Rev Cuid. 2024; 15(2): e2841
Resumo
Introdução: A esclerose múltipla afeta de forma bastante significativa a qualidade de vida das pessoas portadoras da doença. Objetivo: Aavaliar a qualidade de vida da pessoa com esclerose múltipla e analisar a associação com variáveis sociodemográficas clínicas e funcionais. Materiais e Métodos: Estudo observacional, transversal, descritivo-correlacional e de cariz quantitativo que utilizou uma amostra do tipo não probabilístico por conveniência, constituída por 70 doentes com esclerose múltipla, inscritas na Associação de Esclerose Múltipla da Região Centro de Portugal. O protocolo de recolha de dados continha questões sociodemográficas, clinicas, a Escala de Apgar familiar e o Índice de Barthel. Foi utilizada estatística descritiva e inferencial no tratamento de dados e a colheita foi efetuada entre abril e julho de 2021. Resultados: A maioria dos participantes apresenta qualidade de vida global moderada (M=51,78 ± 24,09), com scores mais elevados nos domínios relações sociais e ambiente e mais baixos no domínio físico. A melhor qualidade de vida estava associada, a idade inferior a 45anos, habilitações literárias superiores, famílias funcionais e maior independência funcional nas atividades de vida diária. Discussão: As variáveis com associação mais robusta são as que influenciam o domínio físico e o domínio social que explicam, no seu total, 59,00% e 53,00% da sua variabilidade. Conclusões: Estes resultados indicam que as pessoas com esclerose múltipla apresentam uma qualidade de vida comprometida, fortalecendo a necessidade de implementar novas estratégias de diagnóstico precoce e intervenções preventivas eficazes, potenciadoras de melhor qualidade de vida, em todos os domínios que a constituem.
Palavras-Chave: Esclerose Múltipla; Qualidade de Vida; Pacientes; Doenças Desmielinizantes; Sistema Nervoso Central.
Abstract
Introduction: Multiple sclerosis significantly affects the quality of life of those suffering from this specific condition. Objective: To assess the quality of life of people with multiple sclerosis and analyse the correlation between the disease and its associated effects and different sociodemographic, clinical, and functional variables. Materials and Methods: An observational, cross-sectional, descriptive-correlational and quantitative study conducted using a non-probabilistic convenience sample composed of 70 patients suffering from multiple sclerosis registered with the Multiple Sclerosis Association of the Central Region of Portugal. The data collection protocol included sociodemographic and clinical questions, the Family Apgar Scale, and the Barthel Index. Descriptive and inferential statistics were used to process the data. Data collection took place between April and July 2021. Results: The majority of participants reported a moderate overall quality of life (M=51,78 ± 24,09). Higher scores were observed in the social relationships and environmental health domains, while lower scores were recorded for the physical domain. Better quality of life was found to be positively associated with being under 45 years old, having higher educational qualifications, living in functional families, and experiencing greater functional independence in activities of daily living. Discussion: The variables with the strongest association were those capable of influencing the physical and social domains. Those variables explained 59.00% and 53.00% of the variability. Conclusions: These results indicate that people with multiple sclerosis have a compromised quality of life, highlighting the need for new strategies focusing on early diagnosis and effective preventive interventions meant to improve quality of life across all its domains.
Key Words: Multiple Sclerosis; Quality of Life; Patients; Demyelinating Diseases; Central Nervous System.
Resumen
Introducción: La esclerosis múltiple afecta significativamente la calidad de vida de las personas que padecen la enfermedad. Objetivo: Evaluar la calidad de vida de personas con esclerosis múltiple y analizar la asociación con variables sociodemográficas clínicas y funcionales. Materiales y Métodos: Estudio observacional, transversal, descriptivo-correlacional y cuantitativo que utilizó una muestra no probabilística por conveniencia, compuesta por 70 pacientes con esclerosis múltiple, registrados en la Asociación de Esclerosis Múltiple de la Región Central de Portugal. El protocolo de recolección de datos contuvo preguntas sociodemográficas y clínicas, la Escala de Apgar familiar y el Índice de Barthel. En el procesamiento de los datos se utilizó estadística descriptiva e inferencial y la recolección se realizó entre abril y julio de 2021. Resultados: La mayoría de los participantes presentan una calidad de vida general moderada (M=51,78 ± 24,09), con puntuaciones más altas en las relaciones sociales y dominios ambientales y menores en el dominio físico. Una mejor calidad de vida se asoció con una edad inferior a 45 años, mayor nivel educativo, familias funcionales y mayor independencia funcional en las actividades de la vida diaria. Discusión: Las variables con asociación más robusta son las que influyen en el dominio físico y en el dominio social, que explican, en total, el 59,00% y el 53,00% de su variabilidad. Conclusiones: Estos resultados indican que las personas con esclerosis múltiple tienen una calidad de vida comprometida, fortaleciendo la necesidad de implementar nuevas estrategias de diagnóstico precoz e intervenciones preventivas efectivas, potenciando una mejor calidad de vida, en todos los ámbitos que la constituyen.
Palabras Clave: Esclerosis Múltiple; Calidad de Vida; Pacientes; Enfermedades Desmielinizantes; Sistema Nervioso Central.
Introdução
A esclerose múltipla (EM) é uma doença autoimune, inflamatória e degenerativa, que afeta o Sistema Nervoso Central1. Trata-se de uma doença crónica, desmielinizante, progressiva e incapacitante, com evolução imprevisível, que afeta negativamente o bem-estar e a qualidade de vida (QV) dos seus portadores. Altera particularmente a mielina, que é uma bainha que rodeia, alimenta, protege e isola eletricamente as extensões dos neurónios, permitindo a rápida transmissão dos impulsos nervosos2,3.
A EM é considerada a causa não traumática mais frequente de incapacidade no adulto jovem, entre os 20 e os 40 anos, com maior incidência nas mulheres, numa relação de 2,3:1. A EM surto-remissão, é mais frequente nas mulheres, porém a forma Primária Progressiva (EMPP) tem apresentado uma prevalência idêntica quer em homens quer em mulheres4-7. Uma dúvida frequentemente colocada, está relacionada com a hereditariedade, porém de acordo com o neurologista Filipe Palavra8, o risco de uma pessoa desenvolver esta doença em Portugal sobe de 0,3%, na população geral, para 1,5 a 3% se um dos pais tiver sido acometido pela doença. Ainda assim, o risco genético máximo atualmente conhecido ronda os 30% (em gémeos monozigóticos), o que deixa 70% dos determinantes de risco para fatores ambientais e/ou de natureza variada9,10.
Sendo uma doença crónica, a EM implica uma reestruturação e adaptação a novas formas de vida, uma vez que a pessoa e familiares têm que aprender a gerir a nova situação. Esta adaptação depende de um conjunto alargado de fatores, que abrangem características individuais, valores, crenças, ambiente cultural, aceitação e expectativas de vida11. Além disso, a ocorrência da doença (sobretudo numa fase precoce da vida) tem forte impacto nos projetos futuros, na educação, nas relações sociais, casamento, vida familiar e profissional. Assim, neste processo dinâmico, a doença de um dos membros vai converter-se numa doença familiar, afetando a QV global de toda a família12.
A QV é um conceito multidimensional e subjetivo, definida pela OMS, como a perceção que o indivíduo tem sobre a sua posição na vida, considerando o contexto da sua cultura e de acordo com os sistemas de valores da sociedade em que vive, bem como em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações3 .Trata-se de um conceito amplo que justifica a complexidade do constructo, interrelacionando o meio ambiente com aspetos físicos, psicológicos, nível de independência, relações sociais e crenças pessoais. O interesse pela QV nas pessoas com EM em Portugal é relativamente recente, uma vez que durante anos o impacto desta doença era limitado à avaliação da incapacidade e da deficiência causada. O conhecimento construído na prática diária dos enfermeiros, demonstra que o diagnóstico de EM não pode ser impedimento para o doente viver com qualidade de vida. Por outro lado, as condicionantes da doença também não deverão diminuir a pessoa enquanto ser humano, cidadão, familiar, amigo ou profissional13.
A Federação Internacional da Esclerose Múltipla (FIEM), definiu sete princípios para melhorar a qualidade de vida, que vão desde: a capacitação, e independência do doente às decisões que afetam as suas vidas; acesso a tratamentos e cuidados abrangentes e eficazes; apoio à rede de familiares, amigos, entes queridos e cuidadores voluntários; oportunidades de trabalho, voluntariado, educação e lazer acessíveis e flexíveis; acessibilidade nos espaços públicos e privados e a meios tecnológicos e transporte adaptado; recursos financeiros para satisfazer a evolução das necessidades e os custos de viver com EM; atitudes, políticas e práticas de apoio que promovam a igualdade e desafiem o estigma e a discriminação14,15.
Deste modo, e considerando os pressupostos descritos e os desafios colocados pela OMS, Direção Geral de Saúde (DGS) e Associação Portuguesa de Esclerose Múltipla (APEM) no sentido de minimizar as consequências da EM e promover o bem –estar e qualidade de vida do doente, desenvolveu-se este estudo, cujo objetivo consiste em avaliar a qualidade de vida da pessoa com EM e analisar associações com variáveis sociodemográficas e clínicas.
Materiais e Métodos
Conceptualizou-se um estudo transversal, descritivo/relacional de cariz quantitativo. A amostra não probabilística por conveniência foi constituída por 70 doentes com EM comprovada e inscritos na Associação de Esclerose Múltipla da Região Centro de Portugal. A elegibilidade dos participantes emergiu dos seguintes critérios de inclusão: possuir 18 e mais anos de idade, diagnóstico da doença estabelecido, período temporal da doença com um mínimo de 3 anos. Constituíram fatores de exclusão, pessoas com demência ou em surto ativo e com outras doenças degenerativas associadas. Como Instrumento de colheita de dados (ICD) foi utilizado um questionário, constituído por 3 secções: uma primeira, de cariz sociodemográfico (idade, género, estado civil, habilitações académicas, coabitação, zona de residência e situação profissional) ; uma segunda com questões de carater clínico (idade com que foi feito diagnóstico, sintomas no inicio da doença, sintomas atuais, tempo decorrido desde a última crise e outras doenças associadas) e uma terceira composta por três escalas já testadas e validadas para a população Portuguesa: a Escala de APGAR Familiar16, Índice de Barthel17 e o WHOQOL-BREF18.
A Escala de APGAR Familiar é um instrumento constituído por cinco questões fechadas de escolha única que quantificam a perceção que o indivíduo tem do funcionamento da sua família. A pontuação global da escala obtém-se pela soma da pontuação atribuída a cada uma das questões e varia entre zero (0) e dez (10) pontos e quanto maior a cotação maior funcionalidade familiar. O Índice de Barthel é uma escala que avalia o nível de independência do sujeito para a realização de 10 atividades básicas de vida: comer, higiene pessoal, uso dos sanitários, tomar banho, vestir e despir, controlo de esfíncteres, deambular, transferência da cadeira para a cama, subir e descer escadas. A pontuação da escala varia entre 0 e 100 pontos e quanto menor for a pontuação maior é o grau de dependência verificado. O WHOQOL-BREF é uma escala constituída por 26 questões, sendo duas mais gerais, relativas à perceção geral da de saúde e da Qualidade de Vida. As perguntas que compõem o instrumento foram formuladas de acordo com metodologia específica da OMS, e estão organizadas em escalas de resposta de tipo Likert, com cinco níveis de resposta. Está organizado em quatro domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente., Varia entre 0 e 100 pontos, com ponto de corte de 50 pontos e a resultados mais elevados(>50) correspondem a uma melhor (QV)e inferiores a 50, menor QV.
A colheita de dados foi efetuada entre abril e julho de 2021. Antes de se proceder à recolha dos dados foi solicitada aos participantes a colaboração voluntária e esclarecida no estudo com assinatura do consentimento informado. Foi fornecida informação acerca dos objetivos da investigação, (no dia da vinda à consulta) assegurada a confidencialidade das respostas e juízos clínicos formulados, cumprindo os princípios éticos e legais inscritos na Declaração de Helsínquia. Além disso o estudo teve parecer favorável pela Comissão de Ética para a Saúde através do despacho Nº 09/2021.
O tratamento de dados foi efetuado recorrendo ao programa Statistical Package for the Social Science (IBM® SPSS® Statistics) – versão 25 e ao módulo do SPSS Analysis of Moment Structures (IBM® SPSS® Amos). Foram utilizados testes não paramétricos ( nas variáveis de distribuição não normal) e testes paramétricos (nas variáveis de distribuição normal, com estimação de pelo menos um parâmetro e níveis de intervalo ou de proporção), de acordo com os parâmetros métricos e de normalidade exigíveis para a sua aplicação. Assim foram utilizados: Testes t de Student, testes Qui –quadrado, Resíduos Ajustados, testes de U-Mann Whitney (UMW), teste de Kruskall Wallis e regressões lineares (múltiplas e univariadas). Como complemento e dado que se testou a igualdade de mais de duas médias, recorreu-se aos testes post hoc para determinar as que se diferenciam entre si. Nos testes estatísticos foram considerados intervalos de confiança de 95% e/ou níveis de significância de 5%. Os dados do estudo estão armazenados no Mendeley Data19.
Resultados
Os participantes, apresentavam idades compreendidas entre os 18 e os 71 anos, com uma média de 49,80 anos (± 12,77) pertencendo maioritariamente ao género feminino (68,62%). Maioritariamente (51,38%) são casados ou vivem em união de facto (com companheiro) e possuem como habilitação académica o 3º ciclo do ensino básico (54,30%). Em termos co habitacionais 57,14 % integra famílias do tipo nuclear, residindo maioritariamente (68,62%) em meio urbano (cf. Tabela 1).
Tabela 1. Estatísticas relativas à idade segundo o género
X
Tabela 1. Estatísticas relativas à idade segundo o género
Variable |
Total (70) |
Masculino (22) |
Femenino (48) |
p-valor |
Estado civil |
|
|
|
0,075 |
Sem companheiro(a) |
48,62(34) |
72,71(16) |
37,51(18) |
|
Com companheiro(a) |
51,38(36) |
27,33(6) |
62,50(30) |
|
Escolaridade |
|
|
|
0,200 |
3.º Ciclo do ensino básico |
54,30(38) |
63,60(14) |
50,00(24) |
|
Ensino secundário |
17,18(12) |
27,31(6) |
12,51(6) |
|
Superior |
28,52(20) |
9,12(2) |
37,50(18) |
|
Coabitação |
|
|
|
0,061 |
Família nuclear |
57,14(40) |
36,45(8) |
66,73(32) |
|
Família alargada |
31,45(22) |
36,41(8) |
29,26(14) |
|
Outros |
11,41(8) |
27,32(6) |
4,21(2) |
|
Zona de residência |
|
|
|
0,263 |
Urbana |
68,62(48) |
54,51(12) |
75,00(36) |
|
Rural |
31,38(22) |
45,50(10) |
25,00(12) |
|
p-valor: Teste exato de Fisher
Profissionalmente pode constatar-se que a maioria dos participantes (80,00%) se encontrava em situação de inatividade profissional, sendo 83,30% do género feminino e 72,71% do género masculino.
Os dados relativas à perceção dos participantes sobre a funcionalidade familiar (scores 0-10) mostram que, para a amostra total a média é de (M=6,29± 3,13) sendo estes valores mais elevados nas mulheres (M=6,89± 2,89) do que nos homens (M=5,45± 3,58). Em termos classificativos observou.se que 57,13% perceciona famílias disfuncionais e 42,90% famílias funcionais.
Já os dados clínicos revelam que o diagnóstico de EM foi realizado em média aos 32,29 anos (±10,43) de idade para a maioria dos participantes, com sintomas iniciais variáveis, que vão desde a perda de equilíbrio e dificuldade em coordenar os movimentos (62,93%), fadiga (54,31%), alterações de visão (48,61%), humor/estado de ânimo (45,74%), e espasticidade (25,72%). Já no momento da colheita de dados referiram como sintomas mais prevalentes a fadiga (80,00%), a dor (71,40%), a perda de equilíbrio (68,62%), dificuldade de concentração e aprendizagem, (51,41%) problemas urinários, (42,90%) espasticidade (40,00%) e problemas intestinais e sexuais (34,32%) com o mesmo valor percentual. Quanto ao surgimento das crises observou-se que para 54,31% dos participantes estas ocorreram há ± 2 anos, tendo os restantes 45,73% referido períodos superiores a 2 anos. Verificou-se ainda que muitos destes doentes apresentavam outras patologias associadas como osteoporose (11,41%) doença cardiovascular (5,72%) doença respiratória (3,95%) e patologia renal (2,91%).
A análise da capacidade funcional para a realização das atividades básicas de vida diária, revelou que 22,91% dos participantes eram dependentes para as mesmas, 31,40% era semi-dependente e 45,71% totalmente independente. Necessitavam de ajuda total/parcial em atividades como banho, subir ou descer escadas, nas transferências e deambulação. A dependência era ainda maior nos sujeitos do género masculino quando comparados com os do género feminino, porem as diferenças estatísticas não eram significativas (p>0,05).
Relativamente aos programas de reabilitação instituídos, pretendia-se conhecer o nível de envolvimento do enfermeiro especialista em reabilitação no processo: assim constatou-se que apenas 34,32% dos pacientes com EM foram acompanhados por estes profissionais, sendo os restantes 65,78% acompanhados por outros. Os participantes acompanhados pelos EEER avaliam as suas intervenções como muito importantes na promoção da sua QV (66,73%), destacando-se as opiniões dos elementos do género feminino. Acrescentam ainda (66,73%), que a intervenção do EEER se diferencia da de outros profissionais, pela perspetiva holística que imprimem nas suas atuações.
Os resultados relativos à perceção global da QV apresentada pelos participantes (cf. Tabela 2), mostra ser do tipo moderado (M=51,78 ± 24,09) numa escala de 0-100 pontos. A observação dos diferentes domínios, revela ser negativa no caso dos domínios físico (M=49,59±14,48) e psicológico (M=44,88±13,78), enquanto que os valores médios mais elevados se encontram associados aos domínios das relações sociais (M=55,47±15,64) e do ambiente (M=53,48±11,66).
Tabela 2. Estatísticas relativas à QV
X
Tabela 2. Estatísticas relativas à QV
Qualidade de Vida |
Min |
Max |
M ± DP |
Domínio físico |
17,86 |
75,00 |
49,59 ± 14,48 |
Domínio psicológico |
12,50 |
79,17 |
44,88 ± 13,78 |
Domínio das relações sociais |
25,00 |
83,33 |
55,47 ± 15,64 |
Domínio ambiente |
25,00 |
78,13 |
53,48 ± 11,66 |
Perceção global da QV |
12,50 |
100,00 |
51,78 ± 24,09 |
M-Média, DP-Desvio Padrão
Os resultados relativos à verificação da associação entre variáveis, são seguidamente apresentados, porém selecionadas apenas as variáveis em que foram encontradas diferenças estatísticas significativas (p<0,05). Assim, observou-se que os participantes com idade inferior a 45 anos apresentaram melhor QV apenas nos domínios físico (Z = 20.500 p=0,000) e relações sociais (U =74.000 p=0,024); a escolaridade (ensino superior) está também associada a uma melhor QV nos domínios, físico (χ²=11,122 p<0,033) e ambiente (χ²=7,757 p<0,021); de modo similar os paciente que percecionam família funcionais apresentaram melhor QV nos domínios das relações sociais (χ²=86.000 p<0,031); ambiente (χ²=51.500 p<0,001) e QV global (χ²=63.500 p<0,003). De forma análoga, os participantes mais independentes na realização das atividades de vida diária apresentaram melhor QV nos domínios físico (Z = 48.500 p = 0,001), psicológico Z = 81.000 p = 0,020) e relações sociais (Z = 85.000 p = 0,029); períodos temporais da ultima crise, inferiores a 2 anos associam-se a melhor QV mas neste caso apenas no domínio físico (t = 3,686 p = 0,012). Nas restantes variáveis (género, estado civil, situação profissional, co-habitação, área de residência, idade com que foi estabelecido o diagnóstico e o acompanhamento pelo EEER) foram encontradas ligeiras diferenças nos valores das médias, porém sem diferenças estatísticas significativas (p>0,05).
Para avaliar variáveis preditivas na QV destes participantes foi realizada uma regressão linear multivariada através método de estimação “stepwise”. O modelo final ajustado (refinado) apresenta-se na Figura 1, e numa análise sumária do modelo constatou-se que as variáveis com maior peso de associação são as que influenciam o domínio físico e o domínio social explicando no seu total, 59% e 53,0% respetivamente da variabilidade. Observando a especificidade das variáveis constatou-se, que as que apresentavam menor associação, são a idade (numa relação inversa) e o período temporal da ocorrência da última crise, enquanto as de maior associação são as perceções positivas sobre a funcionalidade familiar e o maior desempenho nas AVDs.
Discussão
As características sociodemográficas dos participantes estão alinhadas com as de outros estudos realizados recentemente em populações alvo semelhantes1,4,6. Trata-se de uma amostra maioritariamente composta por doentes do género feminino, com média de idade de 49,80 anos, com estado civil casados e com o terceiro ciclo de escolaridade como habilitação académica6. Observou-se ainda que a maioria integra famílias do tipo nuclear, residindo sobretudo em meio urbano. Profissionalmente, oitenta por cento dos participantes encontrava-se em situação de inatividade profissional, com incidência nos elementos do género feminino. Estes dados, confirmam parcialmente a correlação expectável com os dados estatísticos publicitados em Portugal pelo Instituto Nacional de Estatística6. Direção Geral de Saúde4, e Associação Portuguesa de Esclerose Múltipla1.
Para Martins et all20, as reações da família perante situações de doença crónica contribuem diretamente para a qualidade de vida da pessoa doente, tanto no sentido positivo quer negativo. Acrescentam, que tudo depende das condições estruturais e psíquico-emocionais de aceitar essa nova realidade e da forma como é percecionada a funcionalidade do sistema familiar20 . Esta última variável dividiu os inquiridos, uma vez que neste estudo 42,90% dos participantes perceciona as famílias como sendo funcionais, e 57,10% como disfuncionais. Esta circunstancia como refere Lysandropoulos et all21. pode vir a ser extremamente prejudicial a quem tem EM, pelo facto de afetar diretamente, aspetos importantes e essenciais á vida das pessoas, como, por exemplo, a autoestima, o senso de capacidade em dar conta da própria vida e de todas as atividades com ela relacionadas21.
O perfil clínico da amostra, caracteriza-se pela existência de diagnóstico de EM, realizado em média aos 32,29 anos de idade, com sintomas iniciais variáveis, desde a perda de equilíbrio e dificuldade em coordenar os movimentos, fadiga, alterações de visão, humor/estado de ânimo e espasticidade. Contudo, numa avaliação longitudinal da doença, a ordem de surgimento dos sintomas altera-se, sendo mais prevalentes: a fadiga, a dor, a perda de equilíbrio, dificuldade de concentração e aprendizagem, problemas urinários, espasticidade e problemas e sexuais. A ocorrência das crises para a maioria, ocorreu há dois e mais anos, existindo concomitantemente patologias associadas com destaque para a osteoporose, doença cardiovascular, doença respiratória e patologia renal. Estes dados demonstram alinhamento com os de Lysandropoulos et all21, Manjaly et al.22 e Santos23, onde o papel de enfermeiro de reabilitação se torna crucial, tanto na dimensão preventiva de complicações como no controle da funcionalidade respiratória.
A análise da capacidade funcional para a realização das atividades básicas de vida diária, revelou estádios e situações claramente diferenciadas: observou-se que a maioria dos participantes apresentava algum grau de dependência (total ou parcial) para a realização das mesmas, necessitando de ajuda sobretudo em atividades como banho, subir ou descer escadas, transferências, deambulação e marcha. Constatou-se ainda que os níveis de dependência eram superiores nos sujeitos do género masculino quando comparados com os do género feminino.
Estes resultados corroboram em grande parte os referenciados em outros estudos23,24, remetendo-nos para a importância da implementação de programas de enfermagem de reabilitação cujo alvo das intervenções se centra essencialmente na otimização: otimização no autocuidado nas AVD, e nas AIVD; na mobilização dos diferentes segmentos corporais; no andar (deambular), no equilíbrio e na prevenção de quedas; na diminuição da dependência e do controlo de sintomas com vista á melhoria da QV25,26.
Pese embora, o reconhecimento positivo atual das intervenções específicas dos enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação nos doentes com doença crónica, nesta amostra a sua visibilidade é ainda incipiente, uma vez que apenas um terço destes pacientes foi acompanhado por estes profissionais. Este facto reforça a urgência de dotar os serviços (de internamento e comunitários) com profissionais com competências especializadas no cuidar destes pacientes. A avaliação que fazem sobre o seu desempenho é francamente positiva, destacando sobretudo a diferenciação existente da de outros profissionais, pela perspetiva holística que imprimem nas suas atuações e pelo enfoque colocado na promoção da QV.
Existe robustez e convergência entre estudos, sobre a variabilidade de níveis de QV auferidos pelos participantes com EM. A perceção da QV (valor global) por nós encontrada é moderada, refletindo-se de forma menos positiva nos domínios psicológico e físico, enquanto que os valores médios mais elevados se encontram associados aos domínios das relações sociais e do ambiente. São várias as investigações que têm relatado a existência de uma relação entre o distress emocional e a EM, com destaque para os frequentes sintomas depressivos presentes nestes doentes22,27,28.
De facto a depressão é uma reação à doença que, pelas suas características, é bastante stressante, com potenciais consequências que se podem manifestar nas mais diversas áreas da vida da pessoa, nomeadamente: família, social, profissional, independência nos cuidados (físico), entre outras. Por outro lado, as melhorias verificadas nos domínios das relações sociais e do ambiente podem ser explicados pela resiliência desenvolvida pelos pacientes, conseguindo adaptar-se bem ao diagnóstico e às exigências psicológicas, físicas e sociais que estão associadas aos tratamentos, mas também ás medidas que veem sendo implementadas com vista á promoção da QV.
Na análise da associação entre variáveis, observou-se que os participantes com idade inferior a 45 anos apresentaram melhor QV apenas nos domínios físicos e relações sociais; escolaridade superior, está também associada a uma melhor QV nos domínios, físico e ambiente; de modo similar os paciente que percecionam família funcionais apresentaram melhor QV nos domínios das relações sociais, ambiente e QV global; os mais independentes na realização das atividades de vida diária apresentaram melhor QV nos domínios físico, psicológico e relações sociais e por fim os períodos temporais da ultima crise inferiores a 2 anos associam-se a melhor QV mas apenas no domínio físico.
A literatura existente5,8,14 demonstra que há pior QV na pessoa com EM face a outras populações com outras patologias, verificando- se pior QV em todos os domínios da QV relacionados com a saúde. Embora cada caso tenha uma evolução própria e os tratamentos atuais visem proporcionar ao doente uma vida normal, com manutenção do emprego e das atividades sociais, constituição de família, etc… existe inevitavelmente uma incapacidade progressiva da doença que afeta o desempenho físico, psicológico, relações sociais e QV global. Alguns preditores psicossociais associados á pessoa com doença crónica identificados até o momento, incluem maior apoio socio emocional, menor carga subjetiva, relação de maior qualidade com o paciente e uma maior motivação intrínseca para o autocuidado15,29. São dados parcialmente corroborados por este estudo, uma vez que as variáveis com maior poder explicativo sobre as dimensões da QV da pessoa com EM, são a capacidade para realização das AVD e a funcionalidade familiar percecionada de forma mais positiva, exercendo maior peso preditivo nos domínios físico e Social30,31.
A qualidade de vida observada neste estudo é claramente multidimensional e converge em grande parte com os resultados reportados por outros autores12,27,31. No entanto, diferencia-se de outras investigações desenvolvidas em pacientes com EM em Portugal, quer nas especificidades socioculturais e familiares da amostra, quer na valorização das dimensões da própria qualidade de vida. O foco colocado nos últimos anos, na formação básica e avançada dos enfermeiros sobre um “cuidar holístico” parece estar a dar os seus frutos.
A QV é um constructo complexo, que abrange dimensiones objetivas e subjetivas, que contempla todos os aspetos da vida humana (físicos, emocionais sociais e ambiente). Esta complexidade encontra-se refletida nas dimensiones contempladas pelos adultos jovens da amostra, priorizando os domínios das relações sociais e do ambiente, processos só recentemente incorporados aos modelos conceituais e práticos para a formulação de políticas e estratégias direcionadas à promoção saúde. Este alargamento e fortalecimento de abordagens intersectoriais para as políticas e ações de saúde proporcionam uma maior compreensão destas conceções e ajudará a planificar campanhas educativas que levem a melhores e mais eficientes práticas de autocuidado e realização nestas populações.
Conscientes das limitações deste estudo, tendo em conta o tamanho e tipologia da amostra (impedindo generalização de resultados) e ainda metodologia de colheita de dados (questionário e subjetividade de perceções), acreditamos que as informações podem ser úteis para os profissionais de saúde, com destaque para os enfermeiros especialistas em enfermagem de reabilitação, na compreensão das conceções de saúde e doença crónica subjacentes aos programas de intervenção em doentes com vista á melhor QV em doentes com (EM) .Sugere-se continuidade no estudo do tema, pelos profissionais de saúde, porém com amostras mais robustas e com pesquisas de carater longitudinal.
Conclusão
Constatou-se que as pessoas portadoras de EM em Portugal, apresentam qualidade de vida (global) de nível moderado, sendo os domínios físico e psicológico, avaliados de forma mais negativa. As dimensões relativas às relações sociais e ao ambiente, são valorizados e avaliados de forma mais positiva, o que poderá estar associado ao desenvolvimento de um conjunto de ações com vista a uma melhoria contínua e global para todas as pessoas com EM, por parte dos decisores políticos, profissionais de saúde, investigadores, e agentes económicos.
Uma melhor compreensão das vivencias das pessoas portadoras de EM na perspetiva da QV e interação com os diferentes domínios (sobretudo variáveis associadas), constituirão conhecimentos fundamentais à planificação e implementação de intervenções de enfermagem que conduzam á desejada otimização da qualidade de vida destes pacientes. O acompanhamento regular dos pacientes, deve envolver uma abordagem abrangente e multidisciplinar desde a educação e orientação, monitorização clínica, avaliação funcional comparativa, gestão de sintomas, capacitação para a autogestão e informação continuada sobre os avanços na pesquisa e novas opções de tratamento.
Conflito de Interesse: Os autores declaram não existir conflito de interesses.
Financiamento: Esta Investigação não recebeu aportes financeiros para a sua realização.
Agradecimiento: Agradecemos à Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA:E) e ao Instituto Politécnico de Viseu por todo o apoio prestado.
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