de conscientização às pessoas, detecção e tratamento precoce de transtornos mentais, controle de meios letais (redução de armas de fogos, regulação do comércio de agrotóxicos, arquitetura segura em locais públicos) e treinamento de profissionais de saúde em prevenção de suicídio8.
“Uma das atividades que mais me marcou foi a apresentação da peça em todo momento a apresentação fomos capazes de reconhecer situações na vida da protagonista pela qual cada um de nós já passou está passando ou irá passar...” (Est. 03)
“A segunda vez que fizemos a primeira ação estava tão angustiada triste desanimada e com muita raiva e o momento foi tão lindo e leve que saí bem melhor leve e mais calma...” (Est. 11).
“Foi uma experiência única fez eu me sentir bem e esquecer um pouco do período turbulento que eu estava passando além de saber que aquilo poderia tocar outras pessoas da forma que me tocou...” (Est. 13).
Classe 1: motivação dos estudantes em buscar a valorização da vida.
Esta classe é composta por 31 UCEs, o que corresponde a 20,8% do corpus total e possui associação direta com a classe cinco. Os termos mais frequentes e significativos desta classe foram: saúde, acadêmico, novo, coisa, comunidade, mental, cujos valores de X2 correspondem a 32.85, 22.45, 19.69, 15.65, 15.65, 14.34, respectivamente.
Diante dos depoimentos dos participantes, percebe-se a importância de espaços dentro da instituição para discussões sobre saúde mental dos próprios estudantes, em especial ansiedade, depressão e suicídio, visto que o estilo educacional e ritmo acadêmico são fatores que interferem diretamente nas relações interpessoais e até mesmo no equilíbrio mental. Dessa forma, o próprio projeto se torna um desses espaços de discussão dentro da instituição, embora haja necessidade de ampliação e criação de novos projetos semelhantes ao retratado, o mesmo se apresenta como ferramenta para prevenção ao suicídio, visto que a escuta terapêutica é utilizada durante todas as reuniões, sempre permitindo que os participantes se expressem e falem o que sentem sem julgamentos.
A escuta terapêutica é um processo de comunicação que cria um vínculo entre a pessoa que se expressa e aquele que escuta. Esse dispositivo consiste em analisar o sofrimento psíquico do indivíduo no contexto no qual está inserido, observado os fatores causais e protetores que o envolvem, para assim poder conduzir os cuidados da forma mais eficaz de maneira única, individual, buscando a melhoria dos sintomas ansiosos e depressivos, que podem culminar em um suicídio9,10.
“Minha principal motivação para participar do projeto foi a ideia de que por meio deste poderíamos criar um espaço até então novo entre os estudantes de enfermagem que serviria como local seguro para desabafo e discussões sobre pressão depressão e suicídio...” (Est. 02).
“Já possuía interesse pela área da valorização da vida e atenção à saúde mental dos acadêmicos da área da saúde. Por esse motivo, quando conheci o projeto, me inscrevi para participar de uma de suas ações, para melhor o conhecer...” (Est. 03).
“Um momento de conversa é importante até para que os docentes possam estar cientes de como anda a saúde mental dos estudantes, pois esta pode interferir bastante no rendimento e nas relações acadêmicas como já citado anteriormente...” (Est. 01).
As novidades, rotina e demandas universitárias geram mudanças na dinâmica de vida dos jovens estudantes. Diante das expectativas acadêmicas e profissionais, o estudante começa uma cobrança excessiva nos estudos buscando melhor rendimento acadêmico. Este tipo de exigência pode causar desconforto e ansiedade frente a situações desconhecidas. Por ser uma fase de descobertas e formação pessoal, está marcada por desafios e incertezas que comumente originam problemas de saúde mental como transtornos de ansiedade, depressão e comportamento suicida11.
Cabe destacar que, o apoio, o estímulo e a atenção oferecida aos estudantes, seja por meio de projetos acadêmicos ou mesmo pelo apoio dado pelos professores e colegas de turma, podem contribuir como um fator de proteção contra o suicídio, e dessa forma, cria uma rede em defesa e valorização da vida dentro das Universidades, diminuindo, assim, as taxas de suicídio dentro do ambiente acadêmico12.
Tomei conhecimento do projeto por um grupo em redes sociais. Participei porque achei o tema de grande importância e também porque me encontrava num dos momentos mais complicados da minha vida, foi como se eu precisasse realmente ouvir da boca de outras pessoas que a vida vale sim alguma coisa (Est. 09)
À medida que o indivíduo experimenta os acontecimentos da vida de forma negativa, maiores se tornam os riscos do desenvolvimento de depressão13. O comportamento suicida nos jovens, por sua vez, é consequência da materialização de pensamentos anteriores. Tornando necessária, por parte dos estudantes e docentes, a observação precoce a fim de analisar e compreender os motivos relacionados com a idealização, nessa etapa da vida12. Ressalta-se, portanto, que projetos de intervenção dentro das Universidades direcionados ao tema, a exemplo do Projeto Ser, Saber, Ouvir, Viver, corroboram para a melhoria da positividade dos alunos frente aos acontecimentos negativos, promovendo o desenvolvimento de técnicas de enfrentamento às adversidades sofridas.
Classe 6: diálogo entre estudantes: como combater o suicídio
Esta classe é composta por 22 UCEs, o que corresponde a 14,7% do corpus total e possui associação direta com as classes um e cinco. Os termos mais frequentes e significativos desta classe foram: universidade, importância, sentar, exemplo, escutar e dentro, cujos valores de X2 correspondem a 31.71, 30.22, 23.73, 23.73, 23.73, 23.36, respectivamente.
Nos depoimentos dos participantes, compreende-se a necessidade de discussão não somente do contexto da saúde mental, mas de suas próprias vivências. Diante da visão dos estudantes, a criação e divulgação de espaços seguros para desabafo e diálogos, seria um dos principais meios de valorização da vida e prevenção ao suicídio. Aspectos apontados pelos participantes do estudo em tela:
“Perguntar “como você está?” e querer escutar a resposta do outro. Acho que deve ser tão simples quanto uma conversa. Mais espaços de conforto entre nós mesmos que fossem amplamente divulgados e que trouxessem diálogos de diversas formas...” (Est. 02).
“Ter um grupo de atendimento para pessoas com depressão dentro da universidade...” (Est. 07).
“Sugiro que na medida do possível consigamos abordar a universidade federal do Piauí como um todo e tornar as atividades de conversações com quem precisa sejam mais acessíveis e frequentes muitas vezes as pessoas só precisam ser escutadas...” (Est. 15).
“Seria muito interessante fazermos mais ações que incluíssem mais alunos com uma divulgação maior dentro da universidade como por exemplo ações durante o mês de setembro conhecido como setembro amarelo com atividades durante todo o mês...” (Est. 03).
O projeto referido é limitado aos estudantes de enfermagem da instituição, embora haja atividades no qual o público externo é convidado, os integrantes e idealizadores são de um único curso. A proposta é que dentro de alguns períodos ocorra integração entre outros departamentos para que, assim, a Universidade como um todo se uma em prol de uma causa, a valorização da vida. Entretanto, ainda fazem-se necessários a criação de outros ambientes de integração entre os estudantes, que promovam o diálogo e discussão sobre o tema, visto que há várias fontes que buscam ajudar, tanto na esfera formal quanto na informal, como serviços psicológicos, rodas de conversa, diálogos interpessoais, atividades essas que envolvem escuta terapêutica e que de certa forma, melhora as atitudes dos alunos em relação a falar sobre problemas de saúde mental e suicídio14,15.
Classe 2: intervenções simples como estratégia de prevenção do suicídio
Esta classe é constituída por 32 UCEs, que corresponde a 15,4% do corpus total e está diretamente associada à classe dois. Os vocábulos mais frequentes e significativos que aparecem nos segmentos de texto desta classe foram: só, oportunidade, também, não, perceber, entre outras, cujos valores de X2 correspondem, respectivamente 22.98, 17.64, 15.02, 14.08, 11.94.
A partir da observância dos discursos dos participantes foi possível perceber os benefícios de intervenções simples, dinâmicas e lúdicas como estratégia para a prevenção do suicídio. Como por exemplo, o ato de escutar, apoiar, fortalecer as discussões sobre a temática, trabalhar em grupo, promovendo momentos de reflexão, compartilhamento de sentimentos, dúvidas em um ambiente livre de julgamentos, bem como para compreender e ajudar o outro no enfrentamento dos problemas, respeitando, criando vínculo e assim aumentando a interação entre as pessoas ao permitir um bom relacionamento por poder possibilitar falar sobre as angústias e aflições. Neste sentido, o projeto proporcionou essas estratégias, como se verifica a seguir:
“...ouvir é importante oferecer apoio e ajuda também não julgar aquela pessoa...” (Est.1)
“...isso nos fez perceber que ser forte o tempo todo nem sempre é possível mas se você tem uma rede de apoio do seu lado não precisa enfrentar o mundo sozinho...” (Est. 3)
“...com o projeto tive a oportunidade de discutir um pouco mais sobre a valorização da vida aprendi a trabalhar em grupo pude também usar a criatividade assim como fazer uma reflexão do aumento de casos de suicídios...” (Est. 07)
...desabafaram sentimentos angústias e aflições... a ação favoreceu um espaço de ajuda aos estudantes que estavam precisando de um ombro amigo para manifestar sua angústia...” (Est. 12)
O acompanhamento e apoio social são eficazes na redução de suicídio e tentativas de suicídio. Intervenções de baixo custo e de fácil execução são recomendadas necessitando profissionais de saúde treinados e poucos recursos para fazê-las. Isso é particularmente útil em países de baixa e média renda. A intervenção pode incluir o uso de cartões postais, chamadas por telefone ou breves visitas para estabelecer e promover contato contínuo. É importante obter o apoio da comunidade, com a participação de familiares, amigos, colegas, centros de crise ou centros de saúde mental locais. Um estudo com universitários realizado no Rio de Janeiro realizou oficinas como estratégia de prevenção ao suicídio, as oficinas versavam sobre expressão emocional, autoconhecimento e empatia15,17.
Na academia enquanto espaço dinâmico de relações, e muitas vezes fonte da única possibilidade de contato com a afetividade, alegrias e conquistas são compartilhados. O risco de comportamento suicida aumenta quando as pessoas sofrem perdas, disputas ou conflitos em seus relacionamentos. O cultivo e manutenção de relacionamentos saudáveis próximos podem aumentar a capacidade de recuperação individual e atuar como fator de proteção contra o risco de suicídio. O círculo social mais próximo de uma pessoa, isto é, o casal, membros da família, colegas, amigos e outros, podem ter grande influência e serem favoráveis em momento de crise apresentando-se como fonte significativa de apoio social, emocional e financeiro para atenuar o impacto de fatores externos16,18.
Classe 3: rodas de conversa como forma de prevenção ao suicídio
Esta classe é constituída por 28 UCEs, que corresponde a 12,1% do corpus total e está associada à classe dois. Os vocábulos mais frequentes e significativos que aparecem nesta classe são: realizar, roda, conversa, forma, prevenção, dentre outros, cujos valores de X2 correspondem respectivamente a 32.93, 18.78, 18.48, 17.4, 8.59.
A partir dos discursos dos participantes foi possível perceber que as rodas de conversas funcionam como uma ferramenta de baixo custo e de fácil implantação nas universidades, atingindo os objetivos de maneira satisfatória, ao tempo em que proporcionam um ambiente acolhedor, relaxante, de conhecimento e informação quanto aos serviços de ajuda e troca de experiência. Nesta perspectiva, funcionam com uma ferramenta de prevenção ao suicídio, conforme observado nos depoimentos:
“...compreendi que o método mais eficaz de combate ao suicídio e a prevenção desse agravo, é debatendo a temática com mais frequência em rodas de conversa...” (Est. 04)
“...a atividade que mais me marcou foi a ação na qual foi realizada uma roda de conversa onde de forma interativa com o público convidado podemos discutir sobre os mitos e verdades em relação ao suicídio...” (Est.06)
“..rodas de conversa e terapia comunitária pois são atividades de baixo custo possíveis de serem implantadas na universidade e que trabalham com o tema de valorização da vida e prevenção ao suicídio...” (Est. 08).
Conhecer e realizar estratégias que permitam um olhar holístico ao indivíduo, é de fundamental importância para àqueles profissionais que querem identificar comportamentos suicida para superação ou controle deste, ao ser possível analisar o ser humano além de análises meramente biológicas, transcendendo ao biopsicossocial. Neste sentido, a roda de conversa ao permitir acolher sem julgamento, promover a escuta ativa, troca de experiência e de conhecimento sobre a temática funciona como uma dessas ferramentas estratégicas de prevenção ao suicídio. Ademais, por meio de uma conversa, é possível identificar fatores atenuantes e protetores de cada indivíduo, no qual permite ao profissional trabalhar cada diálogo de forma a obter clareza das demandas que os participantes da atividade trazem1,18. Um estudo realizado em Tocantins revelou algumas atividades desenvolvidas por estudantes de psicologia na universidade, dentre estas, inclui-se a roda de conversa como importante aliado à prevenção do suicídio na detecção dos fatores de risco individuais e coletivos da comunidade acadêmica19.
Importa destacar que, ao estabelecer um espaço seguro para que os participantes possam se expressar sem preconceito e discriminação, partilhar, acolher, buscar horizontalidade nas relações, a roda de conversa age em sua plenitude e oferece suporte àqueles com comportamentos suicidas, ao passo, que além do simples diálogo, é possível incrementar instrumentos musicais e artísticos à atividade, ampliando os horizontes daqueles que participam, ao possibilitar que esses indivíduos entrem em contato com seus sentimentos e possam expressá-los sem julgamentos20,21.
Classe 4: o antes e depois dos participantes do Projeto Ser, Saber, Ouvir, Viver.
Esta classe é constituída por 53 UCEs, que corresponde a 19,5% do corpus total e está associada à classe dois e três. Os vocábulos mais frequentes e significativos que aparecem nesta classe são: antes, sensível, certo, fator, não, passar, dentre outros cujos valores de X2 correspondem respectivamente a 21.41, 17.01, 17.01, 16.27, 14.0, 13.72.
A partir dos depoimentos foi possível perceber que anteriormente ao projeto, alguns membros, apesar de possuírem algum conhecimento sobre o tema, tinham a sensação de que toda essa problemática não pertencia à sua realidade diária. De forma que o projeto possibilitou a ampliação dos conhecimentos acerca do suicídio, especialmente sobre os fatores de risco e de proteção, além das possibilidades de prevenção. Ademais, houve crescimento de aspectos humanísticos, considerando que muitos se manifestaram mais compreensivos, altruístas, mais sensíveis à questão, sensação de se sentirem melhor como pessoas ao ajudar o próximo e mais atentos à escuta, conforme pode ser observado nos depoimentos abaixo:
“anteriormente a minha participação no projeto não me sentia confortável para discutir sobre a temática do suicídio acreditava que a pessoa suicida era a fraca de espirito e sempre associava a pratica do suicídio a um trauma de vida...” (Est. 04)
“... eu me sinto mais altruísta e mais sensível aos outros como ouvinte e até uma postura profissional mais humanizada e acolhedora, pois antes eu me sentia muito leiga nas formas de abordar os pacientes ou de fazer meus colegas mais à vontade para falar comigo...” (Est. 14)
“... durante o projeto entendi que reúne uma série de fatores que predispõem essa doença e que é bastante grave e percebi o quanto e importante discutir sobre esse tema principalmente na vida acadêmica que existem tantas cobranças que muitas vezes nos sentimos desesperados sem encontrar uma saída...” (Est.05)
“... aprendi a olhar para os outros de uma forma mais holística não somente ouvindo o que eles diziam, mas sim compreendendo as palavras e seus significados passaram a valer muito principalmente para o lado profissional...” (Est. 01)
Existem iniciativas que favorecem a ampliação das discussões acerca da prevenção das tentativas de suicídio bem como ações mais especificas visando orientar a todos os profissionais no sentido do caminhar para a identificação de potenciais e o suporte necessário a intervenções pontuais. O processo de educação permanente em articulação com os serviços de saúde e de outras políticas assistenciais intenciona alcançar o maior número de pessoas com sofrimento psíquico através de uma atuação mais segura e destituída de preconceitos dos mais diversos modos que só imperam o processo de conscientização e de entendimento acerca dos fatores envolvidos nos transtornos psicológicos16.
Torna-se imprescindível a necessidade de modificar-se esta realidade por meio de ações mais eficazes e pontuais no que se refere à discussão como medida preventiva ao suicídio, envolvendo a todos que fazem parte do contexto. Tais ações devem voltar-se para o fortalecimento da autoestima e autoimagem positivas; o desenvolvimento junto ao jovem, da compreensão de que se faz necessário a expressão do seu afeto seja ela de qual natureza for, para assim trazê-los à consciência e ter condições de se perceberem imperfeitos e exatamente por assim serem, humanos16,21,22.
Todas as informações colhidas, processadas e analisadas decorreram de coleta direta com os membros do projeto referido, por ser um fato local, que se restringe à instituição de ensino mencionada pode não refletir a realidade de outros estudantes de outras instituições. Dessa forma, as limitações deste estudo se resumem ao tamanho quantitativo do grupo analisado e à limitação espacial da coleta.
CONCLUSÕES
O projeto de intervenção sobre prevenção ao suicídio e valorização da vida possibilitou aos estudantes conhecerem mais sobre o tema do suicídio e os fatores que o envolve. Além de ter aproximado a comunidade acadêmica para discussões, rodas de conversa, momentos de reflexão que circundou a temática. Portanto, o projeto foi proveitoso, importante e engrandecedor para os estudantes, trazendo um novo olhar sobre o tema, que ainda é tabu na sociedade brasileira, embora esteja se modificando no decorrer dos anos. Assim, chama-se a atenção para a importância do desenvolvimento de projetos direcionados à comunidade universitária que tenham integração com a rede de saúde e ao serviço de apoio estudantil das instituições de ensino, em vista da necessidade de discussão e reflexão sobre o tema.
Conflito de interesses: Os autores declaram que não há conflito de interesses.
REFERÊNCIAS