VOL. 11 Nº 1 ENERO – ABRIL 2020 BUCARAMANGA, COLOMBIA
E-ISSN: 2346-3414

Rev Cuid. 2020; 11(1): e927
http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.927

ARTÍCULO DE INVESTIGACIÓN

Representações sociais de mulheres em situação de violência doméstica sobre assistência jurídica

Social representations of women in domestic violence situations in legal assistance

Representaciones sociales de mujeres en situaciones de violencia doméstica en la asistencia jurídica

Iracema Costa Ribeiro Gomes1, Margaret Olinda de Souza Carvalho e Lira2, Vanda Palmarella Rodrigues3, Alba Benemérita Alves Vilela4

1Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (PPGES-UESB), Campus de Jequié. Programa de Pós Graduação em Enfermagem e Saúde. Bahia, Brasil. Autor de Correspondência. E-mail: iracemacrg@gmail.com  http://orcid.org/0000-0002-5493-0014
2Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF). Programa de Pós-Graduação em Ciência da Saúde e Biológicas. E-mail: olindalira@gmail.com http://orcid.org/0000-0003-0309-8499
3Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (PPGES-UESB), Campus de Jequié. Departamento de Saúde II e do Programa de Pós Graduação em Enfermagem e Saúde. Bahia, Brasil. E-mail: vprodrigues@uesb.edu.br http://orcid.org/0000-0002-5689-5910
4Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (PPGES-UESB), Campus de Jequié. Departamento de Saúde I e II e do Programa de Pós Graduação em Enfermagem e Saúde. Bahia, Brasil. E-mail: albavilela@gmail.com http://orcid.org/0000-0003-2110-1751

Histórico
Recibido: 6 de julio de 2019
Aceptado: 6 de noviembre de 2019

Como citar este artigo: Gomes ICR, Lira MOSC, Rodrigues VP, Vilela AB. Representações sociais de mulheres em situação de violência doméstica sobre assistência jurídica. Rev Cuid. 2020; 11(1): e927. http://dx.doi.org/10.15649/cuidarte.927

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Resumo

Introdução: O estudo analisou as representações sociais de mulheres em situação de violência doméstica sobre a assistência jurídica. Materiais e Métodos: Pesquisa qualitativa, fundamentada na abordagem estrutural da Teoria das Representações Sociais. Participaram 80 mulheres em situação de violência doméstica. A coleta de dados foi realizada no Núcleo de Apoio à Mulher e na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher situada em um município baiano. Os dados foram coletados por meio da Técnica de Associação Livre de Palavras e entrevista semiestruturada. Os dados obtidos da TALP foram analisados com auxílio do software Ensemble des programmes permettant l’analyse des évocations e os dados das entrevistas foram organizados com base na Técnica de Análise de Conteúdo. Resultados: A análise do corpus constituído pelas evocações das 80 mulheres proporcionou a obtenção de 400 palavras cuja ordem média de foi em torno de três, em uma escala de um a cinco. Discussão: As representações sociais das mulheres sobre a assistência jurídica evidenciam de um lado que o atendimento jurídico é lento, moroso, ruim e constrangedor frente às demandas de violência doméstica e de outro lado orientam, amparam, direcionam e dão suporte à mulher, apesar de a necessidade de ser mais efetivo e ágil. Conclusões: Urge a necessidade de reestruturação do sistema judiciário por meio de práticas mais acolhedoras, humanizadas e ágeis às demandas da mulher em situação de violência, de modo a superar as práticas burocráticas e androcêntricas que a vulnerabilizam.

Palavras chave: Violência Doméstica; Violência Contra a Mulher; Defensoria Pública; Enfermagem.


Abstract

Introduction: This study analyzed the social representations of women in domestic violence situations in legal assistance. Materials and Methods: A qualitative research was conducted based on the structural approach of the Social Representation Theory in which eighty women in domestic violence situations participated. Data collection was carried out at the Women's Support Center and the Specialized Office for Women's Assistance located in a municipality in Bahia. The data were collected through the free association technique and a semi-structured interview. The data obtained from the technique were analyzed using the software Ensemble des Programmes Permettant L'Analyse des Evocations and the interview data were organized using the content analysis method. Results: The analysis of the corpus based on the stories provided by 80 women produced 400 words whose average order was three on a scale of one to five. Discussion: The social representations of the women receiving legal assistance show, on the one hand, that legal assistance is slow, poor and embarrassing in relation to domestic violence lawsuits and, on the other hand, legal assistance guides, supports, directs and assists women, although it needs to be more effective and agile. Conclusions: It is necessary to restructure the judiciary through practices that are more welcoming, humanized and receptive to the demands of women in domestic violence situations to overcome the bureaucratic and androcentric practices that make them vulnerable.

Key words: Domestic Violence; Violence Against Women; Public Defender Legal Services; Nursing.


Resumen

Introducción: En el estudio se analizaron las representaciones sociales de las mujeres en situaciones de violencia doméstica que reciben asistencia jurídica. Materiales y Métodos: Investigación cualitativa basada en el enfoque estructural de la Teoría de la Representación Social en donde participaron ochenta mujeres en situaciones de violencia doméstica. La recolección de datos se realizó en el Centro de Apoyo a la Mujer y en la Oficina Especializada de Asistencia a la Mujer ubicada en un municipio de Bahía. Los datos se recopilaron a través de la técnica de asociación libre de palabras y una entrevista semiestructurada. Los datos obtenidos de TALP se analizaron utilizando el software Ensemble des programmes permettant l'analyse des évocations y los datos de la entrevista se organizaron siguiendo la técnica de análisis de contenido. Resultados: El análisis del corpus constituido a partir de los relatos de las 80 mujeres proporcionó 400 palabras cuyo orden promedio fue de tres en promedio en una escala de uno a cinco. Discusión: Las representaciones sociales de las mujeres que reciben asistencia legal muestran, por un lado, que la asistencia legal es lenta, pobre y embarazosa en relación con las demandas de violencia doméstica y, por otro lado, guía, apoya, dirige y da soporte a las mujeres, aunque la necesidad es que sea más efectiva y ágil. Conclusiones: Es necesario reestructurar el poder judicial mediante prácticas más acogedoras, humanizadas y receptivas a las demandas de las mujeres en situaciones de violencia para así superar las prácticas burocráticas y androcéntricas que las hacen vulnerables.

Palabras clave: Violencia Doméstica; Violencia Contra la Mujer; Defensoría Pública. Enfermería.


INTRODUÇÃO

A violência doméstica contra a mulher, de ocorrência corriqueira e de visibilidade mundial, é considerada um fenômeno complexo, de grave violação aos direitos humanos, revestida de diversas nuances, a depender do envolvimento dos sujeitos e do contexto em que estão inseridos. Tal violência extrapola o ambiente privado, impondo a obrigação do Estado, do Judiciário e da sociedade em criar estratégias legais a fim de dar uma resposta ao problema1.

Apesar da realização de convenções internacionais a exemplo da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e da própria Constituição Federal Brasileira de 1988 afirmar que homens e mulheres são iguais perante à lei em seu Artigo 5º, demonstrando que a dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental ao país em seu Artigo 1º2, a realidade é que no Brasil imperam legislações que ainda não conseguem dar respostas eficazes a alguns casos, frente à complexidade da violência doméstica contra a mulher3.

Apenas em 2006, foi criada a Lei 11.340, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha, que trouxe uma nova norma jurídica repleta de especificidades no tratamento da situação de violência doméstica, atribuindo à polícia e à justiça papéis desafiadores. No bojo dessa lei, foi criado o conceito de violência doméstica contra a mulher, a tipificação da mesma, e mecanismos de defesa, como a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e das Medidas Protetivas de Urgência4.
No entanto, apesar desse avanço na seara jurídica, resultado de demandas históricas dos movimentos de mulheres e feministas, inclusive a mudança da concepção de que a violência contra a mulher se caracterizava como crime de menor potencial ofensivo, é possível vislumbrar a complexidade que envolve a aplicação dos procedimentos da Lei Maria da Penha, principalmente em virtude do sistema judiciário brasileiro, por vezes se constituir como um dos segmentos mais resistentes a oferecer o amparo adequado à mulher em situação de violência doméstica5.

É evidente que em um universo jurídico androgênico, a lei supracitada, ao visar à proteção da mulher gera interpretações controversas, sendo de suma importância refletir que o gênero também se constitui através das práticas concretas de alguns juristas que, ao se utilizarem de raciocínios tecnicistas, acabam por invalidar dispositivos da Lei ou tratarem do caso de forma a não contemplar as necessidades da mulher, principalmente no que diz respeito à punição do agressor6.

Pesquisas realizadas no território brasileiro vêm a corroborar com essa premissa, demonstrando o repúdio das mulheres contra a violência perpetrada contra si e contra outrem, além do desejo de que a justiça seja cumprida de forma eficiente. Para 97% das entrevistadas pelo DataSenado, o agressor deve ser processado e 90% declara estar disposta a denunciar, caso presencie ato de agressão a outra mulher7.

No entanto, a atuação do Poder Judiciário convive com diversos problemas, principalmente com a morosidade na expedição das medidas protetivas e na tramitação dos processos, bem como a descrença na aplicação da Lei Maria da Penha. Segundo pesquisa divulgada pelo Instituto Patrícia Galvão8, metade da população considera que a forma como a Justiça pune não reduz a violência contra a mulher e apenas 24% já ouviu falar em Juizado de Violência Doméstica.

O objeto deste estudo são as representações sociais de mulheres em situação de violência doméstica sobre a assistência jurídica, fundamentado na abordagem estrutural da Teoria das Representações Sociais (TRS) que se propõe a identificar e analisar os processos que determinam interações sociais como conjuntos sociocognitivos, organizados e estruturados em dois subsistemas: um sistema central e um sistema periférico9.
Por sua vez, os estudos no campo das representações sociais relacionados com os diversos campos do saber, sobretudo em diversas disciplinas nas áreas da Psicologia Social, Educação, Serviço Social e Enfermagem, evidenciam a importância dessa teoria na construção e embasamento de trabalhos científicos emergentes. Trata-se de uma alternativa viável à compreensão dos processos e mecanismos pelos quais os sentidos do objeto de estudo são construídos pelos sujeitos em suas relações cotidianas, revelando o constructo da sua realidade na inserção do seu grupo de pertença10. Assim, esta abordagem parece ser particularmente útil para análise e compreensão da problemática investigada, considerando as conexões da violência doméstica contra a mulher estabelecidas na articulação intersetorial entre a área jurídica e a área da saúde.

Reportando-se à seara jurídica, as representações sociais de mulheres em situação de violência doméstica sobre a assistência jurídica se reveste de suma importância, pois contribuem para a construção de maneiras de pensar e de sentir partilhadas pelos membros de um grupo, que podem favorecer a ressignificação da prática jurídica, sobretudo em relação ao enfrentamento da violência doméstica pela mulher11.

A identificação sobre a assistência jurídica às mulheres em situação de violência doméstica pode evidenciar os componentes cognitivos e simbólicos construídos no cotidiano das relações pessoais. Deste modo, é necessário buscar uma compreensão mais apurada, no processo de trabalho da justiça, pois o modo como assistem e/ou atendem refletem comportamentos e atitudes dessas mulheres e dos grupos sociais, que de certa forma comprometem a saúde emocional da mulher e influenciam na (des) continuidade do enfrentamento da violência doméstica.

O objetivo deste estudo é analisar as representações sociais de mulheres em situação de violência doméstica sobre a assistência jurídica.

MATERIAIS E MÉTODOS

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, fundamentado na TRS. A TRS ganhou destaque nas pesquisas do campo da saúde, inclusive na área da enfermagem, ao proporcionar reflexões psicossociológicas sobre fenômenos sociais, assegurando que intervenções sejam realizadas quando necessário14. Nesse sentido, as representações sociais de mulheres em situação de violência doméstica sobre a assistência jurídica direcionam suas práticas de enfrentamento do fenômeno e podem apontar caminhos para a necessidade de modificações das práticas jurídicas.

O estudo foi realizado com 80 mulheres em situação de violência doméstica atendidas no Núcleo de Atendimento à Mulher (NAM) e na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM) situada em um município do interior da Bahia.

O NAM foi criado em abril de 2017, com o respaldo e apoio da Secretaria de Políticas para as Mulheres, vinculado ao Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) com a finalidade de contribuir, recepcionar e acolher mulheres em situação de violência doméstica. Estas são atendidas por uma equipe multiprofissional formada por psicólogo, assistente social e advogado; recebem orientação e têm suas demandas encaminhadas de acordo suas queixas e necessidades12.

A DEAM é uma unidade especializada da Polícia Civil que atua realizando ações de prevenção, proteção e investigação dos crimes de violência doméstica contra as mulheres. Sua equipe é formada por delegada titular, escrivã, agentes de investigação e auxiliares administrativos, tendo como principais atribuições: registro de Boletim de Ocorrência, solicitação ao juiz das medidas protetivas de urgência nos casos de violência doméstica e familiar contra as mulheres, realização da investigação dos crimes pautados na Lei 11.340/200613.

Inicialmente o NAM foi escolhido para a coleta de dados, entretanto, considerando a pequena demanda no serviço no período da realização da coleta, em virtude da mudança de localização, estrutura e do quadro de funcionários, procedeu-se ao deslocamento do campo para a DEAM, o que correspondeu a 12 mulheres no NAM e 68 mulheres na DEAM, totalizando 80 participantes, um número que as pesquisadoras julgaram pertinente ao processamento no software Evoc que realiza a análise prototípica, fornecendo auxílio para embasar o refinamento do entendimento sobre o funcionamento estrutural de uma representação social15.
Nessa perspectiva, a amostra do estudo foi estabelecida por conveniência, considerando a análise prototípica que tem finalidade exploratória e, certamente desaconselha a generalização estatística, por isso não deve ser pensada como uma técnica de análise estatística inferencial que requer uma amostra com tamanho mínimo para sua realização efetiva, mas sim como uma estratégia que pode ser utilizada para organizar dados com mais ou menos sucesso, conforme sua finalidade15.

Os critérios de inclusão das participantes do estudo foram: mulheres em situação de violência doméstica maiores de 18 anos que buscaram atendimento no NAM e prestaram queixa na DEAM e que estavam dispostas a participarem da pesquisa ao serem abordadas. Os critérios de exclusão foram: mulheres em situação de violência doméstica que procuravam os serviços apenas para obter informações gerais sem formalização de queixa.

A coleta de dados foi iniciada após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade Independente do Nordeste (FAINOR), sob o parecer nº 2.108 e CAEE 68229217.2.0000.5578 e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), conforme Resolução nº 466/201216 do Conselho Nacional de Saúde.

Os dados foram coletados entre os meses de julho e novembro de 2017 por meio por meio da Técnica de Associação Livre de Palavras (TALP) e da entrevista semiestruturada. A TALP foi realizada com 80 mulheres contendo uma questão aberta para que a associação livre de palavras pudesse fluir naturalmente: que palavras vêm à mente ao ouvir a expressão assistência jurídica? Foi solicitado que cada mulher falasse cinco palavras. Estas foram organizadas, seguindo uma hierarquia, de acordo com a ordem de importância atribuída pelas participantes.

Durante o período supracitado eram abordadas as mulheres que chegavam espontaneamente nos serviços, naquele momento era mostrada a importância do estudo e solicitada à participação, caso as interessassem. É importante salientar que houve duas recusas, pois as mulheres apresentavam ferimentos em diversas partes do corpo, em virtude de agressão física sofrida pelo agressor.

Os dados obtidos através da TALP foram tratados por meio do software Ensemble des programmes permettant l’analyse des évocations (EVOC)17, que realiza a análise prototípica, calculando para o conjunto do corpus a frequência de cada palavra evocada, a ordem média de evocação e frequência média de palavras, ou seja, o número de vezes que a palavra foi mencionada. Identificou-se assim a estrutura da representação social da assistência jurídica por mulheres em situação de violência doméstica, apontando elementos do núcleo central e do sistema periférico através do quadro de quatro casas.

Após a realização da TALP, 24 das 80 mulheres entrevistadas foram convidadas a participarem da entrevista semiestruturada em profundidade com o objetivo de corroborar e dar significância às evidências obtidas por meio da referida técnica, considerando a disponibilidade e a saturação empírica dos dados, partindo-se da questão: relate sua vivência em relação ao atendimento jurídico no enfrentamento à violência doméstica contra a mulher.

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas em um local privativo, pela autora principal do estudo, em uma sala fechada, apenas entrevistadora e entrevistada, proporcionando conforto e o sigilo necessário, com duração média de 40 minutos. No intuito de garantir o anonimato das mulheres, foram atribuídos nomes fictícios correspondentes a pedras preciosas.

A análise de Conteúdo Temática foi utilizada para tratamento das informações obtidas através da entrevista semiestruturada, no intuito de auxiliar a apreensão dos processos cognitivos inerentes às representações sociais de mulheres em situação de violência sobre a assistência jurídica.

Seguindo criteriosamente os passos da técnica de análise de conteúdo de Bardin, em sua ordem cronológica, procedemos a pré-análise, fase inicial, na qual foi realizada a leitura flutuante, representando o primeiro contato com as entrevistas após a transcrição em sua forma integral, o que permitiu tomar consciência do conteúdo das falas, das impressões, das vivências das participantes, contemplando o corpus composto por 24 entrevistas, a partir dos objetivos propostos18.

Na exploração do material, foram realizadas leituras exaustivas, operações de codificação das unidades de registro, considerando a ordem semântica das frases e parágrafos, na perspectiva de descobrir os núcleos de sentido advindos do material empírico cuja presença ou frequência de aparição tinham significado mediante o objetivo analítico escolhido18.

Em seguida, foi realizada a separação dos recortes em unidades de registro, considerando-se as harmonias e divergências, com os quais foi possível realizar a classificação e agregação dos dados em temas/categorias, foi construído o inventário com agrupamento de frases ou parágrafos que apresentavam unidades de significação pelas participantes, por representarem um conteúdo temático.

Posteriormente, ocorreu a classificação e agregação dos dados escolhendo os temas, as subcategorias e categorias empíricas, demonstradas a seguir no Quadro 1 e posteriormente, buscou-se relacioná-las aos termos que originaram o quadro de quatro casas.

Quadro 1. Categorização dos dados das entrevistas semiestruturadas, Jequié/BA, 2017

Fonte: Dados da pesquisa, 2017.

RESULTADOS

No que diz respeito à escolaridade das mulheres, 37 (46,25%) não eram alfabetizadas e/ou cursaram até ensino fundamental, 39 (48,75%) apresentavam ensino médio completo ao ensino superior e quatro (5%) delas eram pós-graduadas.

Das 80 mulheres entrevistadas, 38 delas pertenciam à faixa etária entre 19 e 40 anos, correspondendo a 47,5% desse universo; 33 estavam entre 41 a 61 anos, perfazendo um percentual de 41,25% e nove encontravam-se entre o intervalo de 62 a 75, representando 11,25 %.

Em relação ao vínculo empregatício tem-se que 26 (32,5%) mulheres eram empregadas, nove (11,25%) eram aposentadas, 32 (40%) desempregadas e/ou vivendo com auxílio do Programa Bolsa Família (auxílio financeiro fornecido pelo governo brasileiro às famílias de baixa renda), e 13 (16,25%) não apresentavam renda alguma, dependendo exclusivamente do companheiro e/ou familiares para o seu sustento.

Quanto à situação conjugal, 32 (40%) mulheres se diziam casadas, 38 (47,5%) eram solteiras, seis (7,5%) divorciadas, quatro (5%) conviviam em união consensual, Figura 1.

Figura 1. Representações sociais de mulheres em situação de violência doméstica sobre os serviços jurídicos. Jequié-BA, 2017

 Fonte: Dados da pesquisa, 2017.

A análise do corpus constituído pelas evocações das 80 mulheres proporcionou a obtenção de 400 palavras cuja ordem média de evocação (MOME = média das ordens de evocação) foi em torno de três, em uma escala de um a cinco. Em relação às frequências de evocação, o ponto de corte foi inferior ao valor cinco, participando da análise 345 termos, o que representa 86,25% das evocações realizadas.

Foram suprimidos 55 termos de baixa frequência, calculando-se em seguida a frequência média de evocação (345/11), obtendo assim, o valor aproximado do ponto de corte superior igual a 11. Salienta-se que foram evocadas 51 palavras distintas.

O quadro de quatro casas é formado pela distribuição das palavras evocadas, considerando os critérios de maiores frequências e ordens médias de evocação. Sabendo-se que, conceito, imagem e atitude são dimensões formadoras de uma representação social, analisa-se a presença dos mesmos no núcleo central desta representação, onde se situam os vocábulos de maior expressividade para os sujeitos19.

O núcleo central comporta-se como elemento mais estável da representação, podendo variar na natureza dos elementos periféricos10. Assim, o que emerge dessas evocações remete à reflexão de que as representações das mulheres exprimem a imagem da assistência jurídica. Os termos que compuseram o núcleo central caracterizam o sentido ontológico da representação e apontaram condições relacionais profundas que demonstram a percepção sobre o atendimento dispensado pela esfera jurídica a essas mulheres, gerando por vezes descontentamento com o serviço.

DISCUSSÃO

A partir dos resultados obtidos, de um total de 400 evocações, os termos atendimento, bom, constrangimento, lei, lento, orientação, resolutivo e ruim constituidores do núcleo central foram evocados 175 vezes (43,73%). O termo lento obteve a maior expressividade com 39 evocações (9,75%) denotando que as mulheres consideram o atendimento jurídico carregado de morosidade, o que certamente dificulta uma resposta rápida às suas demandas:

[...] O Ministério Público [...] Ave Maria!! Tudo, tudo muito difícil, uma demora horrorosa, chegar da raiva da gente procurar aquilo lá [...] (Esmeralda).

As grandes dificuldades existentes, especialmente a lentidão e as deficiências na aplicação da Justiça, causa uma insatisfação enorme com este serviço no país, incluindo as mulheres em situação de violência doméstica. Tal problema é tão corriqueiro proporcionando que inúmeras denúncias cheguem diariamente à Ouvidoria do Conselho Nacional de Justiça na tentativa de resolver a situação20.
De modo geral, a situação da morosidade da Justiça ocorre especialmente em decorrência do grande número de processos, poucos Juizados, escassa infraestrutura, número reduzido de profissionais, vigência de um padrão patriarcal na interpretação dos conflitos, problemas político-legais, como dificuldade do trabalho em rede, falta de visão da atividade jurídica integrada a um projeto maior de política pública, ausência de capacitação profissional, além da ausência de condições essenciais para o cumprimento da Lei Maria da Penha em sua totalidade21.

O vocábulo ruim mencionado 29 vezes, demonstra uma interpretação semântica reforçada pela centralidade da representação, revelando aspecto negativo que as mulheres têm da Justiça e da forma como são atendidas, justificando a procura para este serviço mais pela necessidade e/ou ausência de outro recurso do que pelo resultado que se espera. Infere-se que tal representação tem relação com os entraves vividos na seara jurídica identificados a seguir:

[...] eu acho atendimento [da Justiça] tudo muito ruim, não ajuda como deveria, mas a gente precisa [...] (Cristal).

A Defensoria Pública é ruim, muito demorado tem muitos agendamentos, muitas pessoas precisam daquele serviço e poucos profissionais para dar seguimento [...] (Kynite).

Os vocábulos atendimento, constrangimento e bom apresentaram a mesma frequência de evocação, totalizando 17 vezes. Percebe-se com as entrevistas, o anseio das mulheres em situação de violência doméstica por um atendimento mais humanizado, de escuta sensível, acolhedor, coerente com a urgência de suas necessidades, minorando assim o constrangimento revelado ao procurar o atendimento jurídico.

Contudo, apesar de demora do atendimento e do constrangimento apontado pelas mulheres sobre o atendimento jurídico, ocorre aqui um contraponto, no qual algumas mulheres classificam o serviço como bom. Acredita-se que isso se deve a pontuais experiências exitosas que obtiveram em seu atendimento, não sendo, no entanto uma ocorrência frequente, considerando o posicionamento da maioria.

[...] é um constrangimento procurar esse serviço, só de ir pra lá a gente já sente mal [...] (Turmalina).

[...] Acho que tudo deveria ser feito para evitar mais constrangimento para a mulher numa situação de violência [...](Cristal).

A humanização do atendimento é de extrema importância para que a mulher se sinta acolhida e consiga transmitir ou denunciar a situação de violência, evitando assim o constrangimento que imobiliza a coragem de romper com o ciclo de agressão. Um atendimento capaz de interpretar a violência sofrida como violação dos direitos humanos, favorece a busca pelo mesmo reduzindo a culpabilização da própria vítima22.

O termo lei apresentou 25 evocações (6,25%), a terceira posição em maior expressividade do núcleo central, denotando que as mulheres representam o atendimento jurídico como um instrumento de aplicação de leis, de amparo legal e resposta para os casos de violência doméstica contra a mulher. No entanto, observa-se com as falas seguintes que existe uma linha tênue entre aquilo que se vivencia e aquilo que se pratica pelo Judiciário:

A justiça está precária e a gente que é direita e trabalhadora fica muito à mercê dela. Poderia ajudar e cuidar mais da mulher acho que tudo ainda é muito pouco [...] (Esmeralda).

[...] Infelizmente não existe lei nesta terra [...] quem tem um conhecimentozinho [sic] é que leva vantagem [...](Granada).        

Sem a pretensão de negar o mérito da Lei 11.340/2006 e a necessidade de cumprimento dos mecanismos de combate à violência contra a mulher na seara jurídica, é de salutar importância refletir em respostas efetivas para driblar os obstáculos apontados na operacionalização da lei, quando incrustados para além da defesa e garantia dos direitos da mulher.  A questão da inefetividade da Lei Maria da Penha, tão exposta pelas mulheres em situação de violência não se refere ao rigor da parte criminal, mas sim da morosidade do poder público em relação à tramitação dos ditames legais para a sua completa aplicabilidade e eficácia23.

O vocábulo orientação apresentou uma frequência de evocação correspondente a 16 vezes, e permite inferir que as mulheres representam o atendimento jurídico como uma bússola, ou seja, um órgão que mostra o caminho, o rumo que devem seguir na luta contra a violência doméstica através de orientações esclarecedoras, de seus direitos e deveres.

[...] eles mostraram o caminho que eu deveria seguir no momento que estava sofrendo violência [...] (Turmalina).

[...] a gente recorre ao atendimento jurídico depois de ser violentada e agredida e lá que temos o norte, a direção e a orientação sobre como agir perante isso [...](Cristal).

Destarte, a orientação é uma das atribuições do sistema jurídico que, além disso, possui outras premissas: prestar assistência jurídica, orientação e encaminhamento às mulheres em situação de violência, além de defender aquelas que não possuem condições econômicas para contratação de advogado24.

O termo resolutivo foi mencionado 15 vezes, sendo o de menor frequência do núcleo central, denotando que poucas foram às mulheres que consideraram o atendimento jurídico célere ou que trouxe resolução para a situação de violência:

[...] tudo o que eles fazem eu acho que não resolve nada não, é só pergunta e conversa, ouvir e escrever e nada e, fica tudo por isso mesmo! (Ônix).

[...] eu fui tantas vezes que nem sei contar [...](Ágata).

É sabido que o Sistema Judiciário é um dos segmentos que apresenta maior dificuldade em proporcionar assistência adequada à mulher em situação de violência doméstica, desfavorecendo substancialmente a resolutividade dos casos, uma vez que neste ínterim convergem diversas questões das áreas civil e criminal, que para se fazer cumprir os direitos das mulheres em situação de violência necessita de uma especificidade de tratamento, muitas vezes não observada25.

No quadrante superior direito do quadro de quatro casas localizam-se as palavras que também apresentaram uma alta frequência, a saber: agendamento, apoio, justiça, proteção, todavia a posição média na ordem de evocação não foi suficiente para que integrassem o núcleo central, pertencendo ao sistema periférico, no entanto é um complemento indispensável ao sistema central, proporcionando aos sujeitos uma flexibilidade e adequação em função de suas experiências cotidianas, refletindo na diversidade imagética9 que tem da assistência jurídica, o que influencia no comportamento e atitude diferenciada das participantes do estudo, baseadas nas situações vividas.

O termo apoio apresentou a maior frequência de evocação nesse quadrante, sendo mencionado 25 vezes, demonstrando que o serviço jurídico é encarado como uma instância que proporciona certo amparo, suporte, resolução dos conflitos, no entanto é também idealizado como aquele serviço que deveria proporcionar uma assistência maior, uma resolução mais apurada dos casos, uma proteção imediata às vítimas, um sustentáculo que proporcionasse um encorajamento para saída do ciclo da violência, sem medo do que possa ocorrer, caso a justiça não cumpra os ditames da Lei em tempo hábil.

[...] O serviço é um apoio que nós temos, mas deveria ser melhor, pra garantir nossa defesa, para que a gente realmente tivesse a coragem para denunciar e não sofrer represálias depois, senão tudo que a gente fizer é em vão, se torna até arriscado denunciar e não ter a resposta da punição [...](Turmalina).

[...] mais penalidade para o homem, mais apoio para mulher, ter um apoio maior para a gente sair dessa vida de violência [...] (Jade).

Para que de fato se concretize o apoio de estruturas judiciárias específicas voltadas à assistência jurisdicional às mulheres em situação de violência, é emergente realizar uma análise acurada da aplicabilidade da Lei Maria da Penha no Poder Judiciário brasileiro, dos inquéritos, ações penais e medidas protetivas, além da efetividade dos recursos humanos e materiais disponíveis para dar seguimento aos procedimentos cabíveis26.

Observam-se ainda evocaçõesqueremetem a experiência das mulheres sobre o processo de trabalho do serviço jurídico ao mencionar a palavra agendamento, que ocorre em virtude da grande quantidade de casos a serem despachados na Justiça, sendo uma etapa que traz ansiedade e descrença às mulheres que recorrerem ao mesmo:

[...] o serviço jurídico poderia melhorar muito. É uma demora para resolver, a gente vai lá várias vezes, porque tem um agendamento e a gente tem que obedecer esse agendamento [...](Ônix).

A pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)27 em 2017 corrobora com a fala supracitada ao descrever que as vítimas revelam frustração com a demora em relação à tramitação do processo, considerado muito longo, incluído aí o agendamento como parte para o pontapé inicial do atendimento, proporcionando a revitimização dessas mulheres nessa trajetória, o que aumenta seu sofrimento e descrença em relação aos desdobramentos do ato de denúncia.

As palavras justiça e proteção ocorreram com a frequência 19 e 15 vezes, respectivamente e de acordo com os relatos das mulheres se referem às expectativas das mesmas ao buscarem atendimento jurídico, principalmente no que diz respeito à garantia de integridade física e punição do agressor:


[...] a gente vem buscar proteção nesses serviços [...] (Safira).
[...] acho que é uma proteção para a gente mulher ter esses serviços para evitar mais violência [...](Turmalina).

[...] atendimento que deveria ser mais acolhedor, mais sensível, têm poucas pessoas para resolver, mas pelo menos temos para quem apelar [...] (Turmalina).

Os termos descaso, segurança e respeito aparecem numa mesma frequência com cinco menções cada, muito próximo ao ponto de corte, demonstrando que poucas mulheres representam o serviço jurídico como respeitoso e proporcionador de segurança, o que faz despontar uma sensação de descaso com a situação de violência vivenciada:

[...] as que têm condições tudo bem, pode procurar um advogado particular, mas e gente como eu? Quatro filhos, o marido violento, que vive de bicos, eu empregada doméstica. Um descaso com nós pobres [...] (Esmeralda).

Tais atitudes vivenciadas por mulheres em situação de violência faz alusão à inércia da aplicabilidade da Lei específica criada para ampará-las juridicamente e da maneira como ainda tem sido ministrada diariamente por alguns magistrados, que na maioria das vezes impregnados da visão androcêntrica do direito, ainda se baseiam no pouco reconhecimento da violência doméstica como uma violação de direitos humanos, passível de toda intervenção, rigor de apuração e respeito às mulheres que em geral, se expõem ao buscar seus direitos30.

O termo rápido teve maior expressividade do quadrante inferior esquerdo, com 10 evocações, demonstrando que algumas mulheres consideraram o serviço ágil, certamente baseado em boas experiências com o atendimento. No entanto, contrariamente observou-se nas entrevistas que muitas mulheres anseiam por mais agilidade no atendimento jurídico e dos trâmites legais:

[...] poderia ser mais rápido no caso de violência contra a mulher, pois estou correndo risco de vida, podia ter articulação melhor para as mulheres [...] (Granada).

[...] deveria ser mais evoluído no sentido de ser mais rápido, para combater mais ligeiro, para dar um basta na violência realmente [...](Cristal).

Percebe-se que o vocábulo medo é evocado denotando que as mulheres têm receio de acionar o serviço jurídico, considerando o constrangimento de tornar pública a violência e de não ter um atendimento adequado, além da incerteza do desfecho da denúncia, da punição do agressor, da demora na instauração do processo.

[...] a gente tem medo de dar queixa, de se expor e o medo do depois, do que vai ocorrer depois [...] (Kynite).

No que diz respeito à manutenção da representação contra o agressor, diversos são os elementos que também convergem para que a vítima tenha medo de realizá-la perante a Justiça, dentre elas, podemos destacar: as pressões sociais e familiares, vulnerabilidade, as emoções trazidas pelas consequências de um processo, as incertezas econômicas e o descrédito do serviço jurídico decorrente da morosidade e das possíveis interpretações dos juízes31.

O quadrante inferior direito é formado pelas evocações menos expressivas da representação, oscilando e demonstrando visivelmente as suas transformações, a saber: correto, humano, ineficaz, lotado, necessidade, ordem, paz e punição. Ressalta-se que todos os termos estão ancorados na representação acerca do serviço jurídico, trazendo significância à forma do atendimento dispensado e às consequências do mesmo através do encontro com a realidade das participantes, de suas compreensões e suas experiências que envolvem o assistir na esfera jurídica.

O termo punição foi o mais evocado por 10 mulheres e representou a maior evocação do quadrante. Tal situação traz à tona a expectativa que a mulher em situação de violência tem do desfecho para o agressor ao procurar a Justiça, no entanto, considerando o universo entrevistado, esse número é inexpressivo, demonstrando que são poucas mulheres que realmente anseiam uma sentença punitiva, e geralmente a motivação para isso é a relação insustentável, marcada por violências diversas impossíveis de restabelecer através do diálogo ou acordos de convivência:

[...] eu vim buscar punição também, ah eu quero que o meu marido aprenda a respeitar a mulher, e quero que seja punido pelo que fez não só comigo, mas com a mãe também e as irmãs [...] (Ágata).

Os termos correto e humano fazem alusão à maneira como a mulher em situação de violência doméstica representa aquilo que seria um atendimento adequado do serviço jurídico. Evidencia-se o quanto é fundamental para as mulheres que o atendimento seja respeitoso, atencioso, humanizado, não-julgador, sem preconceito para que se sintam à vontade para denunciar a violência sofrida e assim deixar de ser vítima desse fenômeno32:

[...] acho que eles deveriam se articular melhor, não que não sejam, mas deveriam ser mais organizado, oferecer um atendimento mais humano para a gente que já está com o psicológico muito abalado por conta do sofrimento gerado pela situação em casa [...] (Cristal).

Os vocábulos ineficaz e lotado apresentaram frequência de evocação aproximada, nove e sete vezes, respectivamente. Esses elementos destacaram-se nas entrevistas cujas falas sinalizam para uma avaliação negativa do serviço jurídico, que é notadamente marcado pela morosidade, pela quantidade reduzida de recursos materiais e humanos, empilhamento de processos, que favorecem a inércia e a dificuldade na aplicabilidade da Lei Maria da Penha, desestimulando a busca pela Justiça21.

As evocações de ordem e paz enunciadas pelas participantes do estudo estão relacionadas com a expectativa de obterem uma vida mais tranquila, a resolução dos conflitos e o fim da violência vivida ao buscar o atendimento jurídico como resposta contra o agressor. A pequena frequência de aparição desses termos remete empiricamente a descrença da maioria das mulheres na melhora de sua condição ao buscar amparo legal na Justiça por diversas razões já representadas de forma negativa:

[...] agora eu quero que façam uma ação forte sobre ele, para que ele possa se intimidar mais e me deixar em paz [...] (Rubi).

Em função dos entraves do Judiciário, no que diz respeito à morosidade dos processos, da falta de agilidade e efetividade na resolução dos conflitos, muito debatido pela mídia nos últimos tempos, foi estabelecida a proposta de reforma e modernização do mesmo, a fim de tornar os processos judiciais mais rápidos33.

Dessa forma, como potente encaminhamento de mudança na conjuntura estrutural do sistema de justiça, propõe-se uma estrutura menos burocrática, capacitação dos profissionais para uma atuação menos androgênica, com mais equidade, de modo a assegurar à mulher a garantia dos direitos humanos e continuidade do enfrentamento/ rompimento da situação de violência.

CONCLUSÕES

As representações sociais das mulheres em situação de violência doméstica participantes do estudo sobre a assistência jurídica evidenciaram uma estrutura organizacional burocratizada e engessada que direciona ao atendimento jurídico lento, moroso, ruim e constrangedor frente às demandas apresentadas ao serviço. Por sua vez, algumas mulheres destacaram que a assistência jurídica possibilita orientação, amparo, direção e suporte à mulher em vivência de violência, apesar de a necessidade de mais efetividade e agilidade na tramitação dos processos e um tratamento mais acolhedor e humanizado por parte de alguns profissionais que integram o serviço.

Este estudo apresenta algumas limitações e por basear-se em autorrelato, ficou clara em alguns momentos, a dificuldade das mulheres em situação de violência doméstica em explanar com mais detalhes as questões que envolviam o atendimento jurídico, sendo necessário um esforço maior na inquirição das mesmas. Acredita-se também que o local da maioria das entrevistas, a DEAM, pode ter causado certa intimidação às participantes, por se tratar de uma delegacia de polícia, mesmo que tudo fora feito para que se sentissem confortáveis durante a entrevista.

Considera-se que os resultados desse estudo têm importância na medida em que favorece a identificação de elementos que demonstram a complexidade e/ou dificuldades que permeiam o binômio - violência doméstica contra a mulher versus sistema judiciário -, à luz da experiência vivenciada pela mulher nesse serviço. Assim, pode-se pensar num atendimento jurídico diferenciado, que atenda às complexas demandas de mulheres em situação de violência doméstica de forma mais ágil, humana e menos patriarcal, de modo a respeitar as diversas especificidades desta problemática e assegurar a continuidade de rompimento da situação de violência pela mulher.

Conflito de interesses: Os autores declaram que não houve conflitos de interesse.

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